A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença do Juízo da 4ª Vara Federal de Minas Gerais que condenou dois homens pelo crime de obtenção de financiamento em instituição financeira mediante fraude e aplicação dos recursos obtidos de forma diversa da contratada.
Consta dos autos que os réus compareceram à agência da Caixa Econômica Federal (CEF), no município de Governador Valadares/MG, e, apresentando documentação falsa em nome de um terceiro homem, referente aos salários dele, supostamente emitida pela Câmara Municipal de São José da Safira/MG, obtiveram financiamento bancário, com valores oriundos do programa Construcard, no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais).
Posteriormente, de posse do cartão Construcard, compareceram a um estabelecimento comercial, onde, em conluio com o proprietário, simularam a realização de compra de material de construção, com a aplicação indevida dos recursos do financiamento.
A analisar a apelação dos réus, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, afirmou que o caso não enquadra como estelionato, mas como crime contra o sistema financeiro. De acordo com a magistrada, “há de se considerar que as condutas delitivas em apreço se amoldam aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional descritos na Lei 7.492/1986, em função do critério da especialidade, uma vez que evidenciada a existência de fraude contra a própria credibilidade do mercado financeiro, além dos interesses patrimoniais das instituições”.
Para a magistrada, ficou também caracterizado o desvio de finalidade dos recursos previstos no artigo 20 da Lei 7.492/1986, visto que a legislação que regulamenta o crédito prevê que os recursos devem ser aplicados nas finalidades convencionadas entre as partes, o que não ocorreu, no caso.
A relatora sustentou que na hipótese, o bem jurídico protegido pela Lei 7.492/1986 não é apenas o valor do empréstimo utilizado, mas o “desenvolvimento econômico e social do país, e não se identifica, portanto, como indiferente penal, uma vez que o Estado é o sujeito passivo principal do delito, e sofre consequências graves, que vão além da simples quantia do financiamento e de eventuais prejuízos.
Diante disso, concluiu a desembargadora federal, “a proteção penal do Sistema Financeiro se justifica para garantir a confiança na atuação das instituições financeiras do país, de forma que o valor monetário da operação não se constitui determinante para a tipicidade material”.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTS. 19 E 20 DA LEI 7.492/1986. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO NA CEF PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO (CONSTRUCARD) MEDIANTE FRAUDE. USO DE DOCUMENTO FALSO. FINALIDADE ESPECÍFICA . DESVIO DE FINALIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.
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Os fatos ocorreram em 21 e 28 de dezembro de 2009 (fl. 01-C). A denúncia foi recebida em 10/9/2013 (fls. 161-162). A sentença tornou-se pública em 14/7/2017 (fl. 446). A prescrição, portanto, somente ocorrerá no dia 13/7/2021. Não transcorrido o prazo prescricional de quatro anos entre os marcos interruptivos.
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Os tipos penais descritos na Lei 7.492/1986 constituem forma especial de estelionato, que, no caso, deve prevalecer por força da aplicação do princípio da especialidade. Não se pode, assim, acolher o pedido da Defesa de que a conduta seja enquadrada no artigo 171 do Código Penal. Precedentes do STJ e desta Corte.
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Afastada a tese de suficiência do Direito Civil para sancionar a conduta. O bem jurídico protegido pela Lei 7.492/1986 não é apenas o valor do empréstimo utilizado, mas o desenvolvimento econômico e social do país, e não se identifica, portanto, como indiferente penal, uma vez que o Estado é o sujeito passivo principal do delito e sofre consequências graves, que vão além da simples quantia do financiamento e de eventuais prejuízos.
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Materialidade e autoria devidamente demonstradas na sentença condenatória, que afastou as teses levantadas pelas defesas dos réus, as quais são as mesmas do presente recurso.
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Dosimetria mantida, por atender os comandos dos arts. 59 e 68, ambos do Código Penal.
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Apelações dos réus não providas.
A decisão foi unânime.
Processo 0051645-91.2013.4.01.3800