Por unanimidade de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou os efeitos da responsabilidade extracontratual na incidência dos juros moratórios em indenização por dano material e moral devida ao viúvo e ao filho de uma transeunte atropelada em via férrea.
O caso aconteceu em São Paulo, onde o Tribunal de Justiça reconheceu a culpa concorrente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e condenou-a ao pagamento de pensão mensal, incluída parcela de 13º, além de indenização por dano moral no valor de R$ 40 mil para cada um dos autores da ação (marido e filho), arbitrando os juros a partir do evento danoso.
Contra a decisão, a CBTU interpôs recurso especial sob a alegação de descabimento do acréscimo anual de uma mensalidade a título de 13º salário; excesso na fixação da indenização por danos morais; natureza contratual da responsabilidade civil no caso concreto e incidência de juros de mora desde o arbitramento ou, subsidiariamente, desde a citação.
Natureza extracontratual
Em relação à natureza da responsabilidade civil, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, entendeu que o dano causado foi extracontratual, uma vez que se originou da violação de deveres jurídicos de caráter geral e não de vínculo jurídico previamente estabelecido entre as partes.
“No caso dos acidentes ferroviários, há o dever geral de zelar pela incolumidade de quem circula pelas estações de trem e pela via férrea, o que dá origem à responsabilidade extracontratual. Também existe o dever específico de proteção da incolumidade dos que contrataram o transporte ferroviário na condição de passageiros, o que faz surgir a responsabilidade contratual”, diferenciou o ministro.
Como, no caso apreciado, a vítima foi atropelada pelo trem quando trafegava pela via férrea na condição de transeunte, não de passageira, o ministro afastou o caráter contratual do dano causado.
Com esse entendimento, aplicou o enunciado da Súmula 54 do STJ, que estabelece que “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Questão polêmica
O ministro reconheceu ainda haver controvérsia nos tribunais de segundo grau em relação aos juros de mora na indenização por dano moral. Segundo ele, inúmeros julgados fixam a data do seu arbitramento como termo inicial.
Segundo ele, entretanto, esse marco inicial não tem relação com a natureza do dano sofrido pela vítima, moral ou material, mas com a natureza do ilícito, absoluto ou relativo.
Sanseverino explicou que nos atos ilícitos relativos, a mora deriva, em regra, de um inadimplemento negocial, por isso o termo inicial é a data da interpelação do devedor (mora ex persona) ou o advento do termo (mora ex re). Já nos atos ilícitos absolutos, caso dos autos, a mora deriva automaticamente da própria ocorrência do evento danoso.
13º
Quanto à inclusão do 13º no pensionamento mensal, o relator deu razão à irresignação da CBTU. Segundo ele, “a vítima do acidente não mantinha vínculo empregatício, trabalhando como costureira autônoma, não fazendo jus, portanto, ao 13º salário em vida, o que, por consequência, impede a inclusão dessa parcela no pensionamento devido aos dependentes”.
O valor do dano moral foi mantido. O relator não verificou nenhuma exorbitância na quantia fixada que justificasse a intervenção do STJ.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA. MORTE DE TRANSEUNTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. 13ª PARCELA DO PENSIONAMENTO. DESCABIMENTO NO CASO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7⁄STJ. JUROS DE MORA. TERMO ‘A QUO’. DATA DO EVENTO DANOSO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 284⁄STF.1. Recursos oriundos de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente ferroviário.2. A responsabilidade civil por danos causados por acidente ferroviário é, em regra, contratual quando o evento esteja relacionado com contrato de transporte previamente celebrado com a empresa responsável pela ferrovia, sendo extracontratual nas demais hipóteses em que não exista prévio vínculo contratual.3. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual, nos termos da Súmula 54⁄STJ.4. Aplicação da Súmula 54⁄STJ tanto para a indenização por danos materiais como para a por danos morais.5. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA DEMANDADA.5.1. Descabimento da parcela correspondente ao 13º salário a título de pensionamento na hipótese em que a vítima não possuía vínculo empregatício na data do acidente. Precedentes.5.2. Inviabilidade de se revisar o valor da indenização arbitrada pelo Tribunal de origem em razão do óbice da Súmula 7⁄STJ, ressalvadas as hipóteses de arbitramento em valor excessivo ou irrisório, o que não se verifica na espécie.5.3. Incidência de juros de mora desde o evento danoso, seja quanto à indenização por danos morais, seja quanto à por danos materiais, por se tratar de responsabilidade extracontratual no caso de atropelamento de transeunte em via férrea.6. RECURSO ESPECIAL DOS DEMANDANTES.6.1. Imprescindibilidade da indicação do dispositivo de lei federal objeto de divergência jurisprudencial, ainda na hipótese de dissídio notório, por se tratar de requisito que emana do diretamente art. 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal, ao enunciar que cabe recurso especial quando a decisão recorrida “der à lei federal” interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.6.2. Impossibilidade de saneamento do vício de pelo órgão julgador, sob pena de ofensa aos princípios da imparcialidade e do contraditório. Julgado específico da Corte Especial.7. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA DEMANDADA PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO ESPECIAL DOS DEMANDANTES NÃO CONHECIDO.