Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a legitimidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para propor ação civil pública “não está sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, devendo-lhe ser reconhecida aptidão genérica para atuar em prol desses interesses supra-individuais”.
O caso envolveu uma ação civil pública ajuizada pela OAB do Ceará contra instituições bancárias, sob o fundamento de que as empresas adotam sistema de atendimento que busca, mediante redução do número de caixas e agências, maximizar lucros, acarretando o aumento do tempo de espera de consumidores nas filas.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) entendeu que a OAB não tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública tendente a discutir matéria restrita aos direitos dos consumidores, uma vez que o tema não está incluso em sua finalidade institucional de defesa da classe profissional dos advogados.
Prerrogativa constitucional
No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou pela reforma do acórdão. Ele citou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que OAB é um serviço público independente, não se sujeitando à administração pública direta e indireta, nem se equiparando às autarquias especiais e demais conselhos de classe.
O ministro citou ainda o artigo 105 do regulamento geral do estatuto da OAB, que estabelece que compete ao conselho seccional ajuizar ação civil pública para defesa de interesses difusos de caráter geral, coletivos e individuais homogêneos. Salomão acrescentou que a atribuição das seccionais não se limita à esfera local de atuação.
“É prerrogativa da entidade proteger os direitos fundamentais de toda a coletividade, defender a ordem jurídica e velar pelos direitos difusos de expressão social, como sói os consumidores (em sentido amplo, independentemente se se trata de profissional advogado), estando inserida, portanto, dentro de sua representatividade adequada a harmonização destes interesses e a finalidade institucional da OAB”, disse o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. TEORIA DA ASSERÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DA OAB PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS CONSUMIDORES A TÍTULO COLETIVO. POSSIBILIDADE.
1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, acolhendo preliminar de ilegitimidade ativa (art. 530 do CPC⁄1973).
2. “No sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último” (AgInt nos EAg 1.213.737⁄RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17⁄8⁄2016, DJe 26⁄8⁄2016).
3. Conforme decidido em sede de repercussão geral pelo STF, “ante a natureza jurídica de autarquia corporativista, cumpre à Justiça Federal, a teor do disposto no artigo 109, inciso I, da Carta da República, processar e julgar ações em que figure na relação processual quer o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quer seccional” (RE 595332, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 31⁄8⁄2016, Dje 23⁄6⁄2017)
4. A Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelo Conselho Federal, seja pelos conselhos seccionais, possui legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública para a defesa dos consumidores a título coletivo.
5. Em razão de sua finalidade constitucional específica, da relevância dos bens jurídicos tutelados e do manifesto viés protetivo de interesse social, a legitimidade ativa da OAB não está sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, devendo lhe ser reconhecida aptidão genérica para atuar em prol desses interesses supraindividuais.
6. No entanto, “os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo art. 45, § 2º, da Lei n.8.906⁄84” (REsp 1351760⁄PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26⁄11⁄2013, DJe 9⁄12⁄2013).
7. No presente caso, como o recurso de apelação da OAB não foi conhecido, os autos devem retornar ao Tribunal de origem para a reapreciação da causa, dando-se por superada a tese da ilegitimidade do autor.
8. Recurso especial parcialmente provido.
Como o recurso da OAB não foi conhecido pelo TRF5, a turma determinou o retorno do processo para novo julgamento.