O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou a condenação de um administrador de empresa de 68 anos, residente em Porto Alegre, pelo crime de sonegação fiscal. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), o réu, na condição de administrador do Frigorífico Mastersul, sonegou mais de R$ 5,9 milhões em tributos e contribuições sociais previdenciárias entre 2009 e 2012. Ele deve cumprir pena de cinco anos e oito dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagar 216 dias-multa, com o valor unitário do dia-multa em um quinto do salário mínimo. A decisão foi proferida por unanimidade pela 7ª Turma na última semana (12/7).
A ação foi movida pelo MPF em setembro de 2015. O órgão ministerial apontou que o réu, com auxílio de uma sócia, “fraudou a fiscalização tributária omitindo operações em documento ou livro exigido pela lei fiscal e omitindo informações acerca das receitas ou lucros auferidos pela Pessoa Jurídica nas suas atividades”.
De acordo com informações da Receita Federal, foram sonegados R$ 4.000.489,26 em tributos como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, PIS e COFINS. Além disso, não foram recolhidas contribuições previdenciárias no montante de R$ 1.920.930,79.
Em agosto de 2021, o juízo da 22ª Vara Federal de Porto Alegre condenou o réu em primeira instância.
O administrador recorreu ao TRF4. No recurso, ele sustentou que não praticou os delitos, pois seria “gerente apenas da parte operacional da empresa, não possuindo qualquer ingerência na área financeira”.
A 7ª Turma da corte manteve a condenação. Em seu voto, o relator, desembargador Luiz Carlos Canalli, explicou que “nos delitos contra a ordem tributária, autor é todo aquele que tem o domínio dos fatos tributários, especialmente no que concerne à fraude articulada para a elisão tributária. Nos delitos tributários cometidos em âmbito societário, são aqueles que efetivamente detêm o domínio dos fatos tributários empresariais (sócios-gerentes, administradores ou contadores)”.
O magistrado ressaltou que “embora o réu não conste formalmente no contrato social da empresa, a prova testemunhal colhida nas fases pré-processual e judicial o apontam como administrador de fato do Frigorífico Mastersul”.
Canalli ainda destacou que um relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “atribuiu ao réu a condição de proprietário da empresa, corroborando a versão de que ele respondia pelo frigorífico perante o órgão federal. Além disso, por meio de uma procuração, foram conferidos ao réu amplos, gerais e ilimitados poderes para tratar de todos os negócios e assuntos de interesse da empresa”.
“Assim, concatenando as provas testemunhais e documentais, resta demonstrado que o acusado era o administrador de fato do Frigorífico Mastersul, detendo o domínio dos fatos delituosos”, o desembargador concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A, III, DO CP. CONTRIBUIÇÃO SENAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQUENCIAS. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. MULTA. CONCURSO FORMAL.
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A consumação de crime material contra a ordem tributária, como os tipificados no artigo 337-A do Código Penal e no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, ocorre no momento da constituição definitiva do crédito tributário (Súmula Vinculante nº 24).
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Inexistindo obrigação legal da empresa adquirente da produção rural de fazer a retenção e o recolhimento da contribuição ao SENAR, deve o réu ser absolvido em relação a esses fatos, na forma do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
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A sonegação de contribuições sociais destinadas a terceiros configura crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, não podendo se amoldar ao tipo do artigo 337-A do Código Penal. Precedentes deste Regional.
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Nos delitos previstos no artigo 1º da Lei nº 8.137/1990 e no artigo 337-A do Código Penal, o dolo é genérico. Sendo prescindível um especial fim de agir, o elemento subjetivo decorre da intenção de suprimir o pagamento de tributos, o que restou, à evidência da materialidade e da autoria delitivas, demonstrado na espécie.
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Comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, e ausentes causas excludentes da ilicitude ou da antijuridicidade, impõe-se a manutenção da condenação em relação ao crime do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e a reforma da sentença para condenar o acusado pela prática do delito do artigo 337-A, inciso III, do Código Penal.
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Na esteira da jurisprudência deste Tribunal Regional, são negativas as consequências do crime, no tocante a delitos contra a ordem tributária, sempre que os valores iludidos e suprimidos forem elevados, adotando-se como parâmetro o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
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Sendo o montante sonegado (sem os acréscimos legais) superior a R$ 1.000.000,00, incide a causa especial de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei dos Crimes contra a ordem tributária.
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A pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, levando-se em consideração as variantes das três etapas da dosimetria, atentando-se à situação econômica na fixação do valor de cada dia-multa. No caso concreto, reduzido o valor unitário do dia-multa.
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Em se tratando de crimes de espécies distintas, a aplicação do aumento decorrente do concurso formal e do crime continuado simultaneamente não configura bis in idem. Precedentes.