Princípio da insignificância não se aplica ao crime de garimpo de ouro em terra indígena

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) condenou um homem pela prática de garimpo de ouro na Terra Indígena Yanomami – crime ambiental e também contra o patrimônio da União. Dessa forma, o Colegiado confirmou a sentença da 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima após julgar os recursos interpostos pelo réu e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em seu recurso, o MPF requereu a condenação do réu por associação criminosa. Isso porque, ao informar que não foi ao garimpo explorar ouro por meios próprios, teria confirmado a associação com outros indivíduos que lá estavam com o mesmo objetivo.

Por outro lado, o réu alegou que no momento da prisão em flagrante não estava executando o crime e que não houve laudo pericial para constatar o dano ambiental. Sustentou, ainda, que a condenação se baseou apenas nas provas produzidas no inquérito policial e pediu a aplicação do princípio da insignificância ao crime ambiental porque não foi demonstrado prejuízo.

 

Prisão em flagrante – Analisando o processo, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, argumentou que o réu confessou em juízo, no interrogatório, que “estava realizando a atividade de garimpo de ouro, embora diga que não fez quase nada nos 10 dias, porque sabia que a Polícia iria fazer uma operação, correu para o meio do mato para se esconder e esperar” e que sabia estar em terra indígena. O testemunho dos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) confirmou que o apelante foi preso em flagrante em ação de garimpo ilegal e desmatamento, frisou.

A magistrada destacou que o garimpo de ouro em terras indígenas, área de proteção ambiental, torna inviável a incidência do princípio da insignificância porque a atividade, além de lesar o patrimônio público indisponível, estimula outros crimes pela presença de muitas pessoas em áreas protegidas, causando danos ambientais colaterais e à saúde, além da violência inerente a essa atividade. No caso, prosseguiu, não há necessidade de laudo pericial porque a mera retirada do minério sem autorização é suficiente para consumar o crime.

Quanto à apelação do MPF, a relatora entendeu que não há provas suficientes para imputar o crime de associação criminosa. Concluindo o voto, a desembargadora federal informou que o valor da prestação pecuniária resultante da substituição da pena privativa de liberdade deve ser reduzido de R$ 2.000,00 para meio salário mínimo dada a evidente situação de pobreza do réu.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTRAÇÃO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO (GARIMPO DE OURO) E CRIME AMBIENTAL. ART. 2º DA LEI 8.176/1991 E ART. 55 DA LEI 9.605/1998. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. EXIGIBILIDADE DE LAUDO AFASTADA. PROVA INDICIÁRIA. ART. 239 DO CPP. POSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA AJUSTADA.

1.    Inexiste conflito aparente de normas entre os delitos previstos nos arts. 55 da Lei 9.605/98 e 2º da Lei n. 8.176/91, em razão da diversidade dos bens jurídicos tutelados, respectivamente, o meio ambiente e a preservação de bens e matérias-primas que integrem o patrimônio da União, admitindo-se, portanto, o concurso formal (STJ, AgRg no REsp n. 1.205.986⁄MG, DJe de 11/9/2015).

2.    Embora possível a aplicação do princípio da insignificância a crimes ambientais, tal somente ocorre em casos excepcionais, em que claramente evidenciada a mínima ofensividade da conduta e a ausência de lesão ao bem jurídico tutelado. O garimpo de ouro em terras indígenas, área de proteção ambiental, torna inviável a incidência do referido princípio, porque a atividade, além de lesar o patrimônio público indisponível, fomenta uma gama de outros crimes, pela presença de muitas pessoas em áreas protegidas, causando danos ambientais colaterais e à saúde, além da violência inerente a essa atividade.

3.    Dispensável na hipótese a confecção de laudo ambiental. É indiscutível que no local era executada atividade de extração de recursos minerais, no caso, ouro, o que foi corroborado pela localização, pelas equipes de fiscalização, de estrutura material montada para esse fim, com a presença no local de três balsas de garimpo, dois compressores de 175 litros e três motores MWM.

4.  Os autos comprovam a prisão do réu dentro da terra indígena e, em seu interrogatório em Juízo, ele confessa que ali estava para realizar a atividade de garimpo de ouro. Também narra que foi para local por conta própria, e que sabia estar em terras indígenas, o que está em consonância com o depoimento das testemunhas, fiscais do IBAMA, que promoveram ação conjunta de combate ao garimpo ilegal e desmatamento naquelas terras, quando várias pessoas, ao notar a presença deles evadiram-se, permanecendo apenas o ora apelante, que foi preso em flagrante.

5.    Essas circunstâncias conhecidas e provadas guardam relação direta com o evento criminoso — mineração em terras indígenas sem autorização da União — e autorizam, nos termos do art. 239 do CPP, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias, ou seja, que a presença do réu naquele local, fato que acarretou sua prisão em flagrante, servia ao fim de praticar os crimes a que foi condenado.

6.    Os autos não provam minimamente que o réu integrasse associação criminosa voltada ao garimpo ilegal de ouro. Não há prova de liame subjetivo com os demais, com tarefas ordenadas, estabilidade e permanência do grupo criminoso. A narrativa do réu, que é idônea, deixa antever que foi ao local para exercer o garimpo, como se emprego lícito fosse, mas não que ali estivesse com estabilidade e divisão de tarefas e de rendimentos da empreitada criminosa, o que, aliás, poderia nem ocorrer.

7.    Ante a evidente situação de pobreza do réu deve ser reduzido o valor da prestação pecuniária decorrente da substituição da pena privativa de liberdade, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para 1/2 (meio) salário mínimo.

8.    Apelação do réu a que se dá parcial provimento.

9.    Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.

O voto da magistrada foi acompanhado por unanimidade pela Turma.

Processo: 0000880-75.2016.4.01.4200

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