Terceira Turma afasta multa e honorários sobre crédito que recuperanda não podia quitar voluntariamente

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida, não pode ser acrescido da multa e dos honorários advocatícios previstos para a hipótese de recusa ao cumprimento voluntário de sentença (artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015).

O caso analisado diz respeito a ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por uma consumidora contra operadora de telefonia em recuperação judicial. A empresa foi condenada por ter incluído indevidamente o nome da consumidora em cadastro restritivo de crédito.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reconheceu a sujeição do crédito da consumidora aos efeitos da recuperação, mas determinou que o valor fosse acrescido da multa e dos honorários previstos no artigo 523, parágrafo 1º, do CPC.

No recurso ao STJ, a operadora de telefonia alegou que a conclusão do TJRS viola o princípio da igualdade entre os credores.

Habilitação do crédito

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, “o fato gerador do crédito em discussão é anterior ao pedido de recuperação, de modo que não há dúvidas acerca de sua sujeição aos efeitos do processo de soerguimento”.

No entanto – observou a magistrada –, em se tratando de crédito decorrente de ação na qual se demanda quantia ilíquida, o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005 determina que a ação de conhecimento prossiga no juízo original até a definição do valor do crédito, quando então deverá ser habilitado no quadro geral de credores, ficando impedido a partir daí o andamento da execução singular.

Além disso, a relatora destacou que, conforme o artigo 59, caput, da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e o pagamento das dívidas da recuperanda deve respeitar as condições pactuadas, sempre com respeito à igualdade de tratamento entre os credores de cada classe.

Obrigação inexigível

Para Nancy Andrighi, diante de tais circunstâncias, a fase de cumprimento da sentença nem poderia ter sido iniciada, pois a liquidação do crédito só ocorreria depois de devidamente habilitado e de acordo com as disposições do plano de recuperação.

Assim – concluiu a ministra –, não se pode considerar que houve recusa voluntária ao pagamento, que seria a causa de aplicação da multa e dos honorários previstos no parágrafo 1º do artigo 523 do CPC, “uma vez que o adimplemento da quantia reconhecida em juízo, por decorrência direta da sistemática prevista na Lei 11.101/2005, não constituía obrigação passível de ser exigida da recuperanda”.

Ao dar provimento ao recurso especial, a relatora acrescentou que, estando em curso processo recuperacional, a livre disposição, pela devedora, de seu acervo patrimonial para pagamento de créditos individuais sujeitos ao plano de soerguimento violaria o princípio segundo o qual os credores devem ser tratados em condições de igualdade.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CRÉDITO RECONHECIDO JUDICIALMENTE. AÇÃO QUE DEMANDAVA QUANTIA ILÍQUIDA. ART. 6º, § 1º, DA LEI 11.101⁄05. FATO GERADOR ANTERIOR AO PEDIDO. SUBMISSÃO AOS EFEITOS DO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. NOVAÇÃO. ART. 59 DA LEI 11.101⁄05. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 523, § 1º, DO CPC⁄15. MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE RECUSA VOLUNTÁRIA AO ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO.
1. Ação ajuizada em 22⁄6⁄2017. Recurso especial interposto em 16⁄12⁄2019. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 26⁄5⁄2020.
2. O propósito recursal é analisar (i) se houve negativa de prestação jurisdicional e (ii) se o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial da devedora, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida, deve ser acrescido da multa e dos honorários advocatícios previstos no art. 523, § 1º, do CPC⁄15.
3. Não caracteriza negativa de prestação jurisdicional o pronunciamento que, a despeito de não se coadunar com os interesses da parte, aplica, fundamentadamente, o direito à espécie e soluciona integralmente a controvérsia submetida à apreciação.
4. Nos termos do art. 59, caput, da Lei 11.101⁄05, o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos.
5. No que concerne à habilitação, em processo de recuperação judicial, de quantias decorrentes de demandas cujos pedidos são ilíquidos, esta Corte Superior entende que, nos termos do art. 6, § 1º, da Lei 11.101⁄05, a ação de conhecimento deverá prosseguir perante o juízo na qual foi proposta até a determinação do valor do crédito, momento a partir do qual este deverá ser habilitado no quadro geral de credores da recuperanda.
6. A multa e os honorários advocatícios previstos no art. 523, § 1º, do CPC⁄15, por seu turno, somente incidem sobre o valor da condenação nas hipóteses em que o executado não paga voluntariamente a quantia devida estampada no título executivo judicial.
7. Na hipótese, portanto, não há como acrescer ao valor do crédito devido pela recorrente a penalidade do dispositivo supra citado, uma vez que o adimplemento da quantia reconhecida em juízo, por decorrência direta da sistemática prevista na Lei 11.101⁄05, não constituía obrigação passível de ser exigida da recuperanda nos termos da regra geral da codificação processual.
8. Ademais, estando em curso processo recuperacional, a livre disposição, pela devedora, de seu acervo patrimonial para pagamento de créditos individuais sujeitos ao plano de soerguimento violaria o princípio segundo o qual os credores devem ser tratados em condições de igualdade dentro das respectivas classes.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Leia o acórdão.
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1873081

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