A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que as alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 – conhecida como Pacote Anticrime – na Lei 8.072/1990 não retiraram a equiparação do delito de tráfico de entorpecentes a crime hediondo. O colegiado destacou que a classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda está prevista na própria Constituição (artigo 5º, inciso XLIII).
O entendimento foi fixado pela turma ao rejeitar habeas corpus que buscava o reconhecimento de que o tráfico de drogas teria perdido a sua caracterização como crime equiparado a hediondo após o início da vigência do Pacote Anticrime, que revogou o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.072/1990. O dispositivo trazia parâmetros para a progressão de regime no caso de crimes hediondos e equiparados – a prática da tortura, o tráfico de drogas e o terrorismo.
Como consequência da revogação do dispositivo, a defesa pedia a aplicação, ao delito de tráfico, das frações de progressão de regime previstas na Lei de Execução Penal (LEP) para os crimes comuns.
Constituição prevê tratamento mais severo para o tráfico de drogas
O relator do habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou que, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição, a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos.
“O próprio constituinte assegurou que o tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo são merecedores de tratamento penal mais severo”, complementou.
De acordo com o ministro, o fato de o Pacote Anticrime ter expressamente consignado, no artigo 112, parágrafo 5º, da LEP, que não se considera hediondo ou equiparado a ele o tráfico de drogas descrito no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 apenas consagrou o tratamento diferenciado que já era atribuído pela jurisprudência ao tráfico privilegiado.
\”Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do artigo 33, caput e parágrafo 1º, da Lei de Drogas\”, afirmou o relator.
Repetitivo de 2021 tratou tráfico no contexto dos crimes equiparados a hediondo
Reynaldo Soares da Fonseca também lembrou que a Terceira Seção, em 2021 – após o Pacote Anticrime, portanto –, no julgamento do Tema Repetitivo 1.084, reconheceu a possibilidade de aplicação retroativa do artigo 112, inciso V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou equiparados que fossem reincidentes genéricos – e o caso concreto dizia respeito especificamente a condenado por tráfico de drogas.
\”Patente, assim, que a jurisprudência desta corte é assente no sentido de que as alterações trazidas pela Lei 13.964/2019 em nada influenciaram na qualificação do crime de tráfico de drogas como delito equiparado a hediondo\”, concluiu o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. CÁLCULO DE PENA PARA PROGRESSÃO DE REGIME. REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 2º DA LEI 8.072⁄90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) PELA LEI 13.964⁄2019 (PACOTE ANTICRIME) QUE NÃO AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343⁄2006) COMO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. CLASSIFICAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522⁄PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07⁄06⁄2018, DJe 15⁄06⁄2018).
2. A revogação do § 2º do art. 2º da Lei 8.072⁄90 pela Lei 13.964⁄2019 não tem o condão de retirar do tráfico de drogas sua caracterização como delito equiparado a hediondo, pois a classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda decorre da previsão constitucional estabelecida no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 118.533⁄MS, concluiu que \”o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313⁄2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos\” (HC 118.533⁄MS, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, DJe 16⁄09⁄2016).
4. O fato de a Lei 13.964⁄2019 ter consignado, expressamente, no § 5º do art. 112 da Lei de Execução Penal, que não se considera hediondo ou equiparado o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343⁄2006 somente consagra o tratamento diferenciado que já vinha sendo atribuído pela jurisprudência ao denominado tráfico privilegiado. Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do art. 33, caput e § 1º, da Lei de Drogas.
5. Esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de referendar a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343⁄06, mesmo após a entrada em vigor da Lei 13.964⁄2019 (Pacote anticrime), ressaltando-se, inclusive que, no julgamento do Recurso Especial n. 1.918.338⁄MT (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26⁄05⁄2021, DJe 31⁄05⁄2021) pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 1.084), no qual foi assentada a tese reconhecendo a possibilidade de aplicação retroativa do art. 112, V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou equiparados que fossem reincidentes genéricos, o caso concreto tratou especificamente de condenado por tráfico de drogas; Precedentes desta Corte sobre a mesma controvérsia posta nos autos: HC 733.052⁄RS, Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 06⁄04⁄2022; HC731.139⁄SP, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 29⁄03⁄2022; HC 723.462⁄SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 11⁄03⁄2022; HC 726.162⁄SC, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 16⁄03⁄2022; HC 721.316⁄SC, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 08⁄02⁄2022.
6. Agravo regimental desprovido.