A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicabilidade da figura do consumidor bystander (consumidor por equiparação) em um caso de danos morais decorrentes de dano ambiental e, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), confirmou a inversão do ônus da prova determinado pelas instâncias ordinárias.
O colegiado negou provimento ao recurso especial no qual a JBS Aves Ltda. sustentou que o CDC não poderia ser aplicado ao caso, pois não haveria acidente de consumo e, assim, não estaria caracterizada a figura do consumidor por equiparação.
Autora apontou problemas de saúde decorrentes da poluição
Segundo o processo, a atividade industrial da JBS em sua unidade no município de Passo Fundo (RS) causava poluição sonora e atmosférica, com produção de ruído intenso, emissão de fuligem, gases e odores fétidos, tendo ocorrido, inclusive, vazamento de amônia.
Nesse contexto, uma mulher ajuizou ação requerendo indenização por danos morais e apontando problemas de saúde derivados do ambiente insalubre: hipoxemia decorrente de intoxicação causada pela falta de oxigênio, fortes dores de cabeça, fadiga, ardência nos olhos, náusea, diarreia, vômito e mal-estar.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que a autora da ação poderia ser equiparada a consumidora e aplicou ao caso as normas do CDC, inclusive a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, inciso VIII.
Acidente de consumo pode surgir do processo produtivo
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que, de acordo com a jurisprudência, equipara-se ao consumidor para efeitos legais aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica.
A magistrada destacou que o acidente de consumo não decorre somente do dano causado pelo produto em si, podendo surgir do próprio processo produtivo, nos termos do artigo 12 do CDC.
Segundo ela, “na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora destinada à fabricação de produtos para comercialização, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do CDC”.
Nancy Andrighi apontou que o STJ, em vários precedentes, já admitiu a figura do bystander em casos de dano ambiental.
Hipossuficiência da vítima validou a inversão do ônus da prova
Para a relatora, a inversão do ônus da prova, nos termos do CDC, não é automática, dependendo da constatação da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor.
Ao reconhecer a presença desses requisitos, as instâncias ordinárias decidiram que caberia à JBS apresentar prova técnica que demonstrasse que sua atividade não era prejudicial ao meio ambiente, ficando para a autora da ação a incumbência de provar os danos morais alegados.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO. SÚMULA 7⁄STJ. PROVA DE FATO NEGATIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DANO AMBIENTAL. POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA. DANOS INDIVIDUAIS. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. REEXAME. SÚMULA 7⁄STJ.1- Recurso especial interposto em 27⁄7⁄2021 e concluso ao gabinete em 2⁄2⁄2022.2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) estaria caracterizada negativa de prestação jurisdicional; b) os recorridos podem ser considerados consumidores por equiparação por sofrerem os danos decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora; c) são aplicáveis as disposições do CDC em ação compensatória por danos morais fundada em dano ambiental; e d) a inversão do ônus da prova deve ser mantida.3- A causa de pedir da presente ação encontra-se fundada em questão eminentemente privada, inexistindo discussão acerca de eventual responsabilidade do Estado, tampouco pedido de restauração do próprio meio ambiente, motivo pelo qual esta Terceira Turma é competente para apreciação do presente processo.4- Não se pode conhecer da apontada violação dos arts. 1.022 e 489 do CPC, pois as alegações que a fundamentam são genéricas, sem discriminação específica dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros sobre os quais teria incorrido o acórdão impugnado, motivo pelo qual incide, na espécie, por analogia, a Súmula 284⁄STF.5- No que diz respeito às teses segundo as quais (a) estaria caracterizado o uso predatório do sistema de justiça; (b) não se aplicaria o CDC em ação compensatória por danos morais fundada em dano ambiental e (b) o princípio do poluidor-pagador e a responsabilidade objetiva não justificariam a inversão do ônus da prova, tem-se, no ponto, inviável o debate, porquanto não se vislumbra o efetivo prequestionamento, o que inviabiliza a apreciação das teses recursais apresentadas, sob pena de supressão de instâncias.6- Verificar, na hipótese concreta, se foram devidamente comprovados o dano ambiental ou a dúvida científica, demandaria o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado em sede de recurso especial em virtude da incidência da Súmula 7 do STJ.7- Ao contrário que sustenta a parte recorrente, não lhe foi imposto o dever de produzir prova impossível.8- Na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora destinada à fabricação de produtos para comercialização, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor.9- Derruir a conclusão a que chegou a Corte de origem, que manteve a inversão do ônus da prova determinada pelo juiz de primeira instância, demandaria o revolvimento dos fatos e das provas o que é vedado pelo enunciado da Súmula 7 do STJ.10- Recurso especial conhecido em parte e, nesta extensão, não provido.
De acordo com a ministra, a eventual reforma dessa conclusão exigiria o reexame das provas do processo, o que é impedido pela Súmula 7.
Leia o acórdão no REsp 2.009.210.