Inconformados com a decisão que determinou a indisponibilidade de bens até o valor de R$2.100.489,82 e a quebra do sigilo bancário em ação civil pública sobre irregularidades na reforma de um hospital em São Luís/MA, uma empresa construtora e seus sócios interpuseram agravo de instrumento (recurso para questionar uma decisão do juiz anterior à sentença) no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Os recorrentes argumentaram que a Justiça Federal não tem competência para julgar o processo porque as verbas foram repassadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o estado do Maranhão. Também sustentaram ausência de provas da conduta ilícita e de danos ao erário e alegaram que os valores bloqueados ultrapassavam até mesmo o montante integral dos serviços realizados pela empresa no contrato. Pediram, ainda, suspensão das medidas de bloqueio de bens, quebra de sigilo bancário e desbloqueio de eventuais valores dos apelantes.
Na análise do processo, que foi julgado pela 3ª Turma, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, verificou que foi proferida uma decisão liminar para autorizar o desbloqueio parcial dos valores suficientes para o pagamento de tributos, empréstimos, fornecedores e funcionários da construtora. A magistrada frisou que a União tem competência para ajuizar a ação civil pública onde foi proferida a decisão agravada, porque trata de supostos desvios de recursos provenientes do BNDES.
Prosseguindo na análise do recurso, a desembargadora constatou que “no caso dos autos, não ficou demonstrada a ocorrência de danos ao erário ou de risco ao resultado útil do processo ante a inexistência de indícios de que os contratos 302/2014-SES e 438/2014-SES não teriam sido executados e estariam eivados de irregularidades”. Ou seja, não estão presentes os requisitos constantes no art. 16, §§ 3º e 4º, da Lei 8.429/1992, incluídos pela Lei 14.230/2021, para a concessão da medida de indisponibilidade de bens, conforme jurisprudência do TRF1, explicou a magistrada.
Concluindo o voto, a relatora ponderou que a quebra do sigilo bancário “tem como finalidade propiciar elementos que auxiliem na comprovação da prática do ato de improbidade e possibilitem o futuro ressarcimento ao erário”, desde que presentes indícios de que o pedido da ação tem plausibilidade e que a demora na decretação da medida pode trazer dificuldade ao cumprimento da sentença, conforme o art. 1º, § 4º, da LC 105/2001: “A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial”.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992 ALTERADA PELA 14.230/2021. REPASSE DE VERBAS FEDERAIS. SUS. PREJUÍZO AO ERÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXCLUSÃO DA MULTA CIVIL. REQUISITOS PARA DECRETAÇÃO DA MEDIDA CONSTRITIVA NÃO DEMONSTRADOS. QUEBRA DE SIGILO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO PROVIDO.
-
A competência da Justiça Federal para as ações de improbidade administrativa é definida em razão da presença, na relação processual, das pessoas jurídicas de direito público previstas no artigo 109, I, da Constituição Federal (CF/1988), e não pela natureza federal da verba sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União (Precedente do STJ).
-
Questionados supostos desvios de recursos financeiros repassados pelo BNDES por meio de convênio à municipalidade de São Luís/MA, constata-se a competência deste Juízo Federal para o processamento do feito originário.
-
As alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 têm aplicação imediata aos feitos em andamento.
-
A indisponibilidade de bens somente será deferida após a oitiva do réu e desde que demonstrado o perigo de dano irreparável ou o risco ao resultado útil do processo.
-
A oitiva poderá ser dispensada sempre que o contraditório prévio puder, comprovadamente, frustrar a efetividade ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.
-
A medida constritiva recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita, nos termos do art. 16, § 10, da LIA (nova redação). Superada, assim, a tese firmada pelo STJ no Tema 1055.
-
Ausentes os requisitos para decretação da constrição, pois não demonstrada dilapidação do patrimônio pelos requeridos.
-
O sigilo bancário é direito fundamental, passível de ser afastado apenas para apuração de ilícito criminal (art. 1º, § 4º, LC 105/2001), bem como no caso de procedimento administrativo fiscal (art. 6º da LC 105/2001) e de infrações administrativas (art. 7º da LC 105/2001), para a proteção do interesse público, sendo incabível sua quebra como medida executiva atípica (STJ, REsp 1951176/SP 2021/0235295-1, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, em 28/10/2021).
-
São cabíveis os chamados meios de coerção indiretos, desde que existam indícios de que o devedor tenha patrimônio expropriável e tais medidas sejam devidamente fundamentadas e adotadas de forma subsidiária pelo juízo (art. 139, IV, CPC). Esse, contudo, não é o caso dos autos.
-
Agravo de instrumento a que se dá provimento.
O voto da relatora no sentido de acolher o pedido no agravo de instrumento foi acompanhado pelo Colegiado por unanimidade.
Processo: 1008956-27.2017.4.01.0000