Para magistrados, estender benefício em razão da pandemia afronta o princípio da reserva legal
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou provimento a mandado de segurança de uma moradora de São Paulo/SP que pleiteava o não recolhimento do Imposto de Renda sobre o lucro obtido com a venda de imóvel e não utilizado para a compra de outra residência no prazo legal de 180 dias.
Para os magistrados, os documentos anexados aos autos demonstram que não restaram satisfeitos os requisitos legais para fruição da isenção tributária.
Conforme o processo, em janeiro de 2020, a autora vendeu um imóvel e não adquiriu outro no período de isenção previsto na Lei 11.196/2005. Ela alegou que se tornou impossível atender ao requisito, devido ao fechamento das imobiliárias em função da pandemia da covid-19, e ingressou com o mandado de segurança na Justiça Federal.
Após a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo indeferir o pedido para que a Receita Federal deixasse de exigir o pagamento do imposto e para que o prazo de 180 dias passasse a ser contado a partir do fim do Estado de Calamidade Pública, a impetrante recorreu ao TRF3.
Ao analisar o caso, a desembargadora federal relatora Marli Ferreira confirmou a decisão. Ela explicou que, de acordo com a Constituição Federal, qualquer isenção, subsídio ou benefício fiscal, sem previsão em lei específica, afronta diretamente o princípio da reserva legal.
“A obtenção de benesse inexistente na legislação, sob a alegação de situação de calamidade pública, implicaria em criação de benefício fiscal pelo Poder Judiciário, em manifesta afronta ao princípio da isonomia e o da separação de poderes”, afirmou.
A relatora citou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e declarou que, mesmo em uma situação de grave crise de calamidade pública, com efeitos socioeconômicos, “não é dado ao Poder Judiciário funcionar como legislador positivo e conceder prorrogação de pagamento de tributos federais e obrigações acessórias, ou estender a moratória para outras categorias não contempladas”.
O recurso ficou assim ementado:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPF. GANHO DE CAPITAL. LEI Nº 11.196/2005. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE 180 DIAS PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. COVID-19. PANDEMIA. IMPOSSIBILIDADE. SEPARAÇÃO DOS PODERES. RESERVA LEGAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Mandamus impetrado com o objetivo de impedir a autoridade coatora de exigir o imposto de renda incidente sobre o ganho de capital obtido na alienação de imóvel residencial, objetivando a prorrogação do prazo de 180 dias para gozo da isenção prevista na art. 39 da Lei 11.196/2005, em virtude dos atos públicos de reconhecimento do Estado de Calamidade/Emergência, decorrentes da pandemia de Covid-19.
2. A Lei nº. 11.196/2005 exige a aplicação do produto da venda na aquisição de outro imóvel localizado no país, dentro do prazo de 180 dias da venda. No entanto, os documentos acostados aos autos demonstram que não restaram satisfeitos os requisitos legais para fruição da isenção tributária.
3. Pretendeu a apelante a prorrogação do prazo de 180 dias em virtude da situação de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19. No entanto, a concessão de isenção fiscal depende de lei.
4. Ademais disso, a concessão de moratória (benefício fiscal), sem previsão em lei específica, afronta diretamente o princípio da reserva legal. Não cabe ao Poder Judiciário, sob pena violar o princípio da separação de poderes e atuar como legislador positivo, outorgar o benefício, atendendo às condições específicas de cada contribuinte.
5. A jurisprudência do C. STF é firme no sentido de que “é vedado ao Poder Judiciário, com fundamento em ofensa ao princípio da isonomia, desconsiderar os limites objetivos e subjetivos estabelecidos na concessão de benesse fiscal ou previsão de situação mais vantajosa, de sorte a alcançar contribuinte não contemplado na legislação aplicável, ou criar situação mais favorável ao contribuinte, a partir da combinação legalmente não permitida de normas infraconstitucionais, sob pena de agir na condição anômala de legislador positivo” (STF – 744520 AGR/PR).
6. Não se ignora o grave cenário socioeconômico por conta das medidas de combate ao novo coronavírus empregadas pelos Executivos Federal, Estadual e Municipal e seus efeitos negativos. Não obstante, mesmo em uma crise sanitária como a presente, não é dado ao Poder Judiciário funcionar como legislador positivo e conceder prorrogação de pagamento de tributos federais e obrigações acessórias, ou estender a moratória para outras categorias não contempladas.
7. Apelação não provida.
Assim, a Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação em mandado de segurança.
Apelação Cível 5014079-09.2020.4.03.6100