Ao denegar habeas corpus impetrado pela defesa do proprietário de uma clínica para tratamento de dependentes químicos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o trancamento da ação penal em que ele foi denunciado pelos crimes de maus-tratos, cárcere privado e tráfico de drogas.
Segundo o Ministério Público, os denunciados – o proprietário, seu irmão e uma médica –, a pedido das famílias, capturavam os viciados à força para interná-los na clínica, onde eram mantidos reclusos, dopados e maltratados pelos monitores, inclusive com agressões físicas – o que teria a concordância dos acusados.
Após o tribunal estadual negar o trancamento do processo, a defesa reiterou o pedido ao STJ, alegando não haver indícios de autoria, pois o proprietário, por ser presidente da clínica, não tinha interferência sobre as pessoas internadas. Quanto à acusação de tráfico, afirmou que os remédios controlados eram comprados licitamente, mediante ordem médica.
Presença de indícios mínimos
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do habeas corpus, observou que o trancamento de ação penal é medida excepcional, justificada apenas no caso de atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
De acordo com o magistrado, há indícios mínimos que autorizam a persecução penal, uma vez que, segundo o MP, o dirigente e seu irmão abriram uma clínica para a internação compulsória de viciados em drogas, mediante o pagamento de mensalidades de até R$ 5 mil, aproveitando-se da situação de fragilidade das famílias.
Sebastião Reis Júnior apontou que, conforme pacífica jurisprudência da corte, a propositura de ação penal exige apenas a presença de indícios mínimos de autoria, e não a certeza, a qual “somente será comprovada ou afastada após a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia, o princípio in dubio pro societate“.
Pacientes reclusos sem autorização judicial
O relator ressaltou que, segundo a acusação, a médica foi contratada pelos outros denunciados para assinar receitas de remédios controlados em branco e fichas de evolução de pacientes, dando aparência de legalidade às condutas supostamente criminosas.
Na denúncia, destacou o ministro, o MP apontou que, em cumprimento de mandado de busca e apreensão, verificou-se que os pacientes eram mantidos em cárcere privado, sem a concordância deles e sem autorização judicial para a internação, apesar de estarem afastados das drogas havia meses.
Dessa forma, afirmou Sebastião Reis Júnior, o acolhimento da tese defensiva de ausência de responsabilidade do proprietário, na condição de presidente da instituição, demandaria reexame de provas – o que é incompatível com o habeas corpus.
“Aferem-se presentes, portanto, os indícios mínimos de materialidade e autoria delitiva, de modo que a persecução penal deve ter prosseguimento”, finalizou o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SEQUESTRO. CÁRCERE PRIVADO. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO HABEAS CORPUS. HIPÓTESE QUE NÃO SE VERIFICA NOS AUTOS. TESE DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENSÃO DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. MATÉRIA QUE DEVE SER RESERVADA ÀS VIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
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O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
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O acolhimento da tese defensiva – ausência de responsabilidade do paciente, na condição da Presidente da Instituição – demandaria necessariamente amplo reexame da matéria fático-probatória, procedimento a toda evidência incompatível com a via do habeas corpus e do seu recurso ordinário. Aferem-se presentes, portanto, os indícios mínimos de materialidade e autoria delitiva, de modo que a persecução penal deve ter prosseguimento.
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Ordem denegada.