Servidora pública não é obrigada a devolver valores recebidos de boa-fé por força de decisão judicial posteriormente reformada

Tendo em conta o recebimento de proventos da aposentadoria de boa-fé, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) considerou indevida a reposição ao erário de valores recebidos a título de vantagem pessoal na aposentadoria. Com isso, confirmou a sentença em mandado de segurança impetrado no TRF1.

Os valores da aposentadoria juntamente com a Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI) foram pagos indevidamente por motivo de sucessivas decisões judiciais, em outro processo, que foram posteriormente reformadas, cessando o pagamento.

A União argumentou no processo ser devida a restituição das quantias que foram pagas enquanto as decisões estavam valendo, tendo em vista o princípio da vedação do enriquecimento ilícito da servidora e, principalmente, por se tratar de verba pública.

No TRF1, o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, explicou que a questão discutida no caso não é o eventual erro da Administração que resultou no pagamento posteriormente revogado, mas sim se os valores recebidos em decorrência devem ou não ser devolvidos.

Restituição descabida – De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prosseguiu o relator, “não pode o servidor alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos, em razão da própria precariedade da medida concessiva e, por conseguinte, da impossibilidade de presumir a definitividade do pagamento”.

Porém, destacou, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), “é desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada em razão de mudança de jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias em que o servidor público atuou de boa-fé”.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PARCELAS PERCEBIDAS EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA OU NÃO DEFINITIVA POSTERIORMENTE REVOGADA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO INDEVIDA.

1. A sentença proferida está sujeita à remessa oficial, eis que concessiva da segurança (art. 14, §1º, da Lei 12.016/2009).

2. Visa a União que a requerida, servidora aposentada, efetue a reposição ao erário dos valores recebidos por equívoco, tendo-se em conta que a impetrante não faz jus à manutenção da vantagem do artigo 2° da Lei n° 8.911/94 (recebimento da parcela “Opção Fundo DAS”)  em seus proventos, já que se aposentou posteriormente a 18/01/1995 – prazo estipulado em lei para a garantia do direito adquirido.

3. A Primeira Seção do STJ firmou o entendimento de que, tanto para verbas recebidas por antecipação de tutela posteriormente revogada (REsp 1.384.418/SC, depois confirmado sob o rito do art. 543-C do CPC no REsp 1.401.560/MT), quanto para verbas recebidas administrativamente pelo servidor público (REsp 1.244.182/PB), o beneficiário deve comprovar a sua patente boa-fé objetiva no recebimento das parcelas.

4. Não obstante o entendimento acima citado, o STF, no julgamento dos MS 25.430 e AgR MS 30.556, pronunciou-se no sentido de que é desnecessária a devolução dos valores recebidos por força de decisão judicial precária posteriormente reformada, em razão de mudança de jurisprudência, sendo também descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias em que o servidor público atuou de boa-fé.

5. Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, assim, afastam o dever de restituição de parcelas recebidas por ordem liminar revogada. Entendimento ratificado no julgamento do MS 32185 ED, Relator Marco Aurélio, Relator p/acórdão: Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, processo eletrônico DJe-169, Divulg. 02-08-2019, publicado 05-08-2019)

6. Na hipótese, deve ser declarada a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, a título precário, no período em que a antecipação dos efeitos da tutela produziu efeitos, bem como enquanto em vigor as decisões judiciais proferidas no bojo do mandado de segurança nº 2005.36.00.005081-7/MT. Denota-se dos autos que o restabelecimento do valor dos proventos da requerida, a partir de junho de 2005, fora amparado pela liminar proferida nos autos do dito MS, confirmada pela sentença de mérito, publicada em 16/01/2006. Posteriormente, em 24/09/2010, este Colendo Tribunal negou provimento à apelação e remessa necessárias, mantendo o direito da requerida ao recebimento de sua aposentadoria com a parcela DAS. Tão somente em 16/04/2012, com o julgamento do AResp 70.226/MT pelo STJ, esta Insigne Corte entendeu não ter a Administração decaído do direito de revisar a aposentadoria da servidora, sendo, portanto, legítima a redução dos seus proventos. Posto isso, sobressai-se o recebimento de boa-fé das remunerações, respaldado por força de sentença de mérito, confirmada em 2º Grau. Isso porque “a dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia – e, de fato, deve confiar – no acerto do duplo julgamento (…)” (STJ, EREsp 1.086.154/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, DJe de 19/03/2014).

7. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.

Para o STF, concluiu, os princípios da boa-fé e da segurança jurídica afastam o dever de restituição das parcelas recebidas por decisão judicial liminar revogada posteriormente.

Processo: 1000194-23.2016.4.01.3600

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