Mantida condenação de acusado de desvio de verbas públicas por meio de nomeação fraudulenta

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença da 4ª Vara Federal do Amapá que condenou um ex-deputado federal e sua assessora pelo delito previsto no art. 312 do Código Penal – desvio de verba pública – considerando que ficou comprovado o envolvimento dos dois na destinação indevida do salário relativo ao cargo de secretária do gabinete. O peculato consistiu na nomeação fraudulenta da empregada doméstica do réu como secretária para que fosse desviada a remuneração que lhe seria devida pelo cargo.

Consta dos autos que a empregada doméstica foi nomeada como secretária e foi levada a assinar documentos para abertura de conta-corrente e procuração para outra servidora do gabinete tomar posse em seu nome; a conta foi aberta para que ela recebesse o salário em razão dos serviços domésticos que prestaria ao deputado, mas o valor relativo aos serviços que prestava na casa do deputado lhe era pago em espécie. Também os cartões que receberia em razão da abertura da conta não ficaram na posse dela. O dinheiro depositado para o salário era sacado pela assessora e repassado ao acusado.

Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Bruno Hermes Leal, destacou que “não restava dúvidas de que o deputado e a assessora envolvida aproveitaram-se para se utilizar da nomeação da ‘servidora fantasma’ para desviar os salários devidos ao cargo. “A tese de que o objeto do desvio seria o ‘trabalho’ diverge do quanto apontado pela denúncia, que especificou, à luz da tipicidade objetiva do art. 312 do Código Penal, que o objeto material do desvio foram os valores tredestinados de seu natural destino público”, afirmou o juiz.

O magisstrado ainda sustentou que “no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, já se decidiu que o crime de peculato, na modalidade desvio, consuma-se quando a bem público móvel é dado destinação ou emprego diverso daquele para o qual ele foi entregue ao agente, independentemente da concreta obtenção do proveito próprio ou alheio, sendo, inclusive, dispensável a indicação dos beneficiários da vantagem ou dos destinatários do dinheiro desviado”, explicou.

O juiz federal convocado concluiu que o “caso dos autos, bem se viu, conta com elementos probatórios mais do que suficientes no sentido de que a contratação de pessoa com baixíssimo nível de instrução foi puramente instrumental ao desvio de verbas públicas, sem qualquer nexo funcional, o mínimo que seja, com as funções parlamentares, de sorte que não se está diante da premissa encampada pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, aquela do desempenho concomitante de funções públicas e privadas mediante remuneração do Parlamento”. Em depoimento, a empregada havia confirmado que jamais exerceu qualquer atividade no escritório do deputado, e que apenas teria cuidado dos serviços domésticos na residência dele.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PECULATO-DESVIO. ART. 312, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. (1) LIMITES ESTABELECIDOS PELOS PRINCÍPIOS DA VOLUNTARIEDADE, DIALETICIDADE E DEVOLUTIVIDADE DA APELAÇÃO CRIMINAL. (2) RECURSO DOS CORRÉUS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESVIO DE VALORES, NÃO DE SERVIÇOS. DISTINGUISHING COM OS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. EXCEPCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DE FATOS CONCRETOS E CONTEMPORÂNEOS DEMONSTRATIVOS DA CAUTELARIDADE. DEFERIMENTO. (3) RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ABSOLVIÇÃO PROFERIDA PELO JUÍZO RESPONSÁVEL PELA COLHEITA DAS PROVAS. PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO NO PROCESSO PENAL. PRECEDENTES. (4) ALEGAÇÕES COMUNS AOS RECORRENTES. REVISÃO DA DOSIMETRIA. PRINCÍPIO DA DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO. VEDAÇÃO DO BIS IN IDEM. MAJORAÇÃO DAS PENAS IMPOSTAS POR FUNDAMENTOS DIVERSOS. MANUTENÇÃO DA VEDAÇÃO À CONVERSÃO EM PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E DO REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO. 1. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. Precedentes. 2. Recursos interpostos pelos corréus. 2.1 Amplamente demonstrados pela instrução probatória a materialidade e autoria dos desvios de verbas públicas de que detinham os acusados a posse Benedito Dias de Carvalho e Renilda Barros Costa. Contradita intempestiva ao depoimento de testemunha fulcral ao deslinde do feito, a qual, entretanto, não se mostrou prova isolada, mas foi considerada pelo Juízo a quo em face de outros elementos colhidos à luz do contraditório. 2.2 O uso de secretário parlamentar que, de fato, exercia as atribuições inerentes a seu cargo para prestar outros serviços de natureza privada constitui conduta penalmente atípica. Precedentes. 2.3 O caso dos autos está a desafiar a realização de distiguishing com os acórdãos referidos pela defesa, já que a contratação de pessoa com baixíssimo nível de instrução foi puramente instrumental ao desvio de verbas públicas, sem qualquer nexo funcional, o mínimo que seja, com as funções parlamentares, de sorte que não se está diante da premissa segundo a qual existe o desempenho concomitante de funções públicas e privadas mediante remuneração pública. 2.4 A teor do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta. Omissão da sentença recorrida que somente reforça a inexistência de qualquer elemento que robusteça convicção a propósito do receio de perigo, nem mesmo a existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a drástica segregação cautelar dos corréus (art. 312, § 2º, CPP), sendo imperativo o deferimento do direito de recorrer em liberdade. 3. Recurso interposto pelo Ministério Público Federal. 3.1. Pretensão condenatória reiterada em detrimento de Maria Escolástica Verônimo, absolvida pela sentença recorrida. Antiga a enunciação do [p]rincípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes (STF, RHC 50376/AL, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 17/10/1972). Mais recentemente, na sempre abalizada dicção do eminente Desembargador Federal OLINDO MENEZES, em matéria de avaliação fática e probatória [N]ão deve o Tribunal, em princípio, à distância do cenário do caso, sobrepor-se ao juiz nessa avaliação. (RSE 0000386-64.2020.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 – QUARTA TURMA, e-DJF1 15/01/2021). 3.2 O princípio da imediação processual penal recomenda que, assentando o Juízo sentenciante, perante o qual se desenvolveu a instrução probatória, que inexiste suporte empírico probante suficiente à condenação, essa conclusão deve ser privilegiada, em linha de princípio, em sede recursal. 4. Alegações recursais comuns às partes 4.1 A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. A ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não é uma operação aritmética em que se dá pesos absolutos a cada uma delas, a serem extraídas de cálculo matemático, levando-se em conta as penas máxima e mínima cominadas ao delito cometido pelo agente, mas sim um exercício de discricionariedade vinculada que impõe ao magistrado apontar os fundamentos da consideração negativa, positiva ou neutra das oito circunstâncias judiciais e, dentro disso, eleger a reprimenda que melhor servirá para a prevenção e repressão do fato-crime. Precedentes. 4.2 A condição de Deputado Federal à época do crime, alto depositário da confiança popular, desborda da normalidade do tipo e autoriza a exasperação da pena sob a ótica da culpabilidade. Precedentes. O mesmo raciocínio não se aplica, entretanto, aos assessores parlamentares, cuja atuação se encontra suficientemente abarcada pela tipicidade basal do art. 312 do Código Penal. 4.3 Afirmações retóricas no sentido de que os corréus exibem personalidade voltada ao crime, ou quejandos, afiguram-se insuficientes à exasperação da pena base a esse título, quando desprovidas de plataforma probatória mínima que lhe dêem suporte. 4.4 O aproveitamento das flexíveis condições de trabalho dos assessores parlamentares para a contratação de servidor fantasma desborda da tipicidade basal pressuposta pelo art. 312 do Código Penal e autoriza a exasperação da pena, a título de circunstância delitivas, em relação a ambos os corréus indistintamente. 4.5 A condição de Deputado Federal à época dos fatos não pode ser considerada, concomitantemente, para exasperar a culpabilidade e as consequências delitivas, sob pena de bis in idem, sendo certo que se afigura desarrazoado imputar o desprestígio da classe política aos assessores parlamentares eventualmente condenados por crimes funcionais. Os valores desviados, outrossim, não atingem o patamar normalmente exigido pela jurisprudência para exasperação da pena base a esse título. 4.6 Inviável a imposição da agravante prevista no art. 61, II, g do Código Penal aos crimes funcionais próprios, sem prejuízo de que o então Deputado Federal veja sua pena intermediária exasperada à conta da utilização de relações domésticas (art. 61, II, f, CP) para convencer a \”servidora fantasma\” a participar do evento delitivo. 4.7 Embora aplicável a agravante atinente à organização do modus operandi delitivo (art. 62, I, CP), sua aplicação consorciada à hipótese de determinação delitiva (art. 62, III, CP) implicaria, no caso destes autos, manifesto bis in idem. Descabida, outrossim, a imputação da agravante mercenária ao servidor público que, independentemente da prática ou não de ilícitos, perceberia a remuneração devida pela presumida regularidade de sua atuação (art. 62, IV, CP). 4.8 A exasperação da pena será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações. Tratando-se de quatro desvios comprovados, andou bem a sentença em arbitrar a fração em 1/4, a qual deve incidir na pena redimensionada. 4.9 Aplicação da causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal não controvertida pelas partes nos recursos interpostos, cabendo sua modificação quantitativa apenas no que tange ao redimensionamento operado na pena intermediária. 4.10 Pena de multa mantida no patamar fixado na sentença recorrida, a despeito da majoração das penas, à falta de recurso interposto pelo Ministério Público Federal em relação a esse capítulo autônomo da sentença e em obséquio à proibição da reformatio in pejus (art. 617, CPP). 4.11 Patamares sancionatórios que inadmitem a substituição por penas restritivas de direitos (art. 44, I, CP) e a suspensão condicional da pena (art. 77, CP). 4.12 Mantido o regime inicial fechado de cumprimento da pena, a despeito da pena definitiva não montar aos oito anos a que se refere o art. 33, § 2º, \”a\”, do Código Penal, em face da exasperação da pena base e da negativação das circunstâncias delitivas para ambos os corréus (art. 33, § 3º, CP). Precedentes. 4.13 Apelações do Ministério Público Federal e dos sentenciados parcialmente providas.

Processo 0002397-35.2007.4.01.3100

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