Para Augusto Aras, terceirização de atividade-fim deve ser limitada à iniciativa privada
Em memorial enviado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (30), o procurador-geral da República, Augusto Aras, reforça a necessidade da modulação dos efeitos da decisão da Corte sobre terceirização das atividades-fim nas empresas. Em 2018, no julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324/DF e do Tema 725 da Repercussão Geral, foi fixada tese segundo a qual “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
No documento, Aras reitera o pedido feito nos embargos de declaração, já apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) ao Supremo. O PGR explica que existem especificidades no regime público de contratação de empresas e de efetivação de servidores, além do fato de haver possibilidade de ocorrência de fraude ou burla a direitos no contexto da terceirização, o que demonstra a importância de se demarcarem algumas ressalvas na aplicação do entendimento. Nesse sentido, sustenta que a tese deve ser limitada, por ora, apenas ao âmbito empresarial privado. Além disso, diz ser preciso que a Corte estabeleça a possibilidade, a depender do caso concreto, de se reconhecer a violação dos requisitos da relação de emprego entre o trabalhador e o tomador de serviços.
Por fim, o procurador-geral requer que sejam preservados os pronunciamentos judiciais transitados em julgado e demais atos jurídicos perfeitos – como acordos homologados judicialmente, termos de ajuste de conduta e fiscalizações – praticados até a apreciação dos embargos declaratórios, ou, ao menos, até a publicação do acórdão embargado. Está pautada para o próximo dia 6 de abril a apreciação dos embargos de declaração do PGR pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Necessidade de modulação – Durante o julgamento relacionado à licitude da terceirização de atividade-fim, inúmeros questionamentos foram feitos acerca da aplicação da tese em contratos futuros. A respeito dessas ponderações, o ministro Roberto Barroso, na parte final daquele julgamento, afirmou que a tese não afetaria decisões transitadas em julgado. No entanto, questões sobre as consequências prospectivas deveriam ser decididas na fase da apreciação de embargos declaratórios.
Outro ministro que se pronunciou naquela ocasião sobre a necessidade de modulação, especialmente em relação à terceirização praticada por empresas contratadas pela Administração Pública, foi o relator do processo, ministro Luiz Fux. O presidente da Corte explica que ainda não se debruçou sobre a constitucionalidade da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto ao período anterior à vigência da Reforma Trabalhista (leis 13.429/2017 e 13.467/2017). A Súmula 331 estabelece, entre outros pontos, que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
“A modulação ganha especial relevância diante da expressividade do tema ‘terceirização’, que figura no ranking de assuntos mais recorrentes no TST. Atualmente, na Corte Trabalhista, 8.573 processos estão sobrestados aguardando a definição final do Tema 725 da Repercussão Geral”, argumenta Augusto Aras no memorial.
Riscos à litigiosidade – Outro ponto suscitado pelo PGR no documento são os riscos do aumento da litigiosidade na Justiça trabalhista, por meio do ajuizamento de ações rescisórias voltadas a rediscutir decisões fundamentadas em entendimento até então pacífico na jurisprudência. Dados da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), do Ministério Público do Trabalho (MPT), apontam que, até a fixação do entendimento em 2018 pelo STF, apenas no TST, mais de 326 mil decisões discutiram a aplicação da Súmula 331.
“Tais considerações representam importantes ‘consequências práticas da decisão’, as quais hão de ser colocadas em relevo, na demanda por modulação temporal de efeitos, com a finalidade de garantir a segurança jurídica e o excepcional interesse social, consolidados em quase 30 anos de entendimento jurisprudencial”, pondera Aras.
Outras omissões – No memorial, o PGR ressalta ainda a necessidade de esclarecimento quanto à possibilidade de a Justiça do Trabalho reconhecer, caso a caso, a ilicitude de terceirizações quando houver fraude na relação de emprego, conforme os artigos 2º, 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como a decisão tratou somente de terceirização de atividades produtivas em âmbito empresarial privado, é preciso afastar a aplicação da tese em outras hipóteses nas quais – apesar da possível licitude da terceirização em atividade-fim – apresentam-se mais ilegalidades caracterizadoras por burla a outras exigências relativas ao vínculo empregatício.
São exemplo as hipóteses de contratação de cooperativas de mão de obra que se limitam a disponibilizar o trabalho subordinado de seus cooperados a outras empresas, sem partilhar a vantajosidade inerente à organização associativa; de “pejotização”, induzida para minoração do recolhimento de tributos e sem efetiva autonomia dos pejotizados para a discussão do seu contrato e fixação de suas condições de trabalho; e de contratação irregular de “autônomos”, forçados a aderirem a vínculos materiais de emprego, mas fora da proteção celetista.
Pedidos – Ao final, o procurador-geral reitera o recurso já interposto e se manifesta pelo provimento dos embargos de declaração apresentados no processo, a fim de: a) modular os efeitos da decisão proferida, preservando-se os pronunciamentos judiciais transitados em julgado e demais atos jurídicos perfeitos (acordos homologados judicialmente, termos de ajuste de conduta, fiscalizações, entre outros negócios jurídicos) praticados até a publicação do acórdão de exame dos embargos declaratórios; ou, ao menos, até a publicação do acórdão embargado; b) esclarecer que a tese fixada: b.1) limita-se à terceirização no âmbito exclusivamente privado, sem aplicação imediata a contratações envolvendo a Administração Pública; b.2) não exclui a possibilidade de reconhecimento de fraude à lei em contextos concretos de utilização da terceirização de modo irregular, para burlar a legislação trabalhista, notadamente o disposto nos artigos 2º, 3º e 9º da CLT.