A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) não detém exclusividade na fiscalização de caráter quantitativo das mercadorias comercializadas no país.
No caso analisado, uma empresa do ramo de produtos alimentícios informou ter importado 50 toneladas de pescado por mais de R$ 290 mil. Entretanto, na chegada da mercadoria ao território brasileiro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) apontou divergência entre a informação declarada e o peso do produto.
A empresa ajuizou ação ordinária requerendo, em tutela de urgência, a liberação da mercadoria confiscada. Segundo ela, o Mapa não teria competência para realizar fiscalização de cunho quantitativo, pois essa atribuição seria exclusiva do Inmetro.
Competência exclusiva do Inmetro é apenas para metrologia
Na primeira instância, a decisão foi favorável ao Estado, sob o fundamento de que a lei prevê a exclusividade do Inmetro apenas em metrologia (padronização de pesos e medidas ou fiscalização da aferição dos instrumentos de medição).
A sentença foi reformada pelo tribunal estadual, que entendeu que a metodologia instituída em instrução normativa do Mapa para a verificação do peso líquido de pescado, após o desglaciamento (retirada de camada de gelo sem descongelar o produto), invadiu área de competência exclusiva do Inmetro.
Outros órgãos e entidades podem atuar na fiscalização quantitativa
O relator no STJ, ministro Francisco Falcão, destacou que a controvérsia não envolve a padronização de pesos e medidas, nem a aferição dos instrumentos de medição – matérias essas tratadas na Lei 9.933/1999, que dispõe sobre as competências do Inmetro. “O que se discute é a possibilidade de o Mapa, em concorrência com o Inmetro, proceder à fiscalização sobre pesagem de produtos comercializados”, afirmou.
De acordo com o magistrado, o controle sanitário de alimentos no Brasil é de responsabilidade mútua entre os órgãos e as entidades da administração pública, tanto que os Procons, encarregados da defesa do consumidor, podem aplicar multas quando flagram a venda de produto com quantidade ou peso diferentes da informação do rótulo.
“Ao Mapa não poderia ser dado tratamento diferenciado, com menor competência, especificamente por se tratar de órgão ministerial com competência em todo o território nacional, atuando nas áreas de agricultura, pesca e abastecimento”, afirmou Falcão ao restabelecer a sentença.
O ministro comentou ainda, corroborando os termos da decisão de primeira instância, que a estrutura do Inmetro é insuficiente para atender a toda a demanda nacional, e não seria razoável a autarquia ter de vigiar com exclusividade o respeito aos diversos padrões de produtos em todos os setores produtivos.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. INDÚSTRIA DE COMERCIALIZAÇÃO DE PESCADO. FISCALIZAÇÃO. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA. GLACIAMENTO DO PESCADO. COMERCIALIZAÇÃO. AFERIÇÃO QUANTITATIVA. COMPETÊNCIA DO SERVIÇO DE INSPEÇÃO FEDERAL. ATRIBUIÇÃO ADMINISTRATIVA NÃO EXCLUSIVA DO INMETRO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, II, DO CPC DE 2015 NÃO CARACTERIZADA. FISCALIZAÇÃO DE CUNHO QUANTITATIVO. NÃO EXCLUSIVIDADE DO INMETRO. FISCALIZAÇÃO DO MAPA. LEGALIDADE. REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.I – Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada por sociedade empresária objetivando liberação de mercadorias apreendidas (pescado) em decorrência de divergência quanto ao peso líquido do produto, após desglaciamento, mediante apuração de procedimento fiscalizatório promovido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, com base no nos subitens “b” e “c” do item 16.1 do Ofício Circular nº 25⁄2009.II – Ação julgada improcedente no Juízo de 1º Grau e reformada pelo Tribunal a quo, sob o fundamento de invasão, pelo MAPA, da competência do INMETRO para aferição quantitativa dos produtos comercializados.III – Violação do art. 1.022 do CPC não caracterizada, na medida em que o Tribunal a quo analisou a controvérsia de forma fundamentada, com base nas alegações das partes, não sendo o julgador obrigado a responder a todos os questionamentos.IV – Competência não exclusiva do INMETRO para fiscalização quantitativa dos produtos comercializados, porquanto impossível conceber a eficácia dessa atribuição em todo o território nacional, dada a estrutura insuficiente do instituto.VI – Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença de primeiro grau na integralidade.
Leia o acórdão no REsp 1.832.357.