Julgamento sobre execução de multas em condenações penais é suspenso por pedido de vista

A multa resultante de sentença condenatória tem natureza penal e deve ser executada pelo Ministério Público junto à Vara de Execuções Penais ou deve ser considerada apenas dívida de valor a ser cobrada pela Fazenda Pública? A controvérsia está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na 12ª questão de ordem na Ação Penal (AP) 470. O julgamento da matéria teve início na sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (23), sendo suspenso por pedido de vista do ministro Edson Fachin.

O Ministério Público sustenta ter legitimidade prioritária para exigir o valor das multas perante a Vara de Execução Penal conforme estabelece o artigo 164 da Lei 7.210/1984 – Lei de Execução Penal (LEP). A União, de outro lado, defende que esse artigo da LEP foi revogado pela Lei 9.268/1996, quando alterou a redação do artigo 51 do Código Penal, e passou a considerar a multa como dívida de valor, devendo ser cobrada pela Fazenda Pública, por meio da Procuradoria Geral de Fazenda Nacional.

Relator

Para o relator da AP 470, ministro Luís Roberto Barroso, a alteração no Código Penal em considerar a multa como dívida de valor não retirou dela a natureza penal. Nesse sentido, lembrou julgamentos de agravos na própria AP 470 em que o Plenário reconheceu a necessidade de pagamento para a obtenção da progressão de regime prisional, bem como a possibilidade de regressão de regime em caso de não pagamento da multa.

Na avaliação do relator, a própria Constituição Federal incumbiu o Ministério Público da titularidade da ação penal e a ele impõe o dever de fiscalizar a execução da pena. Acrescentou ainda que o artigo 164 da Lei de Execução Penal é expresso em atribuir essa legitimidade ao Ministério Público.

Barroso afirmou que houve uma grande mudança no tratamento dado à aplicação e execução das multas, especialmente a partir do julgamento da AP 470. Afirmou que somente em relação aos condenados nessa ação penal já foram recolhidos R$ 12 milhões em multas.

Assim, o ministro elencou três pontos para concluir seu voto: que o Ministério Público é o órgão legitimado a promover a execução da pena de multa perante a Vara de Execução Criminal; que caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias, o juiz da execução criminal dará ciência do feito para o órgão competente da Fazenda Pública, que procederá à cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com base na Lei da Dívida Ativa.

Já o terceiro ponto diz respeito a dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 51 do Código de Penal para explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal.

Acompanhou o entendimento do relator o ministro Dias Toffoli, o qual entendeu que a mudança em relação à natureza penal da multa poderia implicar até mesmo questões de inelegibilidade previstas na Lei Complementar 64/1990. Citou como exemplo a abertura do prazo de oito anos de inelegibilidade a ser contado a partir do cumprimento da pena, incluído o pagamento integral da multa.

Divergência

O ministro Marco Aurélio antecipou seu voto para divergir do relator, por entender que no caso não pode ocorrer a legitimação concorrente para a execução da multa. Para o ministro Marco Aurélio, são juízos diferentes para o acompanhamento da execução da multa – um penal e o outro fiscal.

“A partir do momento em que haja o trânsito em julgado do título condenatório, não se tem mais uma pena em termos de processo crime a ser executada, quanto à multa imposta, mas sim uma dívida de valor, uma dívida ativa da Fazenda”, ressaltou o ministro. Salientou ainda que a mudança no Código Penal  não permite mais a transformação da multa em prisão e afirmou que a manutenção da natureza penal da multa pecuniária decorrente de condenação penal com trânsito em julgado é, na prática, a manutenção da prisão por dívida, contrariando jurisprudência já firmada pelo STF e violando o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos.

PGR e AGU

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a legitimidade do Ministério Público na execução das multas. “A pena de multa é uma das espécies de pena aplicada ao réu, o fato de ser convertida em dívida de valor não afasta a sua natureza penal”, ressaltou. Para Janot, desvincular a pena de multa de sua natureza penal poderia levá-la a ser objeto de anistias fiscais ou sofrer consequências de mudanças na política fiscal ou tributária.

Já para a advogada-geral da União, Grace Fernandes, cabe à Fazenda Pública acompanhar e executar o pagamento dessas multas, que passaram a ser, segundo sua avaliação, dívidas de valores. Assinalou que a Fazenda executa multas de diversas naturezas como a tributária e a eleitoral e que os valores são destinados aos respectivos fundos.

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