OAB-SP não pode suspender advogado por falta de pagamento de anuidade

Interrupção da atividade profissional por dívida com entidade de classe ofende a Constituição, conforme decisão do TRF3

O Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), negou provimento à apelação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB-SP) e manteve sentença que determinou a entidade reintegrar aos seus quadros uma advogada, com sua liberação para o exercício do trabalho, independentemente da quitação dos débitos de anuidades.

Na ação, a advogada alega que o processo disciplinar afronta os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, bem como que a penalidade viola o direito ao livre exercício da profissão.

Na decisão, o magistrado afirma ser indevida a suspensão do exercício profissional da advocacia até que o devedor quite seu débito de anuidades com o Conselho Seccional. Segundo ele, embora a medida encontre amparo na lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento pela inconstitucionalidade do uso de meios ‘indiretos’ de cobrança, destoantes do devido processo legal.

Ao analisar a legislação sobre o tema, o relator destaca que o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, em seu artigo 55, caput, dispõe que os inscritos na Ordem têm como obrigação o pagamento das anuidades, contribuições, multas e preços de serviços fixados pelo conselho seccional.

Mas, segundo o Magistrado, o inciso XIII do artigo 5.º da Constituição Federal estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

“Entre as ‘qualificações profissionais’ não se encontra o adimplemento das anuidades devidas ao órgão de classe. Não há dúvida de que a imposição de restrições ao exercício de atividades profissionais é forma indireta de obter o pagamento de dívida, o que viola a garantia constitucional, mesmo porque a entidade fiscalizadora é dotada de meios próprios para cobrar o débito, nos termos do parágrafo único do artigo 46 da Lei n.º 8.906/94.”

Para o Desembargador Federal, a suspensão da atividade profissional por dívida com entidade de classe também atenta contra os direitos humanos, já que impede o profissional de obter o próprio sustento e o da família.

“A esdrúxula proibição de trabalhar fere a dignidade da pessoa humana (inc. III, art. 1.º, CF); é uma providência que, para fins de satisfazer um credor, impede o homem e a mulher de trabalhar, inclusive para manter a família, entidade que merece especial proteção do Estado (art. 226, CF), não podendo deixar de destacar que a OAB, considerada por alguns como “autarquia especial”, se insere num conceito amplo de Estado.”

No voto, o relator apresenta jurisprudência do STF, no sentido de que “o livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas, assegurado nos artigos 5.º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Diploma Maior atual, não pode sofrer restrições desarrazoadas por parte do legislador, mesmo para o fim de satisfazer tributos, admitida a cobrança tão somente por meio consentâneo com o devido processo legal”, (RE 565.048/RS, de 29/05/2014).

“Se o idêntico tema foi tratado pelo STF em favor de uma pessoa jurídica contribuinte de tributos – impedindo a sua paralisação empresarial – é de clareza solar que o mesmo entendimento deve ser aplicado quando, no regime democrático de direito em que se insere a própria OAB, uma pessoa física seja proibida de trabalhar enquanto não pagar uma dívida pecuniária, seja civil ou tributária, pouco importa”, pontuou.

Por fim, Johonsom Di Salvo declara que não pode o sistema judiciário impedir o uso de meios arbitrários e excessivos nas cobranças de tributos devidos por empresas e tolerar os mesmos meios em desfavor de profissionais liberais em relação a suas dívidas para com órgão de classe.

“A providência aqui tratada é perversa, pois a suspensão do exercício profissional – em situação que nada tem a ver com a qualificação moral ou intelectual no desempenho da advocacia – não faz nenhum sentido quando subtrai justamente os meios que o advogado inadimplente tem para obter recursos para não apenas adimplir sua dívida, mas para subsistir materialmente.”

O recurso ficou assim decidido:

D  E  C  I  S  Ã O

Trata-se de ação ordinária ajuizada por RITA DE CASSIA PAIVA DE SÁ GOIABEIRA em face da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO objetivando obter provimento jurisdicional que determine o restabelecimento de seu direito ao exercício profissional, bem assim a retirada de seu nome da lista de Advogados Suspensos.

A autora diz ser advogada regularmente inscrita nos quadros da OAB e ter recebido penalidade disciplinar de suspensão do exercício profissional pelo prazo de trinta dias, prorrogável até o efetivo pagamento, por ser devedora de anuidades referentes ao ano de 2011.

A autora aduz que o processo disciplinar afrontou os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, bem como que a penalidade viola o direito ao livre exercício da profissão. Por fim, alega ter celebrado acordo referente às dívidas em 13/09/2017.

Atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00.

A tutela de urgência foi deferida para “determinar à OAB/SP que proceda imediatamente ao recadastramento da requerente nos quadros da OAB, com a sua liberação para o exercício do trabalho, independente da quitação dos débitos que tenha com o conselho profissional” (ID nº 90459390).

A ré apresentou contestação (ID nº 90459396).

Em 10/05/2019 o Juiz a quo proferiu sentença julgando procedente o pedido “para que a ré efetue o recadastramento da autora nos quadros da OAB, com sua liberação para o exercício do trabalho, independentemente da quitação dos débitos que tenha com o conselho profissional”. Condenou a ré ao pagamento de honorários advocatícios fixados sobre o valor atribuído à causa, nos percentuais mínimos do art. 85, § 3º, do CPC (ID nº 90459413).

Irresignada, a OAB/SP interpôs apelação sustentando, em síntese, que (i) a apelada foi intimada de todos os atos do processo disciplinar e o acordo foi por ela descumprido; e (ii) a suspensão do exercício profissional pela falta de pagamento das contribuições encontra amparo nos arts. 34, XXIII, 37, I, e 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.906/94 e não caracteriza ofensa à Constituição Federal (ID nº 90459419).

Sem contrarrazões.

É o relatório.

DECIDO.

A reiteração de decisões num mesmo sentido, proferidas pelas Cortes Superiores, pode ensejar o julgamento monocrático do recurso, já que, a nosso sentir o legislador, no NCPC, disse menos do que desejava, porquanto – no cenário apregoado de criação de meios de agilizar a Jurisdição – não tinha sentido reduzir a capacidade dos Tribunais de Apelação de resolver as demandas de conteúdo repetitivo e os recursos claramente improcedentes ou não, por meio de decisões unipessoais; ainda mais que, tanto agora como antes, essa decisão sujeita-se a recurso que deve necessariamente ser levado perante o órgão fracionário.

No âmbito do STJ rejeita-se a tese acerca da impossibilidade de julgamento monocrático do relator fundado em hipótese jurídica não amparada em súmula, recurso repetitivo, incidente de resolução de demanda repetitiva ou assunção de competência, louvando-se na existência de entendimento dominante sobre o tema. Até hoje, aplica-se, lá, a Súmula 568 de sua Corte Especial (DJe 17/03/2016). Confira-se: AgInt no AgRg no AREsp 607.489/BA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 26/03/2018 – AgInt nos EDcl no AREsp 876.175/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 29/06/2018 – AgInt no AgInt no REsp 1420787/RS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 26/06/2018 – AgRg no AREsp 451.815/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018.

Ademais, cumpre lembrar o pleno cabimento de agravo interno contra o decisum, o que afasta qualquer alegação de violação ao princípio da colegialidade e de cerceamento de defesa, a despeito da impossibilidade de realização de sustentação oral, já que a matéria pode, desde que suscitada, ser remetida à  apreciação  da  Turma, onde a parte poderá acompanhar o julgamento colegiado, inclusive valendo-se de prévia distribuição de memoriais (AgRg no AREsp 381.524/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 25/04/2018 – AgInt no AREsp 936.062/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018, DJe 27/03/2018 – AgRg no AREsp 109.790/PI, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 16/09/2016). Deveras, “Eventual mácula na deliberação unipessoal fica superada, em razão da apreciação da matéria pelo órgão colegiado na seara do agravo interno“ (AgInt no AREsp 999.384/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 30/08/2017 – REsp 1677737/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018).

No âmbito do STF tem-se que “A atuação monocrática, com observância das balizas estabelecidas nos arts. 21, § 1°, e 192, caput, do RISTF, não traduz violação ao Princípio da Colegialidade, especialmente na hipótese em que a decisão reproduz compreensão consolidada da Corte” (HC 144187 AgR, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 04/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-116 DIVULG 12-06-2018 PUBLIC 13-06-2018). Nesse mesmo sentido: ARE 1089444 AgR, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 25/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 05-06-2018 PUBLIC 06-06-2018.

A possibilidade de maior amplitude do julgamento monocrático – o que pode ser controlado por meio do agravo – está consoante os princípios que se espraiam sobre todo o cenário processual, tais como o da eficiência (art. 37, CF; art. 8º do NCPC) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF; art. 4º do NCPC).

Quanto ao recurso manifestamente improcedente (referido outrora no art. 557 do CPC/73), é verdade que o CPC/15 não repete essa locução. Porém, justifica-se que um recurso que, ictu oculi, não reúne a menor condição de alterar o julgado recorrido, possa ser apreciado pelo relator in limine e fulminado. A justificativa encontra-se nos mesmos princípios já enunciados e também na possibilidade de reversão em sede de agravo interno.

Além disso, é o art. 6º do NCPC que aumenta consideravelmente o espaço hermenêutico do magistrado no novo cenário processual.

Essa exegese não é absurda, na medida em que a imperfeição natural e esperável de toda a ordem jurídico-positiva pode ser superada pela “…atuação inteligente e ativa do juiz…”, a quem é lícito “ousar sem o açodamento de quem quer afrontar, inovar sem desprezar os grandes pilares do sistema” (DINAMARCO, Nova era do processo civil, págs. 29-31, Malheiros, 4ª edição).

Destarte, o caso presente permite solução monocrática.

Passo ao exame do recurso.

Inicialmente, verifico que, ao contrário do que alega na inicial, foram observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal nos Processos Disciplinares nºs 05R0068502009 e 05R0044162013.

Em ambos os processos a apelada foi regularmente notificada para pagamento dos débitos de anuidades e, tendo deixado transcorrer in albis o prazo que lhe foi concedido, foi intimada acerca do início do processo disciplinar e do prazo de quinze dias para oferecer defesa. Não tendo apresentado defesa, a ela foi nomeado defensor dativo, que apresentou defesa e teve oportunidade de produzir provas e apresentou alegações finais.

Por outro lado, conforme alega a apelante, o edital de suspensão data de 12/06/2018. Porém, ela ajuizou a ação em 12/07/2018 e comprovou o pagamento de apenas uma parcela do parcelamento realizado em 13/09/2017, a vencida em 10/10/2017. A planilha de fl. 35 do PA nº 05R0044162013 demonstra o inadimplemento das parcelas devidas a partir de 11/2017 a 05/2018 (ID nº 90459383).

Além disso, em sua contestação a OAB informa que o parcelamento foi inadimplido, tendo sido quitada apenas uma parcela.

Entretanto, embora não ignore que o STJ e esta Corte Regional apresentam entendimento diverso (REsp 907868/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 02/10/2008 – TRF3, QUARTA TURMA, ApReeNec – APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA – 314928 – 0002611-02.2007.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, j. 24/10/2018, e-DJF3 07/11/2018), tenho para mim ser indevida a medida de suspensão do exercício profissional da advocacia até que o advogado devedor quite seu débito de anuidades para com o Conselho Seccional, eis que essa prática, conquanto encontre eco na lei, é meio indireto de cobrança de dívida de valor, e,  como tal, é proscrito pela jurisprudência ancestral do STF desde os precedentes que geraram as Súmulas 70 e 323 (em vigor),  nas quais a Suprema Corte cristalizou a compreensão pela inconstitucionalidade do uso de meios “indiretos” de cobrança, destoantes do devido processo legal.

O Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, aprovado pelo Conselho Federal com base nos artigos 54 e 78, da Lei nº 8.906/94, em seu artigo 55, caput, dispõe que aos inscritos na OAB incumbe o pagamento das anuidades, contribuições, multas e preços de serviços fixados pelo conselho seccional. Mas o inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal estatui que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que sejam atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Sucede que entre as “qualificações profissionais” não se encontra o adimplemento das anuidades devidas ao órgão de classe. Não há dúvida de que a imposição de restrições ao exercício de atividades profissionais é forma indireta de obter o pagamento de dívida (que, para mim, continua sendo de natureza tributária já que se amolda à perfeição ao art. 3º do CTN), o que viola a garantia constitucional antes mencionada, mesmo porque a entidade fiscalizadora é dotada de meios próprios para cobrar o débito, nos termos do parágrafo único do artigo 46 da Lei nº 8.906/94.

Indo além, a suspensão da atividade profissional por dívida para com entidade de classe atenta contra os direitos humanos, já que impede o profissional de obter o próprio sustento e o da família; noutro dizer: se não paga, não pode trabalhar e, por consequência, não vai subsistir.

A esdrúxula proibição de trabalhar fere a dignidade da pessoa humana (inc. III, art. 1º, CF); é uma providência que, para fins de satisfazer um credor, impede o homem e a mulher de trabalhar, inclusive para manter a família, entidade que merece especial proteção do Estado (art. 226, CF), não podendo deixar de destacar que a OAB, considerada por alguns como “autarquia especial”, se insere num conceito amplo de Estado.

Alias, custa crer que sendo o advogado essencial à administração da Justiça (art. 133, CF), seja possível impedi-lo de trabalhar por conta de dívida de valor.

Face ao texto constitucional, não há qualquer justificativa para que se impeça um ser humano graduado em Direito e inscrito originariamente no seu órgão de classe, de trabalhar, de ganhar a subsistência com o fruto do seu labor. Outra coisa, diferente, é cobrar dessa pessoa, enquanto devedora, aquilo que deixou de pagar a entidade a que pertence; para isso existem os meios processuais postos à disposição do credor (a execução cível ou a fiscal, conforme se entenda que a anuidade é ou não é um tributo, pois nem essa questão está bem definida).

A situação “sub judice” guarda integral paridade com o que decidiu recentemente, mais uma vez, o STF: “Constitui meio indireto de cobrança de tributo, condenado pela jurisprudência desta Corte, a negativa de registro fiscal indispensável ao funcionamento do estabelecimento, fundamentada em débito de sócio com exigibilidade suspensa” (RE 994.586 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 04-09-2019 PUBLIC 05-09-2019).

Ainda: “A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE…” (ARE-AgR 915.424, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 30.11.2015).

Outros precedentes no mesmo tom: RE 550.769 (rel. min. Joaquim Barbosa, Pleno, j. 25.05.2013), RE 633239 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 22/03/2011, DJe-065 DIVULG 05-04-2011 PUBLIC 06-04-2011 EMENT VOL-02497-02 PP-00367); RE 591033, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-038 DIVULG 24-02-2011 PUBLIC 25-02-2011 EMENT VOL-02471-01 PP-00175) e DI 173, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-053 DIVULG 19- 03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001.

Esse posicionamento sempre foi pacífico no STF, inclusive sob a égide da Constituição anterior, como se vê de RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS – RTJ 45/859, Rel. Min. THOMPSON FLORES – RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO – RTJ 73/821, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU – RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 111/1307, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA, v.g. ) , quer em face da vigente Constituição da República (RTJ 138/847, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES.

Na doutrina, é antiga a lição proibitiva do excesso nas providências destinadas a arrecadar tributo devido, violando a liberdade de empresa e de trabalho, como se vê em ALIOMAR BALEEIRO, “Direito Tributário Brasileiro”, p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, ed. Forense.

No tema, é percuciente a observação de HELENILSON CUNHA PONTES (“O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário”, p. 141/143, item n. 2.3, 2000, Dialética), “verbis”: “Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos” (destaquei).

Em seu voto no RE 565.048/RS, apreciado pelo plenário do STF em 29/05/2014, o relator Ministro Marco Aurélio disse: “O livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas, assegurado nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Diploma Maior atual, não pode sofrer restrições desarrazoadas por parte do legislador, mesmo para o fim de satisfazer tributos, admitida a cobrança tão somente por meio consentâneo com o devido processo legal”.

Se o idêntico tema foi tratado pelo STF em favor de uma pessoa jurídica contribuinte de tributos – impedindo a sua paralisação empresarial – é de clareza solar que o mesmo entendimento deve ser aplicado quando, no regime democrático de direito em que se insere a própria OAB, uma pessoa física seja proibida de trabalhar enquanto não pagar uma dívida pecuniária, seja civil ou tributária, pouco importa.

Não pode o sistema judiciário proscrever o uso de meios arbitrários e excessivos nas cobranças de tributos devidos por empresas e tolerar os mesmos meios em desfavor de profissionais liberais em relação a suas dúvidas para com órgão de classe, que, no entender deste Relator, se ajustam à perfeição ao art. 3º do CTN.

A providência aqui tratada é perversa, pois a suspensão do exercício profissional – em situação que nada tem a ver com a qualificação moral ou intelectual no desempenho da advocacia – não faz nenhum sentido quando subtrai justamente os meios que o advogado inadimplente tem para obter recursos para não apenas adimplir sua dívida, mas para subsistir materialmente.

A questão específica do advogado inadimplente já chegou ao STF, no RE 647.885/RS, repercussão geral, ora sob relatoria do Min. Edson Fachin, onde já foi resolvido que “possui repercussão geral a controvérsia referente ao exame da constitucionalidade de dispositivos legais que permitam às entidades de classe suspender o direito ao exercício de ofício àqueles profissionais que estejam inadimplentes com as respectivas anuidades” (Plenário Virtual, DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 10/06/2014 ATA Nº 20/2014 – DJE nº 111, divulgado em 09/06/2014).

A matéria é constitucional e este Relator, à vista do posicionamento firme que o STF tem há décadas contra o uso de providências iníquas – mesmo que legais – para cobrança de dívidas, não tem dúvidas de que o apelo da OAB, manifestamente improcedente, é contrário a jurisprudência sumulada e múltiplas vezes reiterada, do STF, e que a sentença se alinha com a Constituição Federal.

Aos honorários já impostos acresço 1,00% na forma do § 11 do art. 85 do CPC.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

Intimem-se.

Havendo trânsito, dê-se baixa

São Paulo, 10 de janeiro de 2020.

Apelação Cível 5016939-51.2018.4.03.6100

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