Mantida validade de depoimentos por videoconferência durante a pandemia

Para a 3ª Turma, a medida, excepcional, não caracteriza cerceamento de defesa

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso do Serviço Social do Turismo (Sest) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) do Rio Grande do Sul para anular uma sentença porque a audiência de instrução havia sido realizada por videoconferência. Para o colegiado, a medida não significou, em nenhum aspecto, cerceamento de defesa ou ofensa aos direitos fundamentais de natureza processual constitucionalmente assegurados às entidades sociais.

Videoconferência

A reclamação trabalhista foi ajuizada em março de 2020 por um instrutor de trânsito, com pedido de adicional por acúmulo de função e diferenças salariais. Com base, entre outros elementos, nos depoimentos das testemunhas na audiência, o juízo da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul (RS) condenou o Sest e o Senat ao pagamento das parcelas.

Idoneidade do depoimento

No recurso ordinário, as entidades disseram que, desde o princípio, haviam registrado sua discordância com a instrução telepresencial. Segundo elas, não há como garantir a idoneidade do depoimento da testemunha (se ela não está obtendo informações por WhatsApp, se uma não é capaz de ouvir o depoimento da outra, etc.), e a pandemia não poderia revogar princípios e normas constitucionais e legais.

Outro argumento foi o de que teriam ocorrido problemas em um dos depoimentos por questões tecnológicas, apesar do registro em ata de que a testemunha teria sido indeferida por “apenas confirmar os fatos já referidos”. Para o Sest e o Senat, estaria demonstrado o cerceamento de defesa.

As alegações, contudo, foram rejeitadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que não verificou nenhum vício processual na tomada dos depoimentos.

Medidas excepcionais

O relator do recurso de revista das entidades, ministro José Roberto Pimenta, observou que a audiência ocorrera por videoconferência em razão das regras sanitárias decorrentes da pandemia da covid-19. “As medidas processuais excepcionais mostram-se inteiramente proporcionais e justificadas, diante do estado de calamidade pública”, afirmou.

Ainda, de acordo com o relator, a audiência por videoconferência foi realizada de acordo com o Ato 11 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. Editado em 23/4/2020, o ato uniformizou os procedimentos para registro e armazenamento das audiências em áudio e vídeo.

Prova suficiente

Por outro lado, o ministro assinalou que, conforme registrado pelo TRT, a Vara do Trabalho, depois de colher o depoimento de uma testemunha convidada pelas entidades, dispensou a segunda, por entender que a prova então produzida já seria suficiente para a instrução do processo. E, segundo a própria empregadora, o intuito do depoimento era apenas confirmar os fatos já relatados pela outra testemunha, sem nenhuma menção a problemas técnicos.

“Não há no recurso demonstração do motivo pelo qual o depoimento da segunda testemunha seria essencial para a solução da controvérsia, ou qual fato poderia ela comprovar que não pudesse sê-lo igualmente pelo depoimento da primeira”, destacou o relator. “Nesse contexto, sem demonstração do eventual prejuízo processual sofrido, como resultado da dispensa da segunda testemunha, não há como cogitar-se de nulidade por cerceamento de defesa”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017.

CERCEAMENTO DO DIREITO DE PROVA. AUDIÊNCIA REALIZADA POR VIDEOCONFERÊNCIA EM FACE DA PANDEMIA DE COVID-19. DISPENSA DA OITIVA DA SEGUNDA TESTEMUNHA CONVIDADA PELOS RECLAMADOS DURANTE A INSTRUÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO PROCESSUAL.

Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual foi mantida a rejeição à alegação de cerceamento do direito de prova, pois, no caso, conforme relatado no acórdão regional, a audiência ocorreu por videoconferência em razão das regras sanitárias impostas em face da pandemia de COVID-19. Consignou o Regional que ” as condições estabelecidas pelo Juízo de origem para a realização da audiência de instrução por videoconferência e os atos praticados durante a solenidade são consentâneos com o ordenamento jurídico pátrio e com as medidas adotadas pela Justiça do Trabalho, em razão da pandemia do COVID-19 “. Com efeito, a decisão regional mostra-se inteiramente acertada e absolutamente não significou, em nenhum aspecto, cerceamento de prova ou qualquer ofensa aos direitos fundamentais de natureza processual constitucionalmente assegurados aos reclamados. Assim, esse conjunto de medidas processuais excepcionais determinado pelo juízo de origem, logo no início da terrível pandemia que atingiu de forma particularmente intensa nosso país, mostra-se inteiramente proporcional, plenamente justificado pelo estado de calamidade pública então instalado, e em perfeita consonância com o Ato nº 11/GCGJT, de 23 de abril de 2020, da própria Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, em boa hora editado pela Administração do próprio Tribunal Superior do Trabalho. Por outro lado, de acordo com o acórdão recorrido, a Vara do Trabalho de origem, depois de colher o depoimento de uma testemunha convidada pelos reclamados, dispensou a oitiva da segunda testemunha, por entender que a prova então produzida já seria suficiente para instrução do feito. Delimitou que ” a dispensa da segunda testemunha da reclamada não configurou cerceamento de defesa, no caso, pois consta da ata que, segundo a própria reclamada, o intuito do depoimento era “para apenas confirmar os fatos já referidos no depoimento da testemunha Luana” (ID. 69315b0, pág. 2) “, ressaltando, ainda, que ” não há qualquer menção a problemas técnicos, portanto “. Ora, não há no recurso de revista denegado ou no agravo ora sub judice demonstração do motivo pelo qual o depoimento da segunda testemunha convidada pelos reclamados seria essencial para a solução da controvérsia, ou qual fato poderia ela comprovar, que não pudesse sê-lo igualmente pelo depoimento da primeira testemunha. Nesse contexto, sem demonstração do eventual prejuízo processual sofrido pelos reclamados como resultado da dispensa da oitiva da segunda testemunha por eles convidada, não há como cogitar-se de nulidade por cerceamento de defesa, ante o óbice do artigo 794 da CLT. Precedente de lavra deste Relator.

Agravo desprovido .

PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA QUANTO AO ACÚMULO DE FUNÇÕES.

Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual foi mantida a rejeição da preliminar de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional quanto à matéria relativa às diferenças salariais por acúmulo de funções. Havendo, no acórdão regional, a descrição das razões de decidir do órgão julgador, tem-se por atendida a exigência da prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento seja contrário ao interesse da parte. Para que se tenha por atendido o dever constitucional de fundamentação de todas as decisões judiciais, basta que nessas se enfrentem, de forma completa e suficiente, todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia. Portanto, não restam dúvidas de que foi prestada a devida jurisdição à parte, mantendo-se ileso o comando inserto nos artigos 93, inciso IX, da Constituição Federal, 832 da CLT e 489 do CPC/2015.

Agravo desprovido .

DIFERENÇAS SALARIAIS POR ACÚMULO DE FUNÇÃO DEVIDAS. MATÉRIA FÁTICA.

Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual foram mantidas as diferenças salariais por acúmulo de função, na medida em que o Regional, com base na prova oral, constatou que o reclamante, contratado para exercer a função de instrutor, realizava, concomitantemente, serviços equiparáveis aos de um help desk . Dessa forma, depreende-se do acórdão regional que o reclamante, no exercício de suas atividades, desempenhou funções dissociadas daquelas concernentes a de instrutor, sendo que não recebeu o pagamento correspondente pelo exercício cumulativo dessas funções distintas. Nesse contexto, de fato, o autor tem direito ao acréscimo salarial pretendido, com vistas a preservar a natureza comutativa do contrato de trabalho. Qualquer rediscussão acerca do tema, como pretendem os agravantes, para adoção de entendimento contrário àquele sustentado pelo Regional, implicaria, inevitavelmente, o reexame da valoração dos elementos de prova produzidos feita pelas instâncias ordinárias, o que é vedado nesta esfera recursal extraordinária, nos termos do que preconiza a Súmula nº 126 do TST.

Agravo desprovido .

A decisão foi unânime.

Processo: Ag-AIRR-20217-82.2020.5.04.0404

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar