O desconhecimento da lei assim como a situação econômica do infrator ambiental não são justificativas válidas para excluir aplicação de multas por desmatamento e queimada de mata em área localizada às margens do Rio Acre, no Município de Porto Acre (AC).
Foi com esse fundamento que a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que negou o pedido de um agricultor para redução ou conversão das multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em serviço de preservação, melhoria ou recuperação do meio ambiente.
Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira, constatou que não há dúvida da prática de desmatamento e queimada dos seis hectares de mata primária das terras concedidas ao agricultor mediante o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) para atividade agroextrativista.
Por meio da Defensoria Pública, o agricultor disse que agiu assim para garantir o sustento de sua família com uma pequena lavoura e argumentou que, por ser pessoa de pouca instrução, não sabia que estava cometendo um ato ilícito. Disse, também, que as multas aplicadas pela autarquia, de R$6.000,00 e R$5.400,00, ainda que já tenham sido reduzidas na decisão do juízo de primeiro grau, seriam superiores ao valor dos bens da família.
Caráter educativo e punitivo – Os argumentos não foram aceitos pelo relator. Constatadas as infrações previstas no art. 50 da Lei 9.605/1998 e no art. 51 do Decreto n. 6.514/2008, foram aplicadas as atenuantes previstas em lei na multa aplicada pelo Ibama dado o baixo grau de instrução do infrator e o fato de ele ter colaborado com a fiscalização.
A penalidade possui caráter educativo e também punitivo, destacou o magistrado, não sendo plausível sua substituição por prestação alternativa, nos termos do Decreto 6.514/2008, a não ser que a autarquia tenha incorrido em ilegalidade ou violação à proporcionalidade e à razoabilidade, o que não se verificou no caso.
“Veja-se que, em se tratando de políticas ambientais, tem-se o princípio da precaução como seu principal orientador no sentido de que a prevenção do meio ambiente visa desestimular a prática de condutas lesivas, não se exigindo, no caso, o dano efetivo, o qual já se caracteriza com a simples ocorrência da infração”, concluiu o desembargador federal em seu voto pela manutenção da sentença.
O recurso ficou assim ementado:
AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. DESMATAMENTO DE MATA PRIMÁRIA. AUTUAÇÃO DO IBAMA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA ILICITUDE AFASTADA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DAS MULTAS APLICADAS. CONDIÇÕES PREVISTAS NO ART. 4º DO DECRETO N. 6.514/2008 E CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 21 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 10/201 DO IBAMA.
1. Trata-se de apelação interposta pelo autor em face da sentença proferida pela 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre, que julgou improcedente o pedido na Ação Ordinária n. 1057-21.2014.4.01.3000, na qual pretende a anulação dos embargos realizados em sua propriedade e a suspensão das multas que lhe foram aplicadas pelo IBAMA.
2. O apelante sofreu as sanções de embargo da área e multas de R$ 6.000,00 e R$ 30.000,00 em razão do desmatamento (queimada) sem autorização de 6 hectares de mata primária, objeto de especial preservação, incorrendo nas infrações previstas no art. 50 da Lei n. 9.605/98 (“destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação”) e no art. 51 do Decreto n. 6.514/2008 (“destruir, desmatar, danificar ou explorar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, em área de reserva legal ou servidão florestal, de domínio público ou privado, sem autorização prévia do órgão ambiental competente”).
3. Na dosimetria da sanção aplicada, a autoridade administrativa deve observar os motivos da infração e suas consequências, bem como a situação econômica do infrator, para definição da penalidade, nos termos do art. 6º da Lei n. 9.605/98 e do art. 4º do Decreto n. 6.514/2008, contudo, não excluem a responsabilidade do infrator, visto que a ninguém é dado escusar-se do cumprimento da lei, alegando sua ignorância ou desconhecimento de seus termos.
4. Em se tratando de políticas ambientais, tem-se o princípio da precaução como seu principal orientador, no sentido de que a prevenção do meio ambiente visa desestimular a prática de condutas lesivas, não se exigindo, no caso, o dano efetivo, o qual já se caracteriza com a simples ocorrência da infração.
5. No julgamento do apelante na via administrativa, foram consideradas as atenuantes previstas no art. 21 da Instrução Normativa n. 10/2012, do IBAMA, reduzindo-se as multas, respectivamente, para R$ 5.400,00 e R$ 6.000,00, permitindo-se, ainda, seu parcelamento no período máximo de 60 parcelas, previsto no art. 109 da referida instrução normativa.
6. Em que pese a possibilidade de conversão da multa simples em serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, observadas as condições em que teria ocorrido a infração, previstas no art. 6º da Lei n. 9.605/98, esta somente deve ser levada a efeito pelo Judiciário se ficar configurado que a autoridade administrativa incorreu em ilegalidade ou em clara violação à proporcionalidade e à razoabilidade.
7. A multa decorrente da prática de infração ambiental possui caráter educativo e também punitivo, não sendo plausível sua substituição por prestação alternativa sem a observância da gravidade dos fatos, os antecedentes e a situação econômica do infrator (art. 4º do Decreto n. 6.514/2008).
8. No caso dos autos, é razoável a fixação das multas aplicadas ao apelante, eis que levadas em conta as atenuantes previstas na legislação, as quais resultaram na redução de 10% e 25%, respectivamente, das multas inicialmente aplicadas, considerando-se, ainda, na espécie, que a infração aplicada decorreu de ação de desmate, mediante queimada, de seis hectares de mata primária, objeto de especial preservação, tratando-se, portanto, de infração de certa gravidade e que exige uma maior reprimenda por parte do órgão fiscalizador e do Judiciário.
9. Fica o apelante condenado nos honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, acrescidos de 2% (dois por cento) a título de honorários recursais, observada a gratuidade de justiça
10. Apelação do autor desprovida.
Processo: 0001057-21.2014.4.01.3000