Mantida pena de mulher que falsificou receitas médicas para enviar medicamentos de emagrecer para uma amiga no exterior

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a condenação de uma mulher por falsificar receitas médicas, mandar manipular o medicamento para emagrecer e enviar a uma amiga no exterior.

O colegiado negou provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) para reverter a sentença, que absolveu a acusada do crime de exportação de drogas, previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, e para aplicação da pena de reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de R$ 500 a R$ 1.500 dias-multa, conforme a lei.

Já a acusada entrou com apelação para cancelar a pena imposta pela falsificação de documento de um ano de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, por não ter condições financeiras.

Ao julgar o caso, o relator, desembargador federal Néviton Guedes, afirmou que, segundo os autos, a acusada conheceu a mulher em uma rede social e ela lhe pediu que enviasse aos Estados Unidos os remédios para emagrecer, sujeitos a controle especial. No entanto, a ré não sabia que o envio das drogas seria crime. Ela alegou que não recebeu nada em troca por isso.

O relator afirmou que a acusada preencheu a receita médica obtida de um atendente de farmácia por R$ 10 reais, carimbada e com a assinatura do médico. Depois disso, encomendou os remédios em uma farmácia de manipulação, comprou e colocou a encomenda nos Correios, com o dinheiro enviado pela mulher.

“A ré, em sede policial e de interrogatório judicial, confessou ter falsificado as receitas médicas para a compra dos medicamentos para emagrecer. Contudo, afirmou não ter ciência de que o envio das medicações apreendidas seria proibido pela legislação, posto que, à época, o uso de tais medicações era autorizado pela Anvisa”, observou.

O magistrado considerou que ela “realmente não tinha ciência de que o envio dos medicamentos consistiria em ato ilícito”, porque preencheu a postagem com seus dados pessoais corretos e com todas as determinações dos Correios.

Diante disso, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação do MPF e acolheu parcialmente a apelação da acusada, para fixar a pena de prestação pecuniária de dois salários mínimos e a concessão de assistência judiciária gratuita.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299 DO CÓDIGO PENAL). FALSIFICAÇÃO DE RECEITA MÉDICA. REMÉDIO SUJEITO A CONTROLE ESPECIAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ART. 33 DA LEI 11.343/2006. DOLO. AUSÊNCIA COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA ADEQUADA. VALOR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REAJUSTADO. CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA. APELAÇAO DO MPF DESPROVIDA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.

  1. Apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por Andreia Martins Soares contra a sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para absolver a acusada da imputação da prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, com fulcro no art. 20 do CP, e condená-la pela prática do delito tipificado no art. 299 do CP, à pena de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.
  2. Segundo a denúncia, em 25/10/2011, a ré, agindo de forma livre e consciente, sabedora da ilicitude de sua conduta, remeteu aos Estados Unidos da América, através da agência dos Correios em Governador Valadares/MG, a encomenda n.º EB 062513376 BR, destinada a Simone Avelino de Oliveira, contendo medicamentos sujeitos a controle especial. Para tanto, a ré teria falsificado receitas médicas contendo o nome do médico Danilo José Vieira da Silva e mandado manipular as substâncias na Farmácia Indiana (Irmãos Mattar & Cia. Ltda.). Em seguida encaminhou as drogas, juntamente com as respectivas receitas médicas, a Simone Avelino de Oliveira.
  3. Crime do art. 299 do CP. A materialidade e autoria ficaram comprovadas por meio do Auto de Apreensão; dos documentos de remessa postal; de três cópias de notificações de receitas médicas modelo B2 e duas cópias de receituários médicos; do cupom fiscal emitido pela empresa Irmãos Mattar & Cia Ltda.; do OF/HM/DC/0309/2013; do OF/HM/DC/0163/2014 e documentos que o acompanham; assim como pelo depoimento testemunhal e pela confissão da acusada perante a autoridade policial, depois confirmada em juízo.
  4. A ré afirmou que foi ela própria quem providenciou a receita médica e encomendou a manipulação do medicamente para ser enviado para Simone nos EUA, e que fez tudo isso a pedido de Simone, a qual conheceu pelas redes sociais. Disse, também, que Simone nada pagou para a declarante providenciar a receita, tendo enviado o dinheiro somente da compra dos medicamentos e do envio pelos Correios. Esclareceu, ainda, que adquiriu o receituário médico de um atendente de farmácia, pelo custo de R$ 10,00 ou R$ 12,00, o qual já se encontrava carimbado e com a assinatura do médico, tendo ela própria preenchido as receitas médicas em questão.
  5. Corrobora a autoria delitiva o depoimento prestado pela testemunha, médico especialista em cirurgia geral, que declarou nunca ter trabalhado na cidade de Governador Valadares/MG, não tendo receitado medicamentos em qualquer instituição de saúde daquela localidade; que a letra constante dos fax apreendidos junto aos medicamentos não é proveniente de seu punho escritor e que a rubrica colocada acima do carimbo contendo seu nome e CRM não é sua, aduzindo que não receita os medicamentos arrolados nos receituários médicos apreendidos, tendo em vista que são fórmulas destinadas a emagrecimento e receitados somente por endocrinologistas.
  6. Verifica-se que a acusada tinha ciência de que o receituário médico utilizado para remeter os medicamentos apreendidos para o exterior seria falso, posto ela própria ter procedido ao seu preenchimento, sendo que não estaria capacitada a receitar medicamentos, motivo pelo qual copiou a prescrição de uma receita antiga, expedida por um dos seus médicos.
  7. Crime do art. 33 da Lei 11.343/2006. Em suas razões de apelo, o MPF alega que a sentença não considerou as provas produzidas no curso do processo, que indicam que a ré tinha conhecimento da natureza ilícita da sua conduta e, ainda assim, agiu de forma determinante para consumá-la, razão por que deve ser reformada para condenar a acusada por incursão no crime do art. 33, c/c art. 40, I, ambos da Lei 11.343/2006.
  8. A materialidade do crime se constata por meio do Auto de Apreensão; dos documentos de remessa postal; e do laudo pericial, atestando que as análises realizadas nas substâncias enviadas estão sujeitas a controle especial.
  9. A ré, em sede policial e de interrogatório judicial, confessou ter falsificado as receitas médicas para a compra dos medicamentos para emagrecer. Contudo, afirmou não ter ciência de que o envio das medicações apreendidas seria proibido pela legislação, posto que, à época, o uso de tais medicações era autorizado pela ANVISA.
  10. Pelo que consta dos autos, a ré não tinha ciência de que o envio dos medicamentos consistiria em ato ilícito, tanto que informou aos Correios que estava enviando os remédios, junto com as respectivas receitas médicas, conforme havia sido instruída anteriormente pela instituição. Tal fato, corroborado pelo preenchimento da postagem com seus dados pessoais corretos, enseja, no mínimo, dúvida quanto à existência do conhecimento da ilicitude do ato praticado.
  11. O próprio MPF, em parecer, manifestou-se pela manutenção da absolvição da prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, por não vislumbrar a presença de provas suficientes para demonstrar o dolo na conduta da apelada.
  12. Certo é que, embora seja incontroverso o dolo quanto ao tipo penal previsto no art. 299 do CP, após uma análise acurada do acervo probatório que instrui os autos, não se faz razoável a extensão do elemento subjetivo à outra conduta da acusada, devendo ser mantida a absolvição da acusada quanto à prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006.
  13. Dosimetria. Ao calcular a dosimetria da pena, o magistrado fixou a pena-base no mínimo legal previsto para o tipo – 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, ante a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Sem circunstâncias agravantes, a pena intermediária manteve-se em 01 (um) ano de reclusão, em razão da impossibilidade de aplicação da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, II e III, “d”), por estar a pena fixada no mínimo legal.
  14. Na terceira fase, não havendo causas de diminuição ou de aumento, a pena ficou definitivamente fixada em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. O regime inicial de cumprimento da pena é o aberto.
  15. Mantém-se a substituição da pena privativa de liberdade por 01 (uma) restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária. Contudo, arbitro a pena em 02 (dois) salários mínimos, a ser revertida em benefício de entidade de assistência social cadastrada perante o juízo de origem (CP, art. 45, §1º), na forma da Resolução n.º 295/2014.
  16. Consoante o art. 99, §3º, do CPC, para se obter o benefício da assistência judiciária gratuita, basta a simples afirmação da parte de que não poderá arcar com as custas do processo e os honorários de advogado.
  17. Apelação da acusação desprovida.
  18. Apelação da defesa parcialmente provida, tão somente para fixar a pena de prestação pecuniária em 02 (dois) salários mínimos e conceder à acusada os benefícios da assistência judiciária gratuita.

Processo 0000911-92.2016.4.01.3813

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