A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve parcialmente a sentença do Juízo da 3ª Vara Federal de Rondônia que condenou um homem a 1 ano, 3 meses e 22 dias de reclusão, em regime semiaberto, por ele apresentar Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsificada para a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O uso do documento falso, com o nome de outra pessoa, tinha o objetivo de evitar execução de mandado de prisão expedido contra ele. O Colegiado entendeu que o fato de a pessoa ter esse tipo de conduta para se livrar de responsabilidade penal ou ocultar maus antecedentes, como nos autos, não descaracteriza o crime de uso de documento falso.
O apelante argumentou que a conduta foi atípica porque o documento não foi exibido por iniciativa dele, já que a CNH foi pega de dentro de sua carteira pelo policial. Ele também alegou que não poderia ter agido de outra forma pois havia mandado de prisão em aberto. Por isso, pediu a absolvição ou mesmo redução da pena de reclusão.
Confissão espontânea – Houve ainda alegação¿de crime impossível, ou seja, para ele não haveria ilícito em usar documento falso com o objetivo de evitar ser preso. Porém, segundo a relatora, juíza federal convocada Olivia Mérlin Silva, a sentença deve ser mantida, uma vez que “a conduta de se atribuir falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”, conforme o Tema 478 do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Súmula 522 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).¿
Sobre o pedido de redução da pena, a magistrada observou que, embora tenha havido confissão espontânea, essa atenuante ficou compensada com a agravante da reincidência (o acusado já respondia por crime anterior),¿ou seja, a pena não deveria ser aumentada nem diminuída.
Por fim, a magistrada afirmou: “a conclusão é a de que houve aparente integral cumprimento da pena fixada nesses autos de modo a impor a imediata ordem de soltura, a ser diligenciada pelo juízo a quo, com urgência, se por outro motivo não estiver preso o recorrente”.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. CNH. CONDUTA TÍPICA. CRIME IMPOSSÍVEL NÃO CONFIGURADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA AFASTADA. TEMA 478 DO STF E SÚMULA 522 DO STJ. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA-BASE FIXADA. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÕES ANTIGAS. MAUS ANTECEDENTES. TEMA 150 DO STF. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. TEMA 585 DO STJ. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Em exame apelação criminal interposta pelo acusado contra sentença pela qual foi condenado à pena de 01 ano, 03 meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 37 dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 304 c/c art. 299, ambos do Código Penal.
2. Para fins do delito tipificado do art. 304 do Código Penal, faz-se necessário que o documento falso seja potencialmente enganoso a ponto de produzir o resultado de induzir alguém em erro.
3. O STF tem decidido que “não […] descaracterizam [o uso de documento falso] nem o fato de a exibição de cédula de identidade e de carteira de habilitação terem sido exibidas ao policial por exigência deste e não por iniciativa do agente – pois essa é a forma normal de utilização de tais documentos“(STF, HC 70179/SP;RECr 93.292-RJ;HC 70.179)(RSE 0048061-18.2014.4.01.3400, rel. Juiz Federal Conv. LEÃO APARECIDO ALVES, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 20/03/2018).
4. Não descaracteriza o crime de uso de documento falso (artigo 304 do CP) o fato de o agente praticar a conduta visando a se esquivar de responsabilidade penal ou ocultar maus antecedentes, como na hipótese dos autos em que o agente perpetrou a conduta delituosa com a finalidade de evitar a execução de mandado de prisão em aberto em seu desfavor (Tema 478 do STF e Súmula 522 do STJ)
5. O Supremo Tribunal Federal já assentou, em repercussão geral, a tese de que “[n]ao se aplica para o reconhecimento de maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I do Código Penal” (Tema 150).
6. Na segunda fase da pena deve ser afastada a preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão espontânea. (Tema 585 do STJ e Tema 929 do STF). No concurso entre circunstâncias atenuante e agravante de idêntico valor redunda em afastamento de ambas, ou seja, a pena não deverá ser aumentada ou diminuída na segunda fase da dosimetria.
7. A teor do que dispõe o art. 33, §§ 2° e 3° do Código Penal, a determinação do regime inicial de cumprimento de pena depende do exame da quantidade da pena e das circunstâncias judiciais, tendo em conta, ainda, a reincidência, sendo que, conforme enunciado da súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça, é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. Não é possível, contudo, a imposição de regime mais severo do que permitido pela pena aplicada com base na gravidade em abstrato do crime (súmula 718 do STF e 440 do STJ). A imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permite exige motivação idônea (Súmula 719 do STF). No caso, embora o acusado tenha sido condenado a pena privativa de liberdade não superior a 4 anos, a reincidência e a existência de circunstância judicial negativa, inviabilizam o estabelecimento do regime inicial aberto. O apelante não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por se tratar de réu reincidente (art. 44, II, CP).
8. Recurso de apelação parcialmente provido, com a redução da pena aplicada para 01 ano, 01 mês e 15 dias de reclusão e 19 dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A decisão da Turma foi unânime, nos termos do voto da relatora.
Processo: 1000023-16.2019.4.01.4100