Terras tradicionalmente ocupadas por indígenas têm proteção especial, decidiu a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao manter a sentença que negou provimento ao pedido de pagamento de indenização pela desapropriação indireta da Fazenda “Queixada do Corriola”, localizada no município de Minaçu/GO, abarcada pela demarcação da reserva indígena Avá-Canoeiro.
Na sentença, proferida pelo Juízo da Vara Federal da Subseção Judiciária de Uruaçu/GO, ficou consignado que os títulos de domínio das terras seriam inválidos por advirem de alienação de terras ocupadas de forma imemorial pelos indígenas Avá-Canoeiro, protegidas constitucionalmente desde 1934.
Sustentaram os apelantes que adquiriram e registraram o título de propriedade, de boa-fé, do Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (Idago) muito antes de vir a ser transformada em território indígena, tendo ainda realizado benfeitorias, tais como casas, currais, formação de pastos etc. Requerem a indenização por desapropriação indireta e pelas benfeitorias.
Relator do processo, o juiz federal convocado José Alexandre Franco frisou que a proteção aos índios e às terras que tradicionalmente ocupam vem desde a Constituição de 1934, sendo protegidos no art. 231 da atual Constituição Federal de 1988.
Explicou o relator que a posse imemorial é um tipo específico de posse, de natureza originária (ou seja, sempre existiu) e coletiva (isto é, não tem um único titular), que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada, vale dizer, não se aplicam as regras de direito privado. No caso concreto, a nulidade dos títulos dominiais, decorrente da aquisição ilegítima dos imóveis, afasta a incidência do instituto da desapropriação indireta (instituto do direito civil em que a União ocupa o imóvel antes de proceder à indenização).
Concluiu o magistrado que, na situação concreta, ainda que se possa alegar a boa-fé, há de se afastar qualquer direito a indenização, pois, além da inexistência de título de propriedade legítimo, os autores não fizeram prova das benfeitorias que teriam realizado dentro da demarcação da reserva indígena.
O recurso ficou assim ementado:
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DESCARACTERIZAÇÃO. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. ATO DECLARATÓRIO DE POSSE IMEMORIAL. NÃO PROVIMENTO DA APELAÇÃO.
1. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios gozam de proteção especial, devendo ser garantido o seu direito originário, inclusive através de processo de retirada de terceiros que estejam ocupando e usufruindo do território que tradicionalmente pertence à comunidade indígena, ressalvado o direito de indenização pelas benfeitorias de boa-fé erigidas pelos ocupantes (CR, art. 231).
2. Hipótese em que não se discute a natureza da propriedade desapropriada, sendo incontroverso que “as terras correspondentes à Fazenda “Queixada dos Carriolas”, situada no Município de Minaçu/GO, foi originalmente registrada com base em títulos expedidos pelo Estado de Goiás em 23/04/1975 e que, de fato, foi incluída quando da demarcação das terras indígenas à etnia Avá-Canoeiros pela FUNAI (f. 38/43 e 68/78).”
3. Nesse contexto, a existência de eventual registro imobiliário de terras indígenas em nome do particular qualifica-se como situação juridicamente irrelevante e absolutamente ineficaz, pois, em tal ocorrendo, prevalece o comando constitucional que declara nulo e sem nenhum efeito jurídico atos que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras tradicionalmente habitadas por silvícolas.
4. A nulidade dos títulos dominiais, decorrente da aquisição ilegítima de imóveis, afasta a incidência do instituto da desapropriação indireta. Isso porque “não está em jogo, propriamente, o conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos vocábulos: trata-se do habitat de um povo” (Voto do Ministro V. Nunes Leal, RE 44.585-MT, 1961). Impossibilidade de aplicação da regra do direito privado por se tratar de área que consta como reserva indígena devidamente demarcada desde 1994.
5. Ausentes nos autos elementos que demonstrem a “existência de casas, cercas, divisas de pastos, plantio de árvores ou de abertura de estradas a que se faz menção na inicial”, não há como se fixar quaisquer valores indenizatórios em favor dos apelantes. Ainda que se possa cogitar da existência de boa-fé, a ausência de demonstração das despesas alegadas na inicial, obsta o pagamento pretendido, permanecendo incólumes as conclusões do processo administrativo FUNAI/BSB/1658/95.
6. Não provimento da apelação.
Processo 0017413-80.2013.4.01.3500