Mesmo destituídos, advogados da parte vencedora podem ingressar como assistentes na fase de liquidação

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um banco por entender que é legítimo o ingresso como assistentes, na fase de liquidação de sentença pelo procedimento comum (antiga liquidação por artigos), de advogados que foram destituídos após patrocinar os interesses do vencedor da ação na fase de conhecimento.

Os advogados foram admitidos no processo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) sob o fundamento de que o resultado da fase de liquidação influenciará a sua relação jurídica com o assistido, pois há entre eles contrato de honorários com cláusula de êxito.

No caso analisado pelos ministros, uma empresa de engenharia moveu contra o banco – autor do recurso no STJ – ação de revisão de cláusulas contratuais cumulada com revisão de saldo em conta-corrente e devolução de valores.

No âmbito da liquidação da sentença, foi negado o pedido de ingresso dos advogados que atuaram para a empresa de engenharia como assistentes na demanda, ao fundamento de que eles apenas teriam interesse econômico no desfecho da controvérsia. Os advogados recorreram ao TJSP e conseguiram assegurar seu ingresso.

No recurso especial, o banco alegou, entre outros pontos, que o interesse econômico dos advogados não autorizaria o ingresso como terceiros em processo alheio. Segundo o banco, não existiria a categoria “interesse econômico com reflexo jurídico”, em que se baseou o TJSP.

Limites t​​​ênues

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, disse é frequentemente difícil estabelecer a distinção entre interesse jurídico e interesse econômico em circunstâncias limítrofes, nas quais as diferenças entre um e outro, embora existentes, são “muito tênues”.

Ela destacou entendimento do STJ segundo o qual o interesse jurídico que justifica a intervenção de terceiro como assistente simples decorre do fato de ser possível, no processo de que não participou, resultar decisão capaz de afetar a existência de um direito seu, “admitindo-se, inclusive, a existência de repercussões econômicas como decorrência do interesse jurídico”.

“Assim, embora realmente inexista a figura do ‘interesse econômico com reflexo jurídico’ a que se referiu o acórdão recorrido, há, todavia, a figura do ‘interesse jurídico com reflexo econômico’, amplamente reconhecida pela jurisprudência desta corte” – comentou a ministra.

Atividade cognit​​iva

No caso analisado – liquidação de sentença –, a relatora lembrou que a atividade a ser exercida pelo juiz é cognitiva, embora mais restrita do que na fase de conhecimento.

“Isso fica ainda mais evidente na liquidação por artigos, agora chamada de liquidação pelo procedimento comum (artigos 509, inciso II, e 511, ambos do CPC/2015) – exatamente a hipótese deste recurso especial –, em que se admite amplo contraditório e exauriente atividade instrutória diante da necessidade de alegação e produção de prova sobre fato novo.”

Essa fase, segundo Nancy Andrighi, pode resultar na chamada liquidação zero, ou seja, na possibilidade de se encontrar valor zero a pagar na obrigação fixada na sentença. No caso dos advogados, a ministra explicou que seus direitos poderiam ser afetados em tal hipótese, o que justifica a possibilidade de ingresso na ação como assistentes.

“Verifica-se que o interesse alegado pelos recorridos decorre do fato de que o contrato de honorários celebrado com a interessada possui cláusula de êxito, direito substancial que poderá, sim, ser impactado em sua própria existência na fase de liquidação da sentença”, concluiu a relatora ao afirmar que não houve violação à regra do artigo 119 do CPC/2015.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA PELO PROCEDIMENTO COMUM. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES SUSCITADAS QUE FORAM EXAMINADAS. INTERESSE JURÍDICO E INTERESSE ECONÔMICO. CONCEITOS INDIVIDUALIZÁVEIS. INTERESSE JURÍDICO QUE PRESSUPÕE O RISCO DE O PROCESSO AFETAR A EXISTÊNCIA OU INEXISTÊNCIA DE DIREITO OU OBRIGAÇÃO DE QUEM PRETENDE INTERVIR. REPERCUSSÃO ECONÔMICA. POSSIBILIDADE. FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA PELO PROCEDIMENTO COMUM EM QUE SE EXERCE ATIVIDADE COGNITIVA COMPLEMENTAR QUE ADMITE, EM TESE, A EXTINÇÃO DO DIREITO AOS HONORÁRIOS CONTRATUAIS DE ÊXITO NA HIPÓTESE DE LIQUIDAÇÃO ZERO. INTERESSE JURÍDICO DO ADVOGADO DESTITUÍDO PRESENTE. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE RESERVA HONORÁRIOS CONTRATUAIS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. POSSIBILIDADE. ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC⁄2015. REEXAME DA QUESTÃO RELACIONADA AO DESTACAMENTO DE HONORÁRIOS DESTITUÍDO. LEGITIMIDADE DO ASSISTIDO, MAS NÃO DO ADVERSÁRIO DO ASSISTIDO. RESERVA DOS HONORÁRIOS NO BOJO DO PROCESSO EM QUE ATUOU. ADMISSIBILIDADE QUANDO AUSENTE LITÍGIO COM O EX-CLIENTE, DÚVIDA SOBRE VALOR OU RISCO DE TUMULTO OU FORMAÇÃO DE LIDE PARALELA. AUSÊNCIA DE PROVA. DISSENSO JURISPRUDENCIAL. DESSEMELHANÇA FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E OS PARADIGMAS.
1- Recurso especial interposto em 27⁄07⁄2017 e atribuído à Relatora em 25⁄05⁄2018.
2- Os propósitos recursais consistem em definir, para além da suposta negativa de prestação jurisdicional: (i) se é jurídico o interesse do advogado que foi destituído após patrocinar os interesses do vencedor na fase de conhecimento e que foi admitido no processo ao fundamento de que o resultado da fase de liquidação influenciará a sua relação jurídica com o assistido, pois com ele possui contrato de honorários com cláusula de êxito; (ii) se é recorrível, de imediato e por meio de agravo de instrumento, a decisão interlocutória proferida na fase de liquidação que indefere o ingresso de terceiro na qualidade de assistente simples (iii) se é admissível o debate acerca da reserva de honorários de procurador destituído no âmbito da liquidação de sentença proferida em ação ajuizada pelo assistido em face do devedor.
3- Não é omisso ou obscuro o acórdão que se pronuncia, de forma clara e efetiva, sobre as questões aventadas pela parte.
4- A exata conceituação do interesse jurídico e a sua adequada distanciação do conceito de interesse econômico são questões de acentuada complexidade, pois é difícil estabelecer essa distinção em circunstâncias limítrofes e nas quais as diferenças entre o interesse jurídico e o interesse econômico, embora sabidamente existentes, sejam muito tênues, adotando essa Corte a tese de que o interesse jurídico que permite a assistência surge quando o resultado do processo pode afetar a existência ou inexistência de algum direito ou obrigação daquele que pretende intervir como assistente, sem prejuízo de o interesse jurídico vir acompanhado repercussões econômicas que não possuam o condão de desnaturá-lo. Precedentes.
5- Considerando que a fase de liquidação de sentença, embora de natureza controvertida, desenvolve-se mediante atividade cognitiva complementar à cognição exercida na fase de conhecimento, pois se limita a apuração do valor da condenação que fora estabelecido genericamente na sentença de mérito, é correto concluir que na liquidação por artigos, agora chamada de liquidação pelo procedimento comum, existe a possibilidade de prejuízo concreto à existência do direito aos honorários de advogado pactuados com cláusula de êxito na hipótese da chamada liquidação zero, que, embora devesse ser rara, vem frequentemente sendo objeto de exame pelo Poder Judiciário.
6- A decisão interlocutória que defere a reserva de honorários contratuais em fase de liquidação de sentença é recorrível de imediato, por agravo de instrumento, em razão da regra contida no art. 1.015, parágrafo único, do CPC⁄2015. Precedentes.
7- O adversário do assistido não tem legitimidade recursal para provocar o reexame da questão relacionada a reserva dos honorários pactuados entre o assistido e o assistente, na medida em que a referida questão diz respeito a relação jurídica distinta da que originou o processo.
8- É admissível o destacamento dos honorários contratuais por êxito devidos ao patrono destituído, no bojo do processo em que atuou, quando não houver litígio entre ele e o ex-cliente, dúvida sobre o valor, risco de tumulto ou formação de lides paralelas, circunstâncias que não se presumem ou se inferem, mas, ao revés, devem ser provadas.
9- É inadmissível o recurso especial fundado na divergência quando dessemelhantes as premissas fáticas que fundam o acórdão recorrido e os paradigmas.
10- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1798937

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