Mantida sentença proferida por juíza que não conduziu audiência de instrução

Não houve comprovação de prejuízos às partes

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho negou o pedido de uma empregada doméstica de Ferraz Vasconcelos (SP) para anular sentença trabalhista proferida por uma juíza que não havia presidido a audiência de instrução. De acordo com o colegiado, a nulidade só se aplicaria se ficasse comprovado prejuízo às partes ou ofensa às garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório.

Dois magistrados

Na reclamação trabalhista, a empregada doméstica buscava o reconhecimento de vínculo de emprego com o Condomínio Edifício Viena e o pagamento das verbas salariais correspondentes. A juíza titular da 1ª Vara do Trabalho de Ferraz Vasconcelos conduziu a primeira audiência, mas a segunda, de prosseguimento da instrução processual, foi presidida por outro juiz. Na sequência, ele devolveu o processo para a titular proferir a sentença.

Identidade física

Quando a sentença se tornou definitiva, a trabalhadora ingressou com ação rescisória para anulá-la. A alegação foi de desrespeito ao princípio da identidade física do juiz, que vincula a prolação de sentença ao magistrado que preside a instrução.

Segundo ela, a juíza titular não estava vinculada ao caso, pois havia apenas recebido a defesa na audiência inaugural e designado a audiência de instrução, esta sim essencial para a formação do convencimento do julgador, quando as provas são produzidas e ocorrem os depoimentos das testemunhas.

Juíza vinculada ao caso

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) julgou improcedente a ação rescisória, por avaliar que a juíza titular estava, de fato, vinculada ao processo, tendo em vista que se tratava de prorrogação da audiência para a produção de outras provas.

Regra de processo penal

O relator do recurso na SDI-2, ministro Alberto Balazeiro, explicou que o princípio da identidade física do juiz é regra que se aplica ao processo penal (artigo 399, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal). Sua aplicação ao processo do trabalho era vedada pela Súmula 136, cancelada em 2012, e, desde então, O TST firmou a jurisprudência de que não se anula uma decisão pelo descumprimento dessa regra se não ficar comprovado prejuízo às partes ou ofensa às garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório.

Ainda de acordo com o ministro, o novo Código de Processo Civil afastou, de vez, a possibilidade de anulação de uma sentença trabalhista apenas pelo fato de o magistrado que proferiu a decisão ser diverso do que presidiu a instrução processual.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 966, II E V, DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO MANIFESTA DO ART. 39, II, DA CONSOLIDAÇÃO DOS PROVIMENTOS DA CORREGEDORIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO EXPLÍCITO NA DECISÃO RESCINDENDA. SÚMULA Nº 298, I, DO TST. ALEGAÇÃO DE MANIFESTA INCOMPETÊNCIA. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. SENTENÇA RESCINDENDA PROFERIDA POR MAGISTRADA DIVERSA DA AUTORIDADE QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF . JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TST. CORTE RESCISÓRIO INVIÁVEL.

1. Trata-se de ação rescisória, calcada no art. 966, II e V, do CPC (juízo incompetente e violação manifesta de norma jurídica), em que se pretende a desconstituição de sentença, ao fundamento de que foi prolatada em desrespeito ao princípio da identidade física do juiz e em ofensa ao art. 39, II, da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

2. No pertinente ao corte rescisório com fundamento em manifesta violação de norma jurídica, afigura-se imprescindível que o julgado rescindendo haja se pronunciado explicitamente acerca da matéria (incompetência), a fim de autorizar a rescisão do julgado, o que não ocorreu na espécie . Logo, a pretensão rescisória, calcada no art. 966, II, do CPC encontra óbice na diretriz da Súmula nº 298, I, do TST .

3. Quanto à pretensão desconstitutiva fundada no inciso II do art. 966 do CPC, que dispensa manifestação expressa na decisão rescindenda acerca da matéria (Orientação Jurisprudencial nº 124 da SDI-2), a incompetência absoluta da autoridade judicante deve revelar-se de modo inequívoco, o que tampouco sucede no presente caso.

4. O princípio da identidade física do juiz, que atrela a prolação de sentença ao magistrado que preside a instrução, consiste em regra de competência funcional afeta ao processo penal , inscrito no § 2º do art. 399 do CPP. Na seara do processo civil, estava expressamente previsto no art. 132 do Código de Processo Civil de 1973 (” O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor “). Contudo, ainda sob a égide do diploma processual anterior, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a identidade física do juiz não configura regra absoluta, que pode ser afastada quando não detectado prejuízo aos litigantes – postulado pas de nullité sans grief . Julgado do STJ.

5. Ao mesmo tempo, a aplicação supletiva do princípio da identidade física do juiz era vedada no processo do trabalho, conforme a Súmula nº 136 desta Corte Superior, editada nos idos de 1982. Contudo, o referido verbete foi cancelado em 2012, em meio à múltipla revisão jurisprudencial ocorrida no âmbito do TST, de modo que remanesceu questionável a aplicabilidade da regra. Nada obstante, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, que não contém dispositivo equivalente ao art. 132 do diploma anterior , a imperiosidade da regra da identidade física do juiz passou a ser ainda mais discutível mesmo na seara processual comum, conforme se extrai da jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça.

6. Logo, se sob a égide do CPC de 1973 já se revelaria duvidosa a viabilidade de corte rescisório de sentença trabalhista fundado em inequívoca incompetência absoluta da autoridade judicante, por inobservância da regra da identidade física do juiz, o advento da nova legislação processual civil sepultou qualquer possibilidade de desconstituição da coisa julgada, puramente em razão de o magistrado sentenciante diferir do que presidiu a instrução processual, notadamente quando não comprovado prejuízo às partes ou ofensa às garantias constitucionais de ampla defesa e contraditório. Precedentes da SDI-2 e de Turmas.

7. Impõe-se, assim, confirmar o acórdão recorrido, quanto à improcedência da pretensão desconstitutiva.

Recurso ordinário a que se nega provimento.

A decisão foi unânime.

Processo: ROT-1002465-22.2019.5.02.0000

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