STF julga constitucional lei que proíbe uso de fogos de artifício ruidosos na capital paulista

 

O Tribunal entendeu que a norma local foi editada visando assegurar maior proteção à saúde e ao meio ambiente no âmbito do município.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a Lei 16.897/2018 do Município de São Paulo, que proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampido e de artifício e de artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 26/2, no julgamento pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Fundamental (ADPF) 567, ajuizada pela Associação Brasileira de Pirotecnia (Assobrapi).

Na ADPF, a entidade alegou que a lei local conflitaria com a legislação federal e estadual sobre a matéria, desrespeitando o princípio federativo previsto na Constituição Federal. Apontou, ainda, invasão da competência da União e extrapolação da competência suplementar e restrita ao interesse local.

O Plenário afastou essas alegações ao seguir o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, a lei procurou promover um padrão mais elevado de proteção à saúde e ao meio ambiente e foi editada dentro de limites razoáveis do regular exercício de competência legislativa pelo município.

Pessoas com autismo

Em seu voto, o relator traz informações da audiência pública que precedeu a edição da lei, em que foram abordados os impactos negativos que esses fogos causam à saúde de pessoas com transtornos do espectro autista com hipersensibilidade auditiva e os prejuízos que acarretam à vida animal. Segundo um artigo científico anexado ao processo, 63% dessas pessoas não suportam estímulos acima de 80 decibéis, enquanto a poluição sonora advinda da explosão de fogos de artifício pode alcançar de 150 a 175 decibéis.

O ministro registrou que dados do Center of Diseases and Prevention, órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, apontam a existência de um caso de autismo a cada 110 pessoas. Portanto, considerada a população de cerca de 12 milhões de habitantes do Município de São Paulo, é possível estimar que a vedação à utilização dos fogos beneficia cerca de 110 mil pessoas. “A lei paulistana, assim, tem por objetivo a tutela do bem-estar e da saúde da população de autistas residente no município”, afirmou.

 

Proteção aos animais

Quanto à proteção ao meio ambiente, o ministro mencionou estudos científicos que demonstram os danos que o ruído dos fogos de artifício acarretam a diversas espécies animais. Para ele, o fato de a lei restringir apenas a utilização desse tipo de fogos “parece conciliar razoavelmente os interesses em conflito”. Ele frisou que a norma, explicitamente, excetua da proibição os fogos de vista, que produzem efeitos visuais sem estampido, assim como os similares que acarretam barulho de baixa intensidade.

Normas mais protetivas

Ao afastar o argumento da Assobrapi de invasão da competência legislativa da União para legislar sobre o tema, o relator ressaltou que a proteção à saúde e ao meio ambiente concernem à atuação de todos os entes da federação e que a jurisprudência do STF permite aos estados e aos municípios editar normas mais protetivas, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse.

Divergência

Ficou vencido o ministro Edson Fachin, que, apesar de concordar com o mérito, entendeu que a ação não atende ao requisito da subsidiariedade e votou pelo não conhecimento da ADPF.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 16.897/2018 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE LOCAL (ART. 30, I, DA CF). COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL. PROIBIÇÃO RAZOÁVEL DE MANUSEIO, UTILIZAÇÃO, QUEIMA E SOLTURA DE FOGOS DE ESTAMPIDOS, ARTIFÍCIOS E ARTEFATOS PIROTÉCNICOS SOMENTE QUANDO PRODUZIREM EFEITOS SONOROS RUIDOSOS. PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE. IMPACTOS GRAVES E NEGATIVOS ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. DANOS IRREVERÍSVEIS ÀS DIVERSAS ESPÉCIES ANIMAIS. IMPROCEDÊNCIA.

1. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades competentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, competindo à União atuar em matérias e questões de interesse geral; aos Estados, em matérias e questões de interesse regional; aos Municípios, assuntos de interesse local e, ao Distrito Federal, tanto temas de interesse regional quanto local.

2. As competências municipais, dentro dessa ideia de predominância de interesse, foram enumeradas no art. 30 da Constituição Federal, o qual expressamente atribuiu aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, II). A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já assentou que a disciplina do meio ambiente está abrangida no conceito de interesse local e que a proteção do meio ambiente e da saúde integram a competência legislativa suplementar dos Municípios. Precedentes.

3. A jurisprudência desta CORTE admite, em matéria de proteção da saúde e do meio ambiente, que os Estados e Municípios editem normas mais protetivas, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse. A Lei Municipal 16.897/2018, ao proibir o uso de fogos de artifício de efeito sonoro ruidoso no Município de São Paulo, promoveu um padrão mais elevado de proteção à saúde e ao meio ambiente, tendo sido editada dentro de limites razoáveis do regular exercício de competência legislativa pelo ente municipal.

4. Comprovação técnico-científica dos impactos graves e negativos que fogos de estampido e de artifício com efeito sonoro ruidoso causam às pessoas com transtorno do espectro autista, em razão de hipersensibilidade auditiva. Objetivo de tutelar o bem-estar e a saúde da população de autistas residentes no Município de São Paulo.

5. Estudos demonstram a ocorrência de danos irreversíveis às diversas espécies animais. Existência de sólida base técnico-científica para a restrição ao uso desses produtos como medida de proteção ao meio ambiente. Princípio da prevenção.

6. Arguição de Preceito Fundamental julgada improcedente.

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