Anestesiologista prestou serviços por 13 anos, mas não conseguiu demonstrar esse requisito
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso de um anestesiologista contra decisão que afastou o vínculo de emprego entre ele e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR). Segundo o colegiado, não cabe, em recurso de revista, desconstituir a base fática que havia levado a instância anterior a concluir que não ficara caracterizada a subordinação, um dos requisitos da relação de emprego.
Pessoa jurídica
Na ação trabalhista, o anestesiologista disse que prestara serviços, sem registro na carteira, de 2003 a 2016. Até 2007, a remuneração era calculada por produtividade, com base nos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), de convênios e de consultas particulares e depositada diretamente em sua conta bancária de pessoa física, sem contrato escrito. Nessa época, segundo ele, teve de constituir pessoa jurídica, para continuar prestando os mesmos serviços.
Autônomo
O vínculo de emprego foi reconhecido pelo juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) reformou a sentença, por entender que não foram demonstrados os requisitos de vínculo (subordinação jurídica) nem a existência de fraude por meio de “pejotização”. Segundo o TRT, o médico prestara serviços como autônomo, “condição que lhe permitia escolher para qual empresa prestaria seus serviços, no horário e da forma como pretendesse”.
A decisão registra, ainda, que o médico também trabalhava para outro hospital, como sócio da pessoa jurídica constituída por ele, o que demonstraria que o objetivo não era apenas “camuflar” a relação de emprego com a Santa Casa.
Subordinação
O relator do agravo com o qual o médico pretendia rediscutir o caso no TST, ministro Evandro Valadão, assinalou que toda a argumentação do recurso se refere à caracterização dos elementos do vínculo de emprego, especialmente a subordinação. Para isso, ele havia interposto embargos de declaração requerendo a transcrição, pelo TRT, de pontos que demonstrariam esse requisito, como a troca de e-mails sobre horários e cobranças e sua atuação como chefe de serviço e coordenador médico do centro cirúrgico.
Limites do TST
Contudo, o ministro explicou que, em razão dos limites de sua atuação, o TST tem a “difícil tarefa de dizer o direito sem poder mergulhar no contexto fático dos autos”. Na sua avaliação, para cada fragmento incompleto de prova testemunhal relatada pelo TRT nos embargos de declaração que, supostamente, confirmariam a tese da subordinação, seria necessário o contraste e a desconstituição do que foi considerado pela instância regional.
Essa pretensão acabaria por tornar o TST “a terceira instância julgadora de mérito”, descaracterizando sua missão institucional e atraindo a incidência da proibição da Súmula 126 do TST.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MÉDICO ANESTESIOLOGISTA. SUBORDINAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE. ARTS. 2, 3º E 9º DA CLT. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL. RECONHECIMENTO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126 DO TST.
I. Cabe a esta Corte Superior examinar, previamente, se a causa oferece transcendência, sob o prisma de quatro vetores taxativos (econômico, político, social e jurídico), que se desdobram em um rol de indicadores meramente exemplificativo, referidos nos incisos I a IV do art. 896-A da CLT. O vocábulo “causa”, a que se refere o art. 896-A, caput , da CLT, não tem o significado estrito de lide, mas de qualquer questão federal ou constitucional passível de apreciação em recurso de revista. O termo “causa”, portanto, na acepção em referência, diz respeito a uma questão jurídica, que é a síntese normativo-material ou o arcabouço legal de que se vale, em um certo caso concreto, como instrumento de resolução satisfatória do problema jurídico. É síntese, porque resultado de um processo silogístico. É normativo, por se valer do sistema jurídico para a captura e criação da norma.
II . No caso, discute-se a configuração de vínculo de emprego, especialmente a existência de relação de subordinação a que se submetia a parte reclamante na prestação dos serviços de médico anestesiologista, o que viabilizaria a identificação de fraude sob o artifício da pejotização, a caracterizar possível violação dos arts. 2º e 3º da CLT.
III . Observa-se que o tema em apreço oferece transcendência social , pois a pretensão recursal da parte reclamante está jungida à tutela e à preservação de direitos sociais constitucionalmente assegurados, que representam bens e valores fundamentais titularizados pela coletividade, que supostamente foram violados de maneira intolerável. Importa registrar que a Sétima Turma do TST já decidiu que a discussão sobre vínculo de emprego, de cunho reconhecidamente social, observada a proteção constitucional de que lhe é própria (CRFB, 7º, I), pode alcançar transcendência social a viabilizar o exame do recurso de revista . Precedentes.
IV . Com efeito, os termos do acórdão regional habitam a linha gris entre a área jurisdicional de atuação ordinária, soberana na apreciação do contexto fático dos autos, e a possibilidade de exame das pretensões recursais dentro da competência primária do TST, nas estritas balizas da instância extraordinária, fixadas no art. 896 da CLT. Ao mesmo tempo em que a conclusão do Tribunal Regional do Trabalho lastreia-se nas questões fáticas para embasar o afastamento da identificação do vínculo de emprego, fundado na tese jurídica do que se delimitou como subordinação nessa relação jurídica e que tal fato jurígeno não ocorreu nos autos, o que viabilizou o reconhecimento do trabalho autônomo da parte reclamante, há também as questões apresentadas no recurso de revista, cujo teor perfilha diversos elementos contextuais, expressos na própria decisão regional recorrida (acórdão em embargos de declaração) que, eventualmente, ao serem cotejados, induziriam ao reconhecimento de que a sentença não mereceria ser reformada.
V . Em regra, ao analisar recurso de revista, não é permitido a esta Corte Superior Trabalhista reexaminar o contexto fático dos autos, nos exatos termos da Súmula 126 do TST. E isso detém uma abrangência que não se concentra apenas em proibir que se verifique se outras provas carreadas pelas partes, ou que foram produzidas por determinação do juiz, poderiam alterar o teor da decisão recorrida. Até mesmo aquele contexto fático registrado no acórdão regional que a parte recorrente entende favorável a sua tese não poderá ser objeto de reinterpretação para atender a pretensão recursal, principalmente se a fundamentação do Tribunal a quo encontra-se lastreada em outras provas válidas dos autos, ainda que contrárias ao interesse da parte recorrente. Frise-se, não cabe, em sede de recurso de revista, desconstituir a base fática apreciada no acórdão regional e elevar outros elementos probatórios, ainda que registrados na decisão recorrida regional, tais como a transcrição de depoimentos testemunhais no acórdão proferido em embargos de declaração, para se modificar a conclusão do pronunciamento judicial ordinário, objeto do recurso de natureza extraordinária. Essa escolha de prioridades de quais dados fáticos são essenciais, ou não, para se chegar a uma decisão judicial fundamentada cabe à instância ordinária, desde que respeitados, claro, o art. 93, IX, da Constituição da República, e o art. 371 do CPC de 2015.
VI. No caso vertente, toda argumentação do recurso de revista, reiterada no agravo interno, se refere à configuração dos elementos do vínculo de emprego, especialmente a subordinação. Para isso, a parte agravante interpôs embargos de declaração em face do acórdão regional, suscitando questões fáticas que consubstanciariam sua tese. Em que pese o acórdão regional afirmar que não restaram configurados nenhum dos elementos do vínculo de emprego, apenas se concentra a identificar, mediante o exame de provas testemunhais, que inexistia subordinação jurídica entre as partes, concluindo que a parte reclamante prestou serviços como médico antestesiologista de forma autônoma por pouco mais de 13 anos, assim como afasta a existência de fraude trabalhista por meio de pejotização.
VII. Constata-se, então, no caso presente, que, para se considerar os relatos fáticos da decisão regional em embargos de declaração, ter-se-ia que desconstituir a avaliação probatória do Tribunal Regional sobre a matéria. Isto é, para cada fragmento incompleto de prova testemunhal relatada no acórdão regional em embargos de declaração que, supostamente, confirmariam a tese de que houve subordinação, exigir-se-ia o contraste e até a desconstituição do que foi considerado pelo acórdão regional quando reformou a sentença. Esse desiderato acaba por tornar o Tribunal Superior do Trabalho a terceira instância julgadora de mérito subjetivo, descaracterizando por completo a missão institucional que lhe foi conferida, de modo que incide o óbice da Súmula 126 do TST para o processamento do recurso de revista.
VIII. Agravo interno de que se conhece e a que se nega provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: AIRR-11742-53.2016.5.09.0012