A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que reconheceu a ocorrência de usucapião em imóvel de espólio gravado com cláusula de inalienabilidade em relação a um dos herdeiros. A usucapião foi reconhecida pelo TJPR com base no artigo 214, parágrafo 5º, da Lei de Registros Públicos.
Embora o dispositivo tenha entrado em vigor em 2004, e o usucapiente tenha iniciado o exercício manso e pacífico da posse ainda em 1995, o colegiado considerou que, mesmo antes da atualização da Lei de Registros Públicos, o STJ já admitia a aquisição por usucapião de imóvel nessas circunstâncias.
Na origem do processo, um casal, ao falecer, deixou testamento em que gravou com cláusula de inalienabilidade a parte da herança que caberia a um de seus filhos – pai dos autores da ação judicial que gerou o recurso ao STJ.
Imóvel alienado no curso do inventário
Durante o inventário, um imóvel do espólio foi vendido a uma empresa agropecuária, razão pela qual os autores da ação pediram a declaração de nulidade da escritura, invocando a cláusula de inalienabilidade.
Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que o gravame poderia ser sub-rogado em outros bens do espólio, sem prejuízo para os autores da ação. Além disso, considerou a boa-fé da compradora e o transcurso do prazo legal para a aquisição do imóvel por usucapião. O TJPR, com base no artigo 214, parágrafo 5º, da Lei 6.015/1973, concluiu que foram preenchidos os requisitos legais para a usucapião em benefício da empresa agropecuária.
No recurso ao STJ, os autores da ação alegaram que o artigo 214, parágrafo 5º, da Lei de Registros Públicos não se aplicaria à hipótese, pois o dispositivo foi inserido pela Lei 10.931, com vigência a partir de agosto de 2004, e a venda do imóvel ocorreu em 1995.
Nulidade não pode ser decretada contra terceiro de boa-fé
A ministra Nancy Andrighi explicou que, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil de 1916 – vigente na época da elaboração do testamento e da abertura da sucessão –, é autorizado ao testador gravar a herança com cláusula de inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual restringe o direito de propriedade do herdeiro, que não poderá dispor do bem durante a sua vigência.
Dessa forma, se o bem gravado for alienado, o ato será considerado nulo. Entretanto, ressalvou a magistrada, o artigo 214, parágrafo 5º, da Lei 6.015/1973 prevê que a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
Independentemente de o dispositivo ser ou não aplicável ao caso, por ter a venda ocorrido antes da mudança legislativa, a ministra observou que a jurisprudência do STJ já vinha admitindo a usucapião de bem gravado com cláusula de inalienabilidade.
Além disso, Nancy Andrighi ressaltou que a cláusula de inalienabilidade não incidiu sobre um ou alguns bens previamente determinados pelos testadores, mas gravou a cota-parte de um de seus filhos.
Assim, segundo ela, ainda que não fosse admitida a usucapião de imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade, isso não influenciaria na solução do caso, pois não era o imóvel adquirido pela empresa agropecuária que estava submetido a tal restrição, mas sim a parte do pai dos autores da ação. E, como concluíram as instâncias ordinárias, o espólio tem outros bens, suficientes para garantir a sua cota-parte.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM CANCELAMENTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS. IMÓVEL QUE COMPÕE ACERVO HEREDITÁRIO. LEGÍTIMA DE UM DOS HERDEIROS GRAVADA COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE. DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. OCORRÊNCIA. BOA-FÉ DA POSSUIDORA. SÚMULA 7/STJ.
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Ação declaratória de nulidade c/c cancelamento de registro ajuizada em 16/01/2012, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 15/05/2020 e concluso ao gabinete em 11/12/2020.
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O propósito recursal consiste em definir a) a possibilidade de reconhecer- se, antes da entrada em vigor do art. 214, § 5º, da Lei de Registros Públicos, a usucapião de imóvel que compõe acervo hereditário na hipótese de a legítima de um dos herdeiros estar gravada com cláusula de inalienabilidade; b) se o despacho que ordena citação, em ação declaratória de nulidade de negócio jurídico por violação à cláusula de inalienabilidade, interrompe o prazo da prescrição aquisitiva; c) se está configurada a boa-fé da possuidora.
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A ausência de indicação dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (Súmula 284/STF).
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Nos termos do art. 1.723 do CC/16, é autorizado ao testador gravar a legítima dos herdeiros com cláusula de inalienabilidade temporária ou vitalícia. Essa espécie de disposição restringe o direito de propriedade do herdeiro, que não poderá dispor do bem durante a sua vigência. Assim, se o bem gravado com inalienabilidade for alienado, o ato será nulo. A existência de cláusula de inalienabilidade, todavia, não obsta a aquisição do bem por usucapião. Precedentes.
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A Segunda Seção deste Tribunal Superior orienta-se no sentido de que a citação apenas terá o condão de interromper a prescrição aquisitiva se a ação proposta tiver por finalidade a defesa do direito material sujeito à prescrição. Precedentes. Na ação declaratória de nulidade por violação à cláusula de inalienabilidade, a controvérsia instaurada diz respeito à impossibilidade jurídica da transferência da propriedade do imóvel ao réu. Põe-se sub judice o direito do requerido à aquisição do domínio. Desse modo, o despacho do juiz que ordena a citação na ação declaratória de nulidade interrompe o prazo da prescrição aquisitiva. Em consequência, não é possível contabilizar o período transcorrido no curso da ação.
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Para alterar a conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, no sentido de que a recorrida exerceu a posse com boa-fé, seria necessário o revolvimento de fatos e provas (Súmula 7/STJ).
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Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
Foram opostos Embargos de Declaração e estes acolhidos, ficando assim ementado:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ERRO MATERIAL. EXISTÊNCIA.
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Impõe-se a alteração do acórdão quando constatado erro material na majoração da verba honorária.
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Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos
Leia o acórdão no REsp 1.911.074.