Em homenagem ao direito constitucional de proteção à saúde, uma servidora pública teve concedida a remoção de forma definitiva da Subseção Judiciária de Picos/PI para a Seção Judiciária do mesmo estado, localizada na capital, Teresina. Porém, após mais de três anos, a requerente foi surpreendida com a ordem para que comprovasse a permanência da patologia ou deveria retornar à cidade de Picos. Inconformada, a servidora impetrou mandado de segurança, que foi julgado pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
No processo, ela sustentou que deve ser reconhecida sua remoção definitiva “com base no art. 36, parágrafo único, III, “b”, da Lei 8.112/90, no laudo pericial, bem como na proteção conferida constitucionalmente à família e no direito fundamental à saúde, arts. 196 e 226 da CF/88”.
A junta médica a que foi submetida a servidora inicialmente atestou que a capital tem tratamento especializado para as enfermidades psicológicas de que sofre a autora, em convívio familiar, e tanto o laudo como o ato que determinou a remoção deixaram de mencionar que tal remoção seria em caráter temporário.
O relator do mandado de segurança foi o corregedor-regional da Justiça Federal da 1ª Região, desembargador federal Néviton Guedes, que, analisando o processo, observou que ao diagnosticar o quadro de depressão grave por que passava a servidora não ressalvou que futuramente deveria ocorrer reavaliação. O próprio laudo pericial, respondendo a quesito relativo à natureza da mudança (art. 29, III, da Resolução 3/2008-CJF), “expressamente consignou que a mudança de domicílio não tinha caráter temporário”, acrescentou Guedes.
Contraditoriamente, prosseguiu, o laudo posterior elaborado pela nova junta médica ao mesmo tempo em que opinou pela mudança temporária taxativamente afirmou que a localidade de origem (Picos) ocasiona o agravamento da doença psiquiátrica e identificou a instabilidade do quadro e a necessidade do suporte familiar.
Embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) oriente no sentido de que as remoções por motivo de saúde devem ser reavaliadas por junta médica periodicamente, “o Conselho da Justiça Federal, recentemente, editou a Resolução nº 776, de 28/06/2022, praticamente reproduzindo o que já dispunha a Resolução CJF nº 03/2008, estabeleceu que, na remoção por motivo de saúde, o laudo médico emitido por junta oficial deverá indicar se “a mudança de domicílio pleiteada terá caráter temporário e, em caso positivo, a época de nova avaliação médica”, o que não foi cumprido pelo primeiro laudo.
Diante desse quadro e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TRF1, no sentido de assegurar o direito constitucional de proteção à saúde (art. 196 da Constituição Federal), o magistrado concluiu que deve ser reconhecida como definitiva a remoção da servidora da Subseção Judiciária de Picos/PI para a sede da Seção Judiciária do Estado do Piauí.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DA JUSTIÇA FEDERAL. REMOÇÃO PARA SEDE DE SEÇÃO JUDICIÁRIA POR MOTIVO DE SAÚDE. PARECER DE JUNTA MÉDICA OFICIAL PELA REMOÇÃO DO SERVIDOR. POSTERIOR DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO DE SAÚDE. LAUDO PERICIAL OPINANDO PELA REMOÇÃO TEMPORÁRIA. LAUDO PERICIAL ORIGINAL QUE NÃO INDICOU QUE A REMOÇÃO TERIA CARÁTER TEMPORÁRIO. PREVALÊNCIA DA PRIMEIRA PERÍCIA. RESOLUÇÃO Nº 776/CJF. DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO À SAÚDE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por servidora da Justiça Federal contra ato atribuído ao presidente deste Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que, após a concessão de remoção da servidora, por motivo de saúde, da Subseção Judiciária de Picos/PI para a sede da Seção Judiciária do Estado do Piauí, determinou posteriormente que ela deveria se submeter à nova avaliação pela junta médica para verificação da persistência da doença que ensejou sua remoção.
2. Destaca a impetrante que a autoridade impetrada, “ao reabrir o processo administrativo, após três anos e três meses da remoção com caráter definitivo, e determinar que a impetrante comprove a permanência da sua patologia, sob pena de retornar a cidade de origem, feriu o direito líquido e certo da requerente”.
3. O Ato PRESI nº 1191, que concedeu à impetrante o direito à remoção para a sede da SJ/PI, não fez nenhuma menção de que a remoção seria em caráter temporário, nem mesmo o laudo da junta médica oficial, elaborado em 15/06/2015.
4. A junta médica oficial, ao diagnosticar que a servidora apresentava um quadro de depressão grave (CID 10 533.2), não ressalvou que ela deveria ser futuramente reavaliada.
5. No próprio laudo pericial, a junta médica, respondendo a quesito relativo à natureza da mudança (art. 29, III, da Resolução 3/2008-CJF), expressamente consignou que a mudança de domicílio não tinha caráter temporário.
6. Por sua vez, no laudo pericial elaborado pela nova junta médica oficial, em 19/12/2018, não obstante opinar pela remoção pelo período de 01 (um) ano, os próprios médicos concluíram, categoricamente, que (cito): “A localidade de origem da alocação da servidora (PICOS) contribui para o agravamento da doença psiquiátrica, tendo em vista que o quadro é recorrente e encontra-se instável no momento, e o suporte familiar é essencial para melhor estabilização do quadro”.
7. Mostra-se contraditório, portanto, o novo laudo pericial, uma vez que opina pela mudança temporária de domicílio da servidora, mas, ao mesmo tempo, afirma que a cidade de origem contribui para o agravamento da doença.
8. Não se desconhece que a autoridade impetrada informou que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ orientava no sentido de que “as remoções por motivo de saúde ostentam caráter temporário”, conforme decidido no julgamento do PCA nº 0003234-63.2013.2.00.0000, “onde restou assentado que os servidores removidos por motivo de saúde, ou os seus dependentes que ensejaram suas remoções, devem ser submetidos a reavaliação por Junta Médica a cada período de, no máximo, dois anos”.
9. Porém, o Conselho da Justiça Federal, recentemente, editou a Resolução nº 776, de 28/06/2022, praticamente reproduzindo o que já dispunha a Resolução CJF nº 03/2008, estabeleceu que, na remoção por motivo de saúde, o laudo médico emitido por junta oficial deverá indicar se “a mudança de domicílio pleiteada terá caráter temporário e, em caso positivo, a época de nova avaliação médica”.
10. Como o laudo da perícia médica original expressamente consignou que a mudança de domicílio não tinha caráter temporário, não remanesce dúvida de que a remoção da servidora deve ser reconhecida, efetivamente, como de caráter definitivo.
11. Por fim, não se deve desconsiderar que a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que “em homenagem ao princípio de hermenêutica constitucional e da concordância prática, o disposto no art. 36, III, b, da Lei 8.112/90 deve ser interpretado em harmonia com o que estabelecido no art. 196 do Texto Maior (direito subjetivo à saúde), ponderando-se os valores que ambos objetivam proteger” e de que “o Poder Público tem, portanto, o dever político-constitucional impostergável de assegurar a todos proteção à saúde, bem jurídico constitucionalmente tutelado e consectário lógico do direito à vida, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue, mormente na qualidade de empregador” (MS 18.391/DF, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 21/08/2012).
12. Mostra-se comprovada, portanto, a presença de direito líquido e certo da impetrante a amparar a impetração (art. 1º, da Lei 12.016/2009).
13. Segurança concedida para, confirmando a liminar deferida, reconhecer como definitiva a remoção da servidora impetrante da Subseção Judiciária de Picos/PI para a sede da Seção Judiciária do Estado do Piauí.
14. Sem honorários advocatícios (art. 25, da Lei 12.016/2009).
A decisão do Colegiado foi unânime.
Processo: 1005683-69.2019.4.01.0000