A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, reafirmou que o militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma de ofício se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares.
De acordo com o processo, um militar temporário não estável ajuizou ação com o objetivo de anular seu licenciamento do serviço ativo do Exército, reintegrar-se na graduação de terceiro sargento e obter a reforma por doença adquirida, alegadamente, devido a acidente ocorrido enquanto prestava o serviço militar, bem como receber o pagamento de indenização por prejuízos materiais e morais.
Para o TJRS, incapacidade não precisa ter relação de causa e efeito com serviço militar
O juízo de primeiro grau julgou o pedido parcialmente procedente e determinou a reforma do militar com base no vencimento correspondente ao que detinha quando na ativa, nos termos da Lei 6.880/1980. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) deu parcial provimento à apelação da União apenas para afastar a indenização por dano moral e adequar os índices de correção e juros de mora.
No STJ, o recurso da União foi desprovido monocraticamente, sendo a decisão mantida pela Primeira Turma, sob o fundamento de que a concessão da reforma ao militar, ainda que temporário, quando ficar demonstrada a sua incapacidade para o serviço castrense, prescinde da demonstração do nexo de causalidade entre a moléstia e a prestação do serviço.
A União interpôs embargos de divergência, alegando que o acórdão da Primeira Turma diverge do entendimento adotado pela Segunda Turma do STJ no REsp 1.328.915 e no REsp 1.420.113, ambos de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques.
Corte Especial já concluiu que é necessário comprovar nexo de causalidade
A relatora do recurso, ministra Assusete Magalhães, observou ser incontroverso no processo que o militar é temporário não estável, e, embora tenha sofrido acidente em serviço, sofre de epilepsia, doença sem relação de causa e efeito com a prestação do serviço militar (artigo 108, VI, da Lei 6.880/1980), encontrando-se incapacitado tão somente para as atividades castrenses.
A magistrada destacou que em 2018, ao julgar os EREsp 1.123.371, a Corte Especial pacificou a divergência, concluindo no sentido de que o militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma de ofício se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares.
“Firmou-se a compreensão de que o militar temporário, para ter direito à reforma, deve comprovar o nexo de causalidade entre a enfermidade (ou acidente) e o serviço militar, ou, então, comprovar que está inválido (impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho), nos termos do artigo 108, VI, conjugado com o artigo 111, II, da Lei 6.880/1980“, concluiu a relatora ao dar provimento aos embargos de divergência para prover o recurso especial da União.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO NÃO ESTÁVEL. INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR, EM DECORRÊNCIA DE DOENÇA SEM NEXO DE CAUSALIDADE COM O SERVIÇO DA CASERNA. MATÉRIA PACIFICADA NO JULGAMENTO DOS ERESP 1.123.371⁄RS, PELA CORTE ESPECIAL DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. PRECEDENTES.I. Embargos de Divergência opostos a acórdão publicado na vigência do CPC⁄73.II. Na origem, trata-se de demanda proposta por militar temporário não estável, objetivando a anulação de ato administrativo de seu licenciamento do serviço ativo do Exército, a reintegração na graduação de Terceiro Sargento e a sua reforma, por doença adquirida em face de acidente em serviço, ocorrido durante o período em que prestava serviço militar, bem como o pagamento de indenização pelos prejuízos materiais e morais sofridos. Na sentença, a demanda foi julgada parcialmente procedente. O Tribunal de origem deu parcial provimento à Apelação da União e à remessa oficial, para afastar a indenização por dano moral e adequar os índices de correção e juros de mora. Nesta Corte o Recurso Especial restou desprovido monocraticamente, sendo a decisão mantida, no julgamento do Agravo Regimental, julgado pela Primeira Turma do STJ.III. Os Embargos de Divergência têm por finalidade uniformizar a jurisprudência desta Corte, quando se verificarem idênticas situações fáticas nos julgados, mas se tenha dado diferente interpretação à legislação aplicável ao caso, não se prestando para avaliar possível justiça ou injustiça no decisum ou corrigir regra técnica de conhecimento.IV. No caso, diante das premissas fáticas, fixadas pelas instâncias ordinárias, é incontroverso que o militar é temporário não estável, e, não obstante tenha sofrido acidente em serviço em momento anterior, sofre ele de doença (epilepsia) sem relação de causa e efeito com a prestação do serviço militar (art. 108, VI, da Lei 6.880⁄80), encontrando-se incapacitado tão somente para as atividades castrenses.V. O acórdão embargado concluiu no sentido de que a concessão da reforma ao militar, ainda que temporário não estável, quando ficar demonstrada a sua incapacidade para o serviço castrense, prescinde da demonstração do nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço.VI. Em sentido divergente, os paradigmas da Segunda Turma do STJ concluiram no sentido de que o militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma de ofício se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares.VII. A Corte Especial do STJ, na sessão de 19⁄09⁄2018, ao finalizar o julgamento dos EREsp 1.123.371⁄RS, firmou o entendimento no sentido de que o militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma ex officio se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares. No aludido julgamento concluiu a Corte Especial que, “quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço (art. 108, VI, da Lei 6.880⁄1980), a Lei faz distinção entre o militar com estabilidade assegurada e o militar temporário, sem estabilidade. Portanto, os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante. Já os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados INVÁLIDOS tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis. (…) nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei 6.880⁄1980 c⁄c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento – Decreto n.º 57.654⁄1966” (STJ, EREsp 1.123.371⁄RS, Rel. p⁄ acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, DJe de 12⁄03⁄2019). Em igual sentido: “Nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar, é legítima a desincorporação quando o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades castrenses” (STJ, AgRg no REsp 1.263.676⁄RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 25⁄05⁄2020). Adotando a mesma orientação: STJ, AgInt nos EDcl nos EDv nos EREsp 1.697.866⁄RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 04⁄06⁄2020; AgInt no REsp 1.534.472⁄RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 18⁄11⁄2019; AgInt nos EDcl no AgInt nos EREsp 1.089.588⁄MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, DJe de 14⁄06⁄2019.VIII. Estando o acórdão embargado em dissonância com a jurisprudência que restou consolidada nesta Corte, deve prevalecer a compreensão firmada nos acórdãos paradigma, e, em consequência, ser provido o Recurso Especial, interposto pela União.IX. Embargos de Divergência providos.
Leia o acórdão no EAREsp 440.995.