A 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve, por unanimidade, decisão que condenou a Azul Linhas Aéreas Brasileiras a indenizar por danos materiais e morais um passageiro recém-operado e seu acompanhante, após tê-los impedido de embarcar por conta da cirurgia.
De acordo com os autos, um dos passageiros estava em viagem para Vitória, no Espírito Santo, quando sofreu acidente em que fraturou a tíbia. Diante disso, foi submetido à cirurgia, em 25/1/2021. Para voltar à Brasília, era necessário um acompanhante para auxiliar na sua locomoção, por isso o segundo autor viajou ao seu encontro. No entanto, no dia do voo, afirmam que a ré alegou falta de condições de transporte para alguém naquelas condições. A empresa aérea exigiu autorização médica para a viagem, que foi entregue, mas, ainda assim, o embarque foi negado. Dessa forma, os autores foram obrigados a retornar à Capital Federal de carro, o que gerou gastos imprevistos com locação de veículo, hospedagem e alimentação.
Segundo o relator, a ré não apresentou qualquer evidência capaz de enfraquecer as alegações dos autores. Além disso, o magistrado destacou que os consumidores portavam o relatório médico exigido e encontravam-se no check-in dentro do horário previsto para embarcar. “Há que se considerar o tempo de chegada ao check-in, consulta com os funcionários da ré para, só então, conseguir contatar o médico e conseguir o laudo emitido às 8h09 do dia do embarque. É certo, portanto, que a chegada ao guichê da companhia deu-se com a antecedência necessária”, observou o juiz.
Com isso, o colegiado concluiu que houve falha na prestação dos serviços: “A recusa desarrazoada de embarque por parte da empresa aérea obrigou o primeiro requerente (recém-operado) a realizar viagem terrestre, fato que aumentou consideravelmente o tempo de chegada a seu destino final e, por consequência, as dificuldades e desconfortos inerentes ao período pós-cirúrgico”, ressaltou o magistrado.
Assim, a Turma manteve os valores fixados na sentença de 1ª instância. O dano material foi arbitrado em R$ R$ 2.140,87, relativos às passagens compradas e não usufruídas, e os danos morais em R$ 7 mil, sendo R$ 5 mil para o passageiro operado e R$ 2 mil para o acompanhante.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO. PASSAGEIRO OPERADO E COM AUTORIZAÇÃO MÉDICA PARA O RESPECTIVO TRANSPORTE AÉREO. IMPEDIMENTO AO EMBARQUE: FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MATERIAL E DANO MORAL CONFIGURADOS. “QUANTUM” PROPORCIONAL. RECURSO IMPROVIDO.
- Os requerentes postulam a condenação da empresa requerida ao pagamento de R$ 4.025,28 (prejuízos decorrentes da negativa de embarque – custos com transporte terrestre, hospedagem, alimentação, passagens aéreas não utilizadas e lucros cessantes), além dos danos extrapatrimoniais decorrentes da alegada defeituosa prestação de serviços. Sustentam, em síntese, que: (a) em janeiro de 2021 o primeiro requerente embarcou de Brasília/DF com destino a Vitória/ES e que durante a viagem teria sofrido acidente doméstico (fratura na tíbia) com necessidade de intervenção cirúrgica, realizada em 25 de janeiro de 2021; (b) em decorrência da necessidade de acompanhamento para sua locomoção, o segundo requerente teria embarcado de Brasília/DF para Vitória/ES em 26 de janeiro de 2021 para que juntos retornassem a Brasília-DF; (c) na data de retorno para Brasília/DF, de forma imotivada a empresa aérea teria impedido o primeiro requerente de embarcar, sob a alegação de falta de condições de transporte em razão de sua mobilidade e procedimento cirúrgico recém-realizado, exigindo comprovação médica da possibilidade de transporte aéreo; (d) diante da exigência foi solicitada documentação ao médico; (e) não obstante a apresentação tempestiva de laudo médico que declarava que o paciente encontrava-se apto a se deslocar de todas as maneiras, incluindo transporte aéreo sem nenhuma restrição, a empresa aérea teria negado novamente seu embarque (ID. 30287394 – p.1); (f) em razão da negativa da empresa os requerentes viram-se obrigados a retornar à Brasília/DF por meio terrestre, despendendo a quantia de R$ 2.225,56 para locação de veículo; (g) devido ao longo trajeto teriam arcado com gastos de hospedagem e alimentação no valor de R$ 548,15; (h) o segundo requerente, personal trainer, que acompanhou e dirigiu todo o trajeto de retorno, teve prejuízos no montante de R$ 1.200,00, vez que em razão da demora na chegada ao seu destino final (decorrente do retorno por via terrestre), viu-se obrigado a desmarcar aulas que já se encontravam agendadas. Recurso interposto pela empresa aérea contra sentença de parcial procedência dos pedidos (reparação de R$ 2.140,87 a título de danos materiais e de R$ 7.000,00 a título de danos morais, sendo R$ 5.000,00 para o primeiro requerente e R$ 2.000,00 para o segundo requerente)
- A questão de direito material deve ser dirimida à luz das normas protetivas do CDC (artigos 6º e 14).
III. No caso concreto, forçoso reconhecer que a recorrente não colacionou qualquer evidência a enfraquecer a verossimilhança das alegações das partes consumidoras (CPC, art. 373, II c/c CDC, art. 6º, VIII).
- Da análise dos documentos, verifica-se que: (a) o horário previsto para partida do voo era às 8h50, sendo possível a realização do ckeck-in presencial até as 8h10; (b) os requerentes estavam no guichê de atendimento do aeroporto às 8h23 (Id. 30287463 – p.8); (c) o relatório médico que atestava a possibilidade do autor viajar de avião foi emitido às 8h09 (ID. 30287394 – p.1), fato que demonstra que antes desse horário os requerentes já se encontravam no embarque. Com efeito, como bem salientado na sentença (ora confirmada) é presumível que, se o laudo foi emitido às 8h09 é porque os Autores já estavam há tempo tentando realizar o check-in e embarcar no avião. Há que se considerar o tempo de chegada ao check-in, consulta com os funcionários da Ré para só então conseguir contatar o médico e conseguir o laudo emitido às 8h09. É certo, portanto, que a chegada ao check-in se deu com a antecedência necessária.
- Patente a falha na prestação de serviços decorrente da recusa desarrazoada de embarque pela companhia aérea, a atrair a responsabilidade (objetiva) da empresa recorrente pelos danos causados aos consumidores.
- No que tange ao dano material, comprovado o pagamento de R$ 2.140,87 pelas passagens não usufruídas (Id. 30287396- p. 1/2), em decorrência da negativa de embarque para o destino contratado, os requerentes fazem jus ao reembolso do referido valor.
VII. Os danos morais decorrem do grave abalo a qualquer dos atributos da personalidade (CF, art. 5º, V e X; CC, art. 186).
VIII. No caso concreto, a situação vivenciada pelos requerentes supera os limites do mero dissabor e subsidia a compensação por danos morais por ofensa aos atributos da personalidade (frustração à legítima expectativa de embarque na aeronave e necessidade de retorno por via terrestre).
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Em relação ao “quantum”, deve-se manter a estimativa razoavelmente fixada (R$ 7.000,00 a título de danos morais, sendo R$ 5.000,00 para o primeiro requerente e R$ 2.000,00 para o segundo requerente), uma vez que guardou correspondência com o gravame sofrido (CC, art. 944), além de sopesar as circunstâncias do fato, a capacidade econômica das partes, a extensão e gravidade do dano, bem como o caráter pedagógico da medida, tudo, com esteio no princípio da proporcionalidade. No ponto, ressalta-se que a recusa desarrazoada de embarque por parte da empresa aérea obrigou o primeiro requerente (recém-operado) a realizar viagem terrestre, fato que aumentou consideravelmente o tempo de chegada a seu destino final e, por consequência, as dificuldades e desconfortos inerentes ao período pós-cirúrgico.
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Por fim, embora notória a projeção de retração da economia em escala mundial em decorrência da pandemia (vírus identificado como COVID-19), bem como os reflexos das medidas de enfrentamento à disseminação do vírus na atividade desenvolvida pela recorrente (transporte aéreo), a mera alegação de eventual condenação “arbitrária ou desarrazoada impactará ainda mais a saúde financeira da Companhia, que atravessa a sua mais grave crise” não reflete a alegada desproporcionalidade do valor da condenação, isoladamente considerado, a ponto de impactar e/ou inviabilizar completamente as atividades da empresa.
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Recurso conhecido e improvido. Condenadas as partes recorrentes ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da condenação (Lei 9.099/95, art. 55). Sentença confirmada por seus fundamentos (Lei 9.099/95, art.46).
Acesse o PJe2 e confira o processo: 0731817-89.2021.8.07.0016