Município não é responsável por valores devidos a técnico de basquete contratado por ONGs

O ente público apenas repassava verbas a programa de fomento ao esporte

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou improcedente o pedido de um técnico de basquete de São José dos Campos (SP) de responsabilizar o município por verbas trabalhistas reconhecidas pela Justiça. Contratado por duas organizações desportivas não governamentais, ele alegava que seu salário era pago pela prefeitura. Todavia, segundo o colegiado, o município apenas fazia o repasse de verbas, por meio de programa de fomento ao esporte.

Campeonatos

Na reclamação trabalhista, o técnico disse que o município havia feito um acordo com a Associação Esportiva São José para que ela se filiasse à Federação Paulista de Basquete e assumisse a equipe municipal, o que permitiria ela participasse dos campeonatos. Segundo o acordo, a organização assumiria o time, enquanto o município continuaria fornecendo recursos financeiros para manter a equipe.

O próximo passo era contratar um técnico, o que foi feito em fevereiro de 2002. Dez anos depois, uma nova entidade assumiu o acordo, e o profissional permaneceu atuando até novembro de 2013. Dispensado, ele ajuizou ação trabalhista contra as duas organizações e o município, que, a seu ver, deveria responder, de forma solidária, pelo pagamento das verbas rescisórias.

Maquiagem jurídica

Na avaliação do técnico, teria havido um conluio entre as organizações não governamentais que culminara na exigência de que ele assinasse um “termo de compromisso” com o município, “que deveria ser contrato de trabalho”. Segundo ele, o ente público teria se escondido atrás da natureza jurídica das ONGs, “com maquiagem jurídica de um termo de compromisso que trata de atletas (categoria com legislação específica), e não de profissionais de educação física, para remunerá-lo”.

Fomento ao esporte

Em defesa, o município disse ter atuado de acordo com a Constituição Federal, que permite ao ente público o fomento de práticas desportivas, sem relação de emprego a ser amparada pela CLT. Também argumentou que não poderia contratar ninguém sem concurso e que não havia intenção de lucro. “O simples fato de fornecer recursos financeiros para manter a equipe de basquete não induz à responsabilidade solidária”, acrescentou.

Lei Pelé

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) reconheceu o vínculo de emprego em relação às ONGs, condenando-as a responder diretamente pelos débitos trabalhistas ao atleta. Para o TRT, a Associação Esportiva São José, a partir do momento em que aceitara se filiar à federação de basquete, passou a ser empregadora de atletas, regida pela Lei Pelé (Lei 9.615/1998). Quanto ao município, foi reconhecida a responsabilidade solidária pela condenação.

Repasse

Para o relator do recurso de revista, ministro Alexandre Ramos, o município não se beneficiou diretamente dos serviços prestados pelo técnico de basquete nem teve nenhuma ingerência na contratação ou nas atividades desempenhadas por ele. Na sua avaliação, houve apenas o repasse de valores para o fomento de atividades esportivas.

Ramos acentuou que o repasse de recursos para desenvolver e estimular práticas desportivas é previsto na Constituição Federal (artigo 217). “O estímulo por parte do ente público não permite concluir pela sua responsabilidade solidária ou subsidiária por eventuais créditos trabalhistas”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. COMPATIBILIDADE DA MULTA DO ARTIGO 479 DA CLT COM A MULTA DE 40% DO FGTS. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. O Tribunal Regional entendeu que não subsistia mais a condenação da multa do art. 479 da CLT porque reformou a sentença, que tinha imposto a referida multa aos salários que seriam pagos no período de 12/11/2013 a 31/05/2015, para declarar o vínculo empregatício até a data da dispensa imotivada em 11/11/2013. II. No julgamento dos embargos declaratórios, esclareceu que a multa do artigo 467 da CLT tinha sido excluída no acórdão principal, ainda que não expressamente, quando a multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS foi deferida. III. Não se vislumbra, portanto, ofensa dos preceitos legais invocados (arts. 9º, §§ 1º e 2º, e 14, do Decreto nº 99.684/90), tampouco contrariedade à Súmula nº 125 do TST, invocados nas razões de revista ao argumento de compatibilidade da multa do artigo 479 da CLT com a multa de 40% do FGTS. IV. Do mesmo modo, não logrou demonstrar o pretendido dissenso interpretativo, uma vez que os arestos trazidos para cotejo de tese revelam-se inespecíficos, nos termos da Súmula 296, inciso I, do TST. Isso porque trata de cumulatividade da multa de 40% do FGTS com aquela prevista no art. 479 da CLT, na hipótese de rescisão antecipada de contrato a termo, hipótese não contemplada no acórdão recorrido. IV. Agravo de instrumento que se conhece e a que se nega provimento.

2. DANOS MORAIS DECORRENTES DA FALTA DE ANOTAÇÃO DA CTPS. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. Como bem decidido no despacho ora agravado, é inviável o processamento do recurso de revista, no particular, em razão do óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. Isso porque a parte Agravante fundamenta sua pretensão de conhecimento do recurso de revista a partir da afirmação de que ” há prova inequívoca nestes autos que comprovem a ação ou omissão e a culpa do agente ao deixar de anotar a CTPS do Recorrente “. Trata-se de premissa fática diversa daquela registrada no acórdão recorrido. Logo, para se concluir pelo dissenso pretoriano na forma como pretendida pela parte Recorrente, é necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado em grau de recurso de revista (Súmula nº 126 do TST). II. Aliás, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a falta de anotação do contrato de trabalho na CTPS, por si só, não induz afronta aos direitos de personalidade do empregado. Para o deferimento da indenização por danos morais, exige-se comprovação efetiva de algum fato objetivo a partir do qual se possa deduzir o abalo sofrido. III. Assim, ao manter o indeferimento da indenização por danos morais, o Tribunal Regional decidiu em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior. Inviável o processamento do recurso de revista, nos termos do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST . IV. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.

B) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA SÃO JOSÉ. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. O Tribunal de origem declinou os fundamentos fáticos e jurídicos pelos quais entendera pelo enquadramento do Reclamante na categoria de profissional do desporto, ” com base na Lei nº. 9.615/98, com Técnico de Basquetebol, pois contratado quando já tinha 37 anos de idade (Lei nº. 9.615/98, art. 43) “, concluindo que, no presente caso, ficaram comprovados os elementos caracterizadores da relação empregatícia entre a Agravante e o Reclamante. II. Não houve falta de fundamentação no julgado, tampouco negativa de prestação jurisdicional. O Tribunal Regional examinou as questões que lhe foram submetidas à apreciação, embora tenha concluído em desacordo com a tese da Reclamada. Na verdade, a insurgência é contra o posicionamento adotado pela Corte no exame da matéria controvertida. Contudo, a discordância quanto à decisão proferida, a má apreciação das provas ou a adoção de posicionamento contrário aos interesses da parte não são causas de nulidade processual, nem ensejam ofensa aos arts. 832 da CLT, 489 do CPC/2015 (art. 458 do CPC/1973) e 93, IX, da CF/1988. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.

2. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I . O exame da tese recursal, no sentido da inexistência de vínculo de emprego esbarra no óbice da Súmula 126 do TST, uma vez que ficara comprovado no acórdão recorrido que o Autor prestou serviços como atleta profissional, nos moldes do art. 3º, §1º, I, da Lei nº 9.615/98, e que restaram presentes os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, o que possibilita o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes. II. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.

3. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. RECURSO DE REVISTA EM QUE NÃO SE ATENDEU AO REQUISITO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT.

I. É ônus da parte, “sob pena de não conhecimento” do recurso de revista, observar o disposto nos incisos I, II e III do § 1º-A do art. 896 da CLT (redação dada pela Lei nº 13.015/2014). II. Nas razões de recurso de revista, a parte Recorrente deixou de atender ao requisito do inciso I do § 1º-A do art. 896 da CLT, pois não transcreveu o ” trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista “. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.

C) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. ATIVIDADE DE FOMENTO AO ESPORTE. ACORDO FIRMADO COM ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA PARA FILIAÇÃO À FEDERAÇÃO. REPASSE DE VERBAS PARA A PRÁTICA DESPORTIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.

I. Constata-se que o Município apenas realizou repasses de valores para o fomento de atividades esportivas, nos termos do artigo 217 da Constituição Federal, em prol do interesse coletivo no desenvolvimento de ações esportivas, de modo que o estímulo financeiro por parte do Ente Público, com respaldo no aludido preceito constitucional, não permite concluir pela sua responsabilidade solidária ou subsidiária por eventuais créditos trabalhistas. II. Demonstrada violação do art. 217 da CF/88. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento , para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST.

B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. ATIVIDADE DE FOMENTO AO ESPORTE. ACORDO FIRMADO COM ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA PARA FILIAÇÃO À FEDERAÇÃO. REPASSE DE VERBAS PARA A PRÁTICA DESPORTIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.

I. O Tribunal Regional afastou o vínculo empregatício com o ente público declarado na sentença, e reconheceu o vínculo de emprego do Reclamante com as Reclamadas Associação Esportiva São José e São José Desportivo, e as condenou a responder diretamente pelos haveres trabalhistas na proporção do período contratual, com responsabilidade solidária do ente público, sob o fundamento de que o ” Município sugeriu à Associação Esportiva São José que se filiasse à Federação Paulista de Basquetebol ” e a ” Associação assumiria a equipe de basquete do município, mas o município continuaria fornecendo recursos financeiros para a mantença da equipe “. II. Consignou que o Reclamante foi enquadrado na categoria de profissional do desporto, com base no art. 43 da Lei nº. 9.615/98, como Técnico de Basquetebol, pois contratado quando já tinha 37 anos de idade, e entendeu que a Reclamada Associação Esportiva São José, a partir do momento em que aceitou filiar-se à federação de basquete, passou a ser empregadora de atletas, nos termos do art. art. 3º, §1º, I, da Lei nº 9.615/98, sobretudo porque estavam presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º, da CLT, embora a verba para manter a equipe de basquete viesse do Município de São José dos Campos. III. Verifica-se que o Reclamante foi contratado pela Associação Esportiva São José, pessoa jurídica de direito privado, para prestar serviços de profissional do desporto, com base no art. 43 da Lei nº. 9.615/98, como Técnico de Basquetebol . IV. Constata-se, assim, que o Município, no âmbito de sua competência, apenas realizou repasses de valores para o fomento de atividades esportivas, nos termos do artigo 217 da Constituição Federal, em prol do interesse coletivo e no desenvolvimento de ações esportivas, de modo que o estímulo financeiro por parte do Ente Público, com respaldo no aludido preceito constitucional, por si só, não permite concluir pela sua responsabilidade solidária ou subsidiária por eventuais créditos trabalhistas. V. Com efeito, extrai-se do acórdão recorrido que o Ente Público não se beneficiou diretamente dos serviços prestados pelo Autor, tampouco houve ingerência do Município na sua contratação ou nas atividades por ele realizadas. VI. Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 217 da CF/88, e a que se dá provimento .

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-333-64.2014.5.15.0083

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