Ao negar provimento a recurso especial do Jockey Club de São Paulo, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que ele deverá indenizar, por lucros cessantes, um restaurante localizado em suas dependências que foi proibido de reabrir durante a pandemia da Covid-19 mesmo depois da flexibilização das medidas restritivas por parte do poder público municipal.
Para o colegiado, os danos causados ao restaurante, no período em que permaneceu impedido de abrir, decorreram de ato ilícito e desproporcional praticado pelo clube e, por isso, devem ser indenizados.
Durante a pandemia, o restaurante – instalado em espaço que lhe foi alugado pelo Jockey Club – ingressou com pedido de tutela provisória para tentar garantir seu funcionamento. Segundo a empresa, mesmo após os órgãos competentes autorizarem a retomada do atendimento, a direção do Jockey não o permitiu, sob o argumento de que o clube estava proibido de abrir ao público.
Responsabilidade pelo uso do imóvel é do locatário
O pedido de tutela provisória foi deferido em primeira instância, obrigando a imediata reabertura do estabelecimento. Na mesma ação, o clube foi condenado a pagar lucros cessantes referentes ao período em que o restaurante ficou impedido de funcionar. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
No recurso dirigido ao STJ, o clube alegou, entre outros pontos, que agiu de acordo com as normas relativas às suas atividades e atuou dentro de seus limites como locador do imóvel.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que as obrigações impostas aos contratantes nas locações não residenciais estão previstas nos artigos 22 e 23 da Lei 8.245/1991. Segundo esclareceu, a jurisprudência do STJ considera que a responsabilidade pelo uso do bem, nesses casos, é do locatário, cabendo ao locador apenas a entrega do imóvel em conformidade com sua destinação.
O magistrado também apontou a desproporcionalidade da conduta do Jockey Club ao proibir a reabertura do restaurante, pois este possuía acesso independente e, além disso, não constava no contrato de locação que seu funcionamento estava vinculado aos eventos promovidos pelo clube.
Para o ministro, a atitude do locador excedeu os poderes legais e contratuais que lhe foram conferidos, não se podendo falar em “exercício regular de seu direito reconhecido na condição de locador”.
Vedação ao funcionamento do clube não se aplicava ao restaurante
Salomão ressaltou que a argumentação do Jockey, segundo a qual agiu no cumprimento de portaria expedida pela prefeitura de São Paulo para impedir o funcionamento do local, é a mesma invocada pelo restaurante a favor de sua reabertura, uma vez que a norma autorizou o retorno do atendimento ao público em determinados setores econômicos, entre os quais estavam “bares, restaurantes e afins”.
Na avaliação do relator, era viável assegurar o acesso do público exclusivamente à área destinada ao restaurante, mantendo-se fechados os demais espaços do clube.
Em seu voto, Salomão também destacou que a proibição total de acesso a imóvel comercial e de seu funcionamento, sob a justificativa de cumprimento das normas sanitárias de combate à pandemia, é ato ilícito que justifica a indenização do locatário. O ministro lembrou que o mesmo entendimento foi aplicado em julgado recente da Terceira Turma (REsp 1.971.304).
“O valor da indenização pelos lucros cessantes será apurado pela média do faturamento após a reabertura do restaurante, cujos balancetes deverão ser apresentados nas instâncias ordinárias”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. JOCKEY CLUB DE SÃO PAULO. PROIBIÇÃO DE ACESSO DO PÚBLICO A RESTAURANTE LOCALIZADO NO INTERIOR DO CLUBE. CUMPRIMENTO DE NORMAS SANITÁRIAS RELACIONADAS À PANDEMIA DA COVID-19. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL OU CONTRATUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DAS MEDIDAS RESTRITIVAS PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. PORTARIA QUE AUTORIZOU A RETOMADA DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELO LOCATÁRIO. ACESSOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES AO IMÓVEL. RESTRIÇÃO INDEVIDA IMPOSTA PELO LOCADOR. ARTS. 22 E 23 DA LEI N. 8.245/1991. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. ART. 927 DO CC. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. No caso dos autos, o Jockey Club de São Paulo, locador do imóvel, proibiu o ingresso do público externo a restaurante localizado em suas dependências sob a alegação de cumprimento às normas de restrição sanitária em razão da pandemia da covid-19.
2. As instâncias ordinárias consignaram que o restaurante possuía acesso autônomo e independente do clube. Por outro lado, a Portaria n. 696/2020, expedida pela Prefeitura de São Paulo, autorizou o funcionamento de restaurantes e estabelecimentos congêneres.
3. Nesse contexto, sobressai que a conduta do locador de impedir a entrada do público ao restaurante, quando a medida era possível e estava autorizada pelos órgãos governamentais, configurou ato ilícito, alijando por completo o locatário de exercer os poderes inerentes ao uso e gozo da coisa. Eventual descumprimento das normas sanitárias pela locatária poderia dar ensejo à aplicação de penalidades nos termos do contrato, mas nunca à proibição do acesso ao imóvel.
4. Os danos sofridos pelo locatário em decorrência do período em que permaneceu fechado por ato exclusivo do recorrente devem, portanto, ser indenizados pelo locador, nos termos do art. 927, c/c 402, todos do Código Civil.
5. Recurso especial não provido.