A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que determinou o pagamento de indenização por danos morais e materiais a uma mulher que teve o Programa Bolsa Família suspenso, após seu CPF ter sido usado para abrir uma Microempresa Individual (MEI), por uma terceira pessoa.
A decisão foi em ação proposta pela mulher, mas a União recorreu da decisão, alegando que não houve no caso dano moral ou material e que todo o procedimento é realizado de forma virtual pelo Portal do Empreendedor. Para fazer o cadastro, basta ter o número do CPF, data de nascimento, número do título de eleitor ou número do recibo de entrega de uma das duas últimas declarações do Imposto de Renda Pessoa Física.
O relator, juiz federal Roberto Carlos de Oliveira, observou que a mulher mora na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia, e a empresa foi aberta na cidade de São José do Rio Preto (SP). Apesar de todo cadastro ser feito de forma on-line, a documentação exigida não é verificada posteriormente.
“Não obstante ser inequivocamente necessária a adoção de instrumentos que facilitem os procedimentos que visam incentivar o setor produtivo, notadamente mediante a utilização de ferramentas informatizadas, por outro lado, não se pode descurar da adoção de medidas que garantam a sua segurança, objetivando proteger as pessoas de possíveis fraudes que possam ser perpetradas e até mesmo para dar maior confiabilidade ao sistema disponibilizado”, considerou.
O magistrado destacou em seu voto que a jurisprudência é no sentido de que transtornos do dia a dia e meros dissabores são insuficientes para ensejar indenização por danos morais, sendo necessário que o ato acarrete abalo psicológico ou afronta a dignidade da pessoa humana.
No entanto, neste caso, logo após a mulher realizar o seu recadastramento no Programa Bolsa Família, teria sido informada pela assistente social que seu benefício seria suspenso, pois havia uma microempresa no estado de São Paulo em seu nome e seu CPF.
Para o relator, a sentença recorrida concluiu bem que “o dano moral, especificamente quanto ao presente caso, consiste na presumida aflição psíquica que um homem normal pode vir a sentir quando, após ser vítima de fraude, ter benefícios assistenciais negados, notadamente em face de sua atual condição socioeconômica (desempregada). Mostra-se perfeitamente factível a existência de aflição moral da autora com as consequências advindas da fraude por si sofrida”.
Por fim, ressaltou que a União é responsável porque a falsificação na formalização de microempresa no Portal do Empreendedor ocorre por conta de um serviço facilmente suscetível à fraude.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. REGISTRO MEI (MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL) POR TERCEIRO. FALHA NO SERVIÇO PRESTADO PELA UNIÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. SUSPENSÃO DO BOLSA FAMÍLIA. LUCROS CESSANTES DEVIDOS. SENTENÇA CONFIRMADA.
1. A declaração de pobreza, que tenha por fim obter os benefícios da gratuidade da justiça, tem presunção relativa de veracidade. Entretanto, não se vislumbrando a existência de circunstâncias que coloquem em dúvida a condição de hipossuficiente da autora, notadamente pelo o fato ser ela beneficiária do Programa Bolsa Família, enseja o indeferimento da impugnação apresentada.
2. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos” (ARE 1207942 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 30/08/2019, Processo Eletrônico DJe-193 Divulg 04-09-2019 Public 05-09-2019).
3. No caso, o nome e CPF da parte autora foram utilizados por terceira pessoa para a criação de microempresa no “Portal do Empreendedor”, sendo que o CNPJ somente foi cancelado pela Secretaria da Receita Federal após o ajuizamento da ação, ocasionando, em momento anterior, o cancelamento/suspensão do benefício social do Bolsa Família.
4. “Verifico uma conduta omissiva da União Federal ao permitir que o CNPJ seja gerado eletronicamente sem exigência de certificação digital ou conferência mínima de qualquer documento, ainda que enviado por via eletrônica, em formato digitalizado” (AC 0003345-26.2012.4.01.3803, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, TRF1 – Sexta Turma, e-DJF1 10/02/2017).
5. A responsabilidade da União, nos casos de fraude na formalização de microempresa no “Portal do Empreendedor” decorre do oferecimento de serviço facilmente suscetível à fraude, razão pela qual é evidenciada a responsabilidade objetiva da União e, assim, cabível o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
6. Comprovado que o cadastro fraudulento efetuado no “Portal do Empreendedor” trouxe como consequência a suspensão do Bolsa Família percebido pela autora, devida a condenação da União ao pagamento de lucros cessantes, referente ao valor que a autora deixou de receber a título de benefício.
7. Apelação a que se nega provimento.
8. Majorados os honorários advocatícios fixados na sentença de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação (R$ 5.117,00 – cinco mil, cento e dezessete reais), nos termos do disposto no art. 85, § 11 do CPC.
A 5ª Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto do relator.
Processo 10043690720194014101