Penhora anterior não compromete alienação de imóvel prevista no plano de recuperação judicial

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a penhora registrada em data anterior não impede a alienação de imóvel prevista em plano de recuperação judicial, quando a constrição tiver sido autorizada por juízo comum.

O colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou inválida a penhora determinada por juízo comum, uma vez que ela deveria ter sido autorizada, única e exclusivamente, pelo juízo recuperacional, conforme interpretação em sentido contrário da Súmula 480.

Segundo o processo, uma empresa de planejamento de negócios ajuizou ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança contra outra sociedade empresarial. Instaurado o respectivo cumprimento de sentença, o juízo da 35ª Vara Cível Central de São Paulo determinou a penhora de um imóvel de propriedade da devedora.

Paralelamente a essa ação, em assembleia geral de credores, foi aprovado o plano de recuperação da devedora, prevendo a alienação daquele imóvel, a qual foi autorizada pela 5ª Vara Cível de Barueri – onde corre o processo recuperacional. Nesse contexto, o imóvel foi vendido a uma empresa imobiliária por R$ 7 milhões.

Manutenção da penhora é incompatível com princípios que norteiam a recuperação

A imobiliária opôs embargos de terceiro nos autos do cumprimento de sentença em que havia sido determinada a penhora, a fim de levantá-la, mas não teve êxito. O TJSP deu provimento à apelação e invalidou a penhora, sob o entendimento de que a sua manutenção não seria compatível com o objetivo da recuperação judicial, que é viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor.

Ao STJ, a empresa de planejamento, autora da ação de despejo e cobrança, alegou que a penhora deveria ser mantida, por ter sido averbada no registro imobiliário antes da alienação realizada na recuperação judicial. Ela sustentou, ainda, que, por não haver vedação legal de penhora e alienação de bens pertencentes a empresa em recuperação, a venda autorizada pelo juízo recuperacional não afastaria a garantia de outra ação.

Atos judiciais que reduzirem o patrimônio da empresa recuperanda podem ser afastados

O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que, segundo o artigo 47 da Lei 11.101/2005, a recuperação se destina a viabilizar a superação da crise da empresa devedora, preservando suas atividades.

O magistrado destacou que o STJ já se posicionou no sentido de impedir atos judiciais passíveis de reduzir o patrimônio da empresa recuperanda, inclusive em execuções fiscais, com o intuito de evitar prejuízos ao cumprimento do plano de recuperação.

“Mesmo ciente da situação enfrentada pela devedora e da destinação do produto da venda do aludido imóvel à sua recuperação, a empresa de planejamento pleiteou a penhora do mesmo bem, no seu processo de execução individual, em olímpica inobservância aos princípios da boa-fé, da transparência e da função social, que dão esteio às finalidades do procedimento recuperacional, como bem observou o TJSP”, declarou o relator.

Juízo recuperacional exerce controle sobre os atos de constrição patrimonial

Moura Ribeiro observou que, como constatado no acórdão do TJSP, o juízo da 35ª Vara Cível Central não dispunha de competência para autorizar a penhora, considerando que os atos de disponibilidade dos bens de propriedade da empresa em recuperação são de competência única e exclusiva do juízo recuperacional.

Dessa forma, o magistrado confirmou o entendimento do tribunal local no sentido de que a penhora, embora registrada em data anterior, é inválida e, por isso, não comprometeu a alienação do imóvel prevista no plano de recuperação.

O ministro afirmou que a recuperação não tem o efeito de atrair, para o juízo que a processa, todas as execuções existentes em nome da devedora, como ocorre na falência, entretanto, o juízo recuperacional “exercerá o controle sobre os atos de constrição ou expropriação patrimonial”, avaliando se os bens são essenciais à atividade empresarial.

“Mesmo que haja penhora anterior realizada em outro processo, permanece essa análise perante o juízo recuperacional, determinando-se o desfazimento do ato”, concluiu o relator ao negar provimento ao recuso especial.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO SUBMETIDA AO NCPC. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA DEFERIDA EM OUTRO PROCESSO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL PARA DECIDIR ACERCA DA DESTINAÇÃO DOS BENS DA EMPRESA RECUPERANDA. ART. 47, Lei 11.101/2005. PRECEDENTES. VENDA DE IMÓVEL JÁ PENHORADO EM OUTRO PROCESSO. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE EM QUE O BEM JÁ ESTAVA EXPRESSAMENTE DESTINADO À VENDA, NO PLANO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA. PREVALÊNCIA DO PROCEDIMENTO DE SOERGUIMENTO PERANTE A AÇÃO INDIVIDUAL. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS AOS PARÂMETROS DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IRRISORIEDADE DO VALOR ARBITRADO NA ORIGEM. RECURSO ESPECIAL DE INTERPART PARCIALMENTE CONHECIDO E NESSA EXTENSÃO DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DE SÉRGIO E.I. PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016)
serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Não há falar em violação dos arts. 489 e 1.022 do NCPC quando a decisão está clara e suficientemente fundamentada, resolvendo integralmente a controvérsia. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pelas partes, quando encontrar motivação satisfatória para dirimir o litígio sobre os pontos essenciais da controvérsia em exame.
3. Embargos de Terceiro ajuizados buscando o levantamento da penhora determinada nos autos da ação de despejo por falta de pagamento, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por INTERPART contra ZOOMP (em recuperação judicial), diante da venda do imóvel penhorado a SERGIO E.I. (embargante), nos autos da recuperação judicial desta última.
4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser da competência do Juízo da recuperação judicial a análise e controle dos atos de constrição relativos aos bens da empresa recuperanda, em observância ao princípio da sua preservação.
5. A norma contida no art. 47 da Lei nº 11.101/2005 se volta a possibilitar a recuperação da pessoa jurídica que se encontrar em desequilíbrio financeiro, favorecendo, dentro do possível, a sua preservação.
6. No caso concreto, ficou assentado na origem que o plano de recuperação foi regularmente aprovado pela assembleia geral de credores em 17/9/2009 e homologado judicialmente em 12/11/2009, com previsão expressa da venda do imóvel, com a participação da INTEPART, por ser também credora da ZOOMP, na recuperação judicial.
6. Necessário observar, quanto à execução do passivo da sociedade recuperanda, o respectivo plano de recuperação, sob pena de inviabilizar o próprio processo recuperacional.
7. Prevalência da observância ao plano de soerguimento, em relação a penhora determinada na ação autônoma ajuizada por INTERPART, justamente a fim de impedir a prática de atos judiciais que colocassem em risco o processo recuperacional. Precedentes.
8. O STJ admite a possibilidade de venda direta de bens, desde que consignado no plano de recuperação, devidamente aprovado e homologado, nos termos do revogado art. 145, da LRF. Alteração legislativa que contemplou a hipótese (Lei 14.112/2020 – alteração do art. 142, V, da LRF).
9. Os bens alienados no processo de recuperação judicial são livres de ônus e sem sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/05, considerando as finalidades da legislação, o que se aplica tanto às vendas judiciais como a outras modalidades. Alteração legislativa também neste sentido (art. 142, § 8º, da LRF).
10. Violação aos arts. 797, 844 e 908 do NCPC (correspondentes aos arts. 612, 659, § 4º e 711 do CPC/73) e 172 da Lei nº 6.015/73.
Ausência de alegação em sede de apelação e em embargos de declaração, razão pela qual não foi objeto de apreciação pelo Tribunal ad quem, carecendo do devido prequestionamento, a incidir o teor das Súmulas nºs 282 e 356 do STF e 211 do STJ.
11. Os honorários advocatícios arbitrados pelo TJSP não correspondem nem sequer a 1% do valor da causa, o que permite afirmar que ele são irrisórios. Majoração cabível.
12. Recurso especial de INTERPART conhecido em parte e nessa extensão não provido.
13. Recurso especial de SÉRGIO E.I. provido.

Leia o acórdão no REsp 1.854.493.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1854493

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