STJ decide que o não pagamento voluntário de crédito extraconcursal por empresa em recuperação gera multa e honorários

A multa e os honorários advocatícios decorrentes do não pagamento voluntário da dívida – previstos no artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC) – também são aplicáveis aos créditos extraconcursais de empresa em recuperação judicial – ou seja, às dívidas que não fazem parte do plano de soerguimento.

Entretanto, havendo determinação para que os créditos extraconcursais sejam pagos em ordem cronológica, o prazo para a quitação voluntária deve ser contado a partir do momento em que o juízo da recuperação der a respectiva autorização.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás, para o qual as penalidades previstas no artigo 523 do CPC deveriam incidir contra a empresa em recuperação de forma automática, assim que fosse verificado o não pagamento no prazo legal.

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a questão da incidência das penalidades do artigo 523 contra empresa em recuperação foi analisada pela Terceira Turma no REsp 1.873.081, porém, naquele caso, discutiam-se créditos de natureza concursal.

Segundo a magistrada, como regra geral, inexistindo impedimento ao cumprimento da obrigação reconhecida em sentença, a penalidade estipulada no CPC incidirá sempre que não houver o pagamento voluntário no prazo previsto, ou quando o devedor apresentar resistência na fase executiva do processo.

“A hipótese em análise, entretanto, apresenta como particularidade o fato de a sociedade empresária devedora estar em recuperação judicial, circunstância que é invocada pela recorrente como causa apta a afastar a imposição das penalidades em questão, ainda que se trate de créditos não sujeitos ao processo de soerguimento”, detalhou a relatora.

Créditos não abrangidos pela recuperação podem ser pagos normalmente

No recurso ao STJ, a empresa alegou que, estando em curso o processo de recuperação, ela não poderia dispor livremente de seu patrimônio – circunstância que afastaria a aplicação do artigo 523, parágrafo 1º, do CPC.

Entretanto, Nancy Andrighi lembrou que, nos termos do artigo 59 da Lei 11.101/2005, somente as dívidas sujeitas ao plano de recuperação (créditos concursais) precisam ser pagas de acordo com as condições nele pactuadas.

“As obrigações não atingidas pela recuperação judicial, consequentemente, devem continuar sendo cumpridas normalmente pela devedora, uma vez que os créditos correlatos estão excluídos do plano e de seus efeitos”, explicou, lembrando que a recuperação não impede a prática de vários atos empresariais, como o pagamento de fornecedores e trabalhadores.

Fluência do prazo a partir da autorização do depósito judicial

No caso dos autos, a ministra ressalvou que o juízo no qual tramita a recuperação determinou que os créditos extraconcursais sejam pagos em ordem cronológica, mediante depósito judicial, independentemente de estar ou não encerrado o processo de soerguimento.

Dessa forma, a magistrada considerou razoável que a fluência do prazo de 15 dias previsto no caput do artigo 523 do CPC tenha início apenas a partir do momento em que a recuperanda for chamada a fazer o depósito judicial.

“Isso porque, dadas tais especificidades, somente após a devedora estar autorizada pelo juízo da recuperação a efetuar o depósito judicial da quantia objeto da execução individual é que o inadimplemento pode passar a ser considerado voluntário, hipótese fática que, como visto, está apta a atrair a incidência das consequências jurídicas previstas no artigo precitado”, finalizou a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 523, § 1º, DO CPC⁄15. INCIDÊNCIA. NECESSIDADE, NO PARTICULAR, DE AUTORIZAÇÃO DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO PARA INÍCIO DA FLUÊNCIA DO PRAZO. MOMENTO A PARTIR DO QUAL EVENTUAL RECUSA AO ADIMPLEMENTO SERÁ CONSIDERADA VOLUNTÁRIA.
1. Ação ajuizada em 14⁄5⁄2019. Recurso especial interposto em 27⁄1⁄2021. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 26⁄7⁄2021.
2. O propósito recursal consiste em definir se crédito extraconcursal devido por empresa em recuperação judicial, objeto de cumprimento de sentença em curso, pode ser acrescido das penalidades previstas no art. 523, § 1º, do CPC⁄15.
3. A multa e os honorários advocatícios previstos no art. 523, § 1º, do CPC⁄15 somente incidem sobre o valor da condenação nas hipóteses em que o executado não paga voluntariamente a quantia devida estampada no título judicial no prazo de 15 dias.
4. A recuperanda não está impedida, pelo texto da Lei 11.101⁄05, de satisfazer voluntariamente créditos extraconcursais perseguidos em execuções individuais, de modo que as consequências jurídicas previstas na norma do dispositivo precitado devem incidir quando não pago o montante devido.
5. Hipótese concreta em que o juízo da recuperação judicial estabeleceu critérios que devem ser observados para o pagamento dos créditos extraconcursais: expedição de ofício pelo juízo da execução singular, seguido de comunicação à recuperanda para depósito do valor devido.
6. Não sendo, portanto, defeso à recuperanda dispor de seu acervo patrimonial para pagamento de créditos extraconcursais (observada a exceção do art. 66 da LFRE), uma vez recebida a comunicação do juízo do soerguimento para depósito da quantia objeto da execução, deve passar a correr o prazo de 15 dias estabelecido no art. 523, caput, do CPC⁄15.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

Leia o acórdão no REsp 1.953.197.

Leia mais:

Terceira Turma afasta multa e honorários sobre crédito que recuperanda não podia quitar voluntariamente

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1953197

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