REsp 1.709.727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 11/04/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Responsabilidade civil do Estado. Acidente de trânsito em rodovia estadual. Óbito da vítima. Omissão estatal quanto ao dever de conservação e sinalização da via pública. Danos materiais devidos.
Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a indenização por danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus.
Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado.
O Tribunal a quo, após reconhecer a conduta omissiva e culposa do ente público, relacionada ao dever de sinalização da via pública, deu parcial provimento ao apelo dos autores, condenando o demandado ao pagamento de indenização por danos morais. Em relação ao danos materiais, registrou não terem sido comprovados.
Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal – má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos.
No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual, mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima.
Nesse passo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e morais, os quais devem ser indenizados.
Com efeito, presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, a jurisprudência desta Corte reconhece devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro meio de prova.
AREsp 1.825.800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 11/04/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Honorários advocatícios. Contrato administrativo. Licitação para contratação de serviços de advocacia. Cláusula de renúncia aos honorários de sucumbência. Lei n. 8.666/1993.
Nos contratos administrativos, é válida a cláusula que prevê renúncia do direito aos honorários de sucumbência por parte de advogado contratado.
A regra da vinculação ao instrumento convocatório impõe à Administração e aos contratados a observância estrita das regras do edital. Não obstante, as regras contratuais, ainda que inseridas no campo do direito público, devem observância à lei e à Constituição, razão pela qual não há empecilho para que as partes discutam, em juízo, a legalidade das cláusulas do contrato administrativo, notadamente em atenção ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (\”a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito\”).
Não contrariando a lei nem sendo abusivo, o contrato administrativo pode tratar de renúncia a direito do contratado; e esta será eficaz e produzirá seus regulares efeitos na hipótese em que houver expressa concordância do contratado.
Especificamente, com relação aos advogados, a Lei n. 8.906/1994 dispõe serem do advogado os honorários de sucumbência e havia previsão expressa a respeito da impossibilidade de retirar-lhes esse direito; estava no art. 24, § 3º, segundo o qual \”é nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência\”.
Contudo, em 2009, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da regra, uma vez que se trata de direito disponível e, por isso, negociável com o constituinte do mandato. (ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, DJe-171)
Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que prevê a renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte contratada, por livre e espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao patrocínio das causas de seu cliente mediante a remuneração acertada no contrato.
No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e só procurou discutir a cláusula após o fim do contrato.
Oportuno mencionar, aliás, entendimento segundo o qual “a renúncia à verba honorária sucumbencial deve ser expressa, sendo vedada sua presunção pelo mero fato de não ter sido feitas ressalvas no termo do acordo entre os litigantes originários” (REsp 958.327/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe 04/09/2008).
Nesse contexto, considerados os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, forçoso reconhecer não ser adequada a invocação da regra geral de proibição do enriquecimento sem causa para anular a cláusula contratual de renúncia, pois, conforme entendimento jurisprudencial, é legal e constitucional o acordo sobre a destinação dos honorários de sucumbência.
Ademais, mormente depois da rescisão do contrato, não se pode admitir a alteração de regra prevista desde a época da realização do procedimento licitatório, pois aqueles que concorreram para a prestação do serviço se submeteram à mesma regra para elaborarem suas propostas.
RMS 67.503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL
Cartório de Registro de Imóveis. Interventor. Retenção de metade da renda líquida da serventia. Levantamento. Legalidade. Teto remuneratório. Art. 37, XI, da CF/1988. Não aplicação.
A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no art. 36, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.935/1994, não se submete ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal de 1988.
O Tribunal de origem firmou compreensão no sentido de que a remuneração do interventor da serventia extrajudicial deve obedecer ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal.
Nada obstante esse respeitável raciocínio, certo é que a legislação de regência, ainda em vigor, sinaliza em sentido oposto.
Os parágrafos 2º e 3º do art. 36 da Lei n. 8.935/1994 deixam claro que ao interventor caberá depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá indiscutível direito ao seu levantamento.
No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser carreada ao interventor.
Exegese diversa, mesmo que oriunda do egrégio Conselho Nacional de Justiça – CNJ (em patamar administrativo, portanto), não se poderá sobrepor a explícito comando constante de lei federal, tanto mais quando este não padeça de eventual inconstitucionalidade declarada pela Excelsa Corte, como aqui sucede.
REsp 1.982.937-SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Aposentadoria por tempo de contribuição. Seguro-desemprego. Recebimento conjunto. Vedação legal. Compensação ou desconto. Possibilidade.
Para atender ao disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei n. 8.213/1991, basta que o valor recebido a título de seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido do montante devido nos casos em que o benefício previdenciário foi equivocadamente indeferido pela autarquia federal.
Cinge-se a controvérsia a examinar se a regra contida no art. 124, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991, que veda o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente, é atendida com o desconto do valor recebido a título de seguro-desemprego nos períodos coincidentes (compensação), ou se é necessário que as parcelas da aposentadoria, no período em que houve recebimento do seguro-desemprego, sejam deduzidas em sua integralidade.
Merece prosperar o entendimento segundo o qual, para atender ao disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei n. 8.213/1991, basta que o valor referente ao seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido da quantia a ser recebida.
Isso porque, no caso, o benefício previdenciário pleiteado pelo segurado foi equivocadamente indeferido pela autarquia federal, conforme reconhecido judicialmente. Dessa forma, em razão da conduta do INSS, o segurado laborou durante o período em que poderia estar recebendo a aposentadoria pleiteada, ocasião em que ocorreu a demissão ensejadora do seguro desemprego. Assim, não se mostra acertado que a integralidade da aposentadoria seja excluída do cálculo nos períodos coincidentes, pois beneficiaria aquele que agiu incorretamente – a autarquia previdenciária.
Mutatis mutandis, é aplicável ao caso em análise a orientação firmada pela Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos Recursos Especiais 1.786.590/SP e 1.788.700/SP, submetidos ao regime de recursos repetitivos, Tema 1.013/STJ, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 01/07/2020. Compreendeu-se que, tendo o INSS, por falha administrativa, indeferido incorretamente o benefício por incapacidade, é inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
REsp 1.876.297-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 07/04/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Militar. Formação. Curso Preparatório de Oficiais da Reserva. Contagem de tempo de serviço. Arts. 134, §2º, da Lei n. 6.880/1980 e 63 da Lei n. 4.375/1964. Expressa disposição legal.
O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
Cinge-se a controvérsia a definir se a contagem do tempo de serviço dos alunos do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva deve ser feita de forma integral (dia-a-dia), ou se deve considerar-se a carga horária a qual o aluno foi submetido.
Segundo entendimento pacífico desta Corte, o art. 63 da Lei n. 4.375/1964 prevê, expressamente, que o período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva será computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
Ademais, a mesma previsão está contida no art. 134 da Lei n. 6.880/1980, que dispõe que o tempo de serviço como aluno de órgão de formação da reserva é computado, apenas, para fins de inatividade na base de 1 dia para cada período de 8 horas de instrução. Nesse sentido: AgInt no AREsp 270.218/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 24/10/2016.
AgInt no AREsp 955.896-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Concessão de medida liminar. Renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação. Exclusão da multa de mora. Art. 63, § 2º, da Lei n. 9.430/1996. Incidência.
O benefício do § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 é aplicável ao contribuinte que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação.
Cinge a controvérsia sobre a aplicação do art. 63, § 2º, da Lei n. 9.430/1996 ao contribuinte que tinha em seu favor medida liminar, que suspendia a exigibilidade do crédito tributário, confirmada por sentença concessiva da segurança, em anterior writ renunciar ao direito sobre o qual se funda ação, e, antes mesmo da homologação judicial da renúncia e na vigência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário impugnado, recolher, de uma só vez, o valor do débito, mas sem a multa de mora, valendo-se do benefício do referido dispositivo legal.
Dispõe o § 2º do art. 63 da Lei n. 9.430/1996 que \”a interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição\”.
Na espécie, é inequívoco que o que enseja a suspensão da exigibilidade do tributo – e da multa de mora, de que trata o § 2º do referido art. 63 da Lei n. 9.430/96 – é a medida liminar. A decisão que a revoga, ou o ato unilateral do contribuinte que redunda no mesmo efeito prático (renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação) situam-se no campo da cessação dos seus efeitos, pelo que não se mostra adequado trazer à baila o art. 111, I, do CTN, para restringir a atividade hermenêutica. Vale dizer, não está em jogo saber se existem outras hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, além daquela prevista na norma, qual seja a decisão liminar.
Em outras palavras, o ponto fulcral da controvérsia não consiste em saber se a decisão homologatória da renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação \”cabe\” na expressão \”decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição\”, porquanto o fato relevante para a concessão do benefício é a própria medida liminar, e não sua posterior cassação.
A expressão \”decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição\” foi empregada, no art. 63, § 2°, da Lei n. 9.430/1996, por ser o natural desfecho esperado do revés que sucede a \”interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar\”, e não porque se visou prestigiar apenas o contribuinte que é derrotado no processo, afastando aquele que renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação.
O objetivo do legislador foi proteger a confiança depositada pelo contribuinte no provimento judicial precário, que afastou a exigência do tributo, sendo de somenos importância apreender o que motivou sua finitude. Como já decidiu o STJ, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação \”é instituto de direito material, cujos efeitos equivalem aos da improcedência da ação e, às avessas, ao reconhecimento do pedido pelo réu\” (STJ, REsp 555.139/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 13/06/2005).
No caso, cessados os efeitos da liminar, confirmada por sentença, no anterior mandado de segurança, com a homologação judicial da renúncia ao direito sobre o qual se fundava a primeira ação mandamental, o contribuinte tem restabelecida a condição de devedor e deve recolher o tributo, sem incidência, porém, da multa de mora. Conclusão em contrário atentaria contra a segurança jurídica, especialmente no presente caso, em que, na vigência da liminar e da sentença que a confirmou, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, no anterior writ, as impetrantes requereram a renúncia ao direito sobre o qual se fundava a ação, e recolheram, de uma só vez, os valores não incluídos no parcelamento, antes mesmo da homologação judicial da renúncia.
REsp 1.587.197-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Suspensão. Art. 5°, da Lei n. 9.826/1999. Art. 29 da Lei n. 10.637/2002. Estabelecimentos equiparados a industrial. Não aplicação.
O benefício da suspensão do IPI previsto no art. 5°, da Lei n. 9.826/1999 e art. 29 da Lei n. 10.637/2002 não se aplica a estabelecimentos equiparados a industrial.
O Código Tributário Nacional e a legislação específica do IPI não tratam o \”estabelecimento industrial\” de forma idêntica ao \”estabelecimento equiparado a industrial\”. A equiparação, por óbvio, somente é útil porque é feita para determinadas finalidades expressas em lei. Não fosse assim, não haveria qualquer necessidade de se estabelecer uma \”equiparação\”, bastava incluir todos os equiparados dentro do conceito geral de \”estabelecimento industrial\”.
Veja-se que está no próprio Código Tributário Nacional – CTN a distinção entre estabelecimento industrial e equiparado a industrial. A equiparação ali é feita apenas para fins de sujeição passiva em relação ao IPI, ambos são contribuintes, muito embora desempenhem atividades econômicas distintas.
O conceito de estabelecimento industrial é concluído com o art. 46, parágrafo único, do CTN que estabelece considerar-se \”industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo\”. Sendo assim, o estabelecimento industrial propriamente dito somente é aquele que realiza esse tipo de operação, os demais são apenas equiparados.
Se é a lei que equipara, a mesma lei pode desequiparar ou definir as situações onde a equiparação deve se dar e quais os seus efeitos. A lógica que rege a matéria está no art. 109, do CTN, que garante a autonomia do Direito Tributário ao permitir-lhe definir os efeitos tributários próprios de cada instituição. Nessa linha, da legislação tributária pode-se colher diversos exemplos onde a suspensão, isenção ou crédito presumido do IPI são concedidos expressamente aos estabelecimentos equiparados a industriais.
Assim, todas as vezes que o legislador quer conceder determinado benefício fiscal também aos estabelecimentos equiparados a industrial ele o faz expressamente, em atenção ao disposto no art. 111, do CTN e no art. 150, §6º, da CF/88.
Não se pode, portanto, presumir que todas as vezes que a legislação tributária mencione o estabelecimento industrial estaria a mencionar implicitamente também os estabelecimentos equiparados a industrial, sob pena de se tornar o sistema tributário, no que diz respeito ao IPI, imprevisível e inadministrável, mormente diante da função extrafiscal do tributo que exige intervenções calculadas e pontuais nos custos incorridos em cada etapa da cadeia econômica.
Obedecendo à essa lógica, foi produzida a IN/SRF n. 296/2003, a saber: Art. 2º Sairão do estabelecimento industrial com suspensão do IPI os componentes, chassis, carroçarias, acessórios, partes e peças, adquiridos para emprego na industrialização dos produtos autopropulsados classificados nos Códigos 84.29, 84.32, 84.33, 87.01, 87.02, 87.03, 8704.10.00, 8704.2, 8704.3, 87.05, 8706 e 87.11 da Tabela de Incidência do IPI (Tipi). […] Art. 23. O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica: I – às pessoas jurídicas optantes do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples); II – a estabelecimento equiparado a industrial, salvo quando se tratar de estabelecimento comercial equiparado a industrial pela legislação do IPI, na operação a que se refere o art. 4º.
Desta forma, tanto o art. 5°, da Lei n. 9.826/1999, quanto o art. 29, da Lei n. 10.637/2002, são claros ao apontar como beneficiário da suspensão do mencionado imposto apenas o estabelecimento industrial, sem estender ao equiparado, de modo que o art. 23, da Instrução Normativa da SRF n° 296/2003 não limitou o pretendido direito, mas apenas explicitou aquilo que a lei e o sistema já haviam determinado.
Saiba mais:
REsp 1.727.824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO CIVIL
Contrato de distribuição. Lista de clientela. Marketing do fabricante. Qualidade do produto e notoriedade da marca. Informações contratuais. Know-how. Apropriação indevida. Inocorrência.
Nos contratos de distribuição de bebidas, as informações relativas à formação da clientela estão associadas às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.
Não obstante as diretrizes traçadas pelo STJ no julgamento do REsp 1.498.829/SP, preferiu o Tribunal de origem delas se afastar para firmar a compreensão de que o know-how supostamente apropriado estaria centrado, simples e genericamente, nos conhecimentos em vendas e na atividade de distribuição, deixando de identificar, pontualmente, qual a técnica de distribuição de produtos utilizada que seria original e/ou eventualmente secreta, isto é, que desbordasse dos conhecimentos e informações já conhecidas em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo.
Por conseguinte, é realmente questionável o direito à indenização daí decorrente, em que as informações alegadamente apropriadas estão dispostas em contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a parte se obrigou expressamente a fornecê-las, circunstância que afasta o caráter original e/ou secreto desses dados.
Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.
Assim, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes.
REsp 1.848.862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO CIVIL
Procedimento cirúrgico. Falecimento do paciente. Riscos. Consentimento genérico (blanket consent). Insuficiência. Consentimento informado. Autodeterminação do paciente. Imprescindibilidade. Falha no dever de informação. Responsabilidade civil do médico.
O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em cirurgia.
Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado.
Esse dever de informação decorre não só do Código de Ética Médica, que estabelece, em seu art. 22, ser vedado ao médico \”deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte\”, mas também das regras dispostas na legislação consumerista, destacando-se os arts. 6º, inciso III, e 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, o Código Civil de 2002 também disciplinou sobre o assunto no art. 15, ao estabelecer que \”ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica\”.
A propósito, a jurisprudência desta Corte Superior há muito proclama ser indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação (AgRg no Ag 818.144/SP, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 5/11/2007).
Impõe-se registrar, ainda, que a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação.
Com efeito, não se admite o chamado \”blanket consent\”, isto é, o consentimento genérico, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação.
Outro ponto que merece destaque é o fato de que não há qualquer obrigatoriedade no ordenamento jurídico de que o consentimento informado seja exercido mediante \”termo\”, isto é, na forma escrita. O que se garante é tão somente a prestação clara e precisa de todas as informações sobre os riscos, benefícios e alternativas do procedimento médico a ser adotado, independentemente da forma.
Admite-se, portanto, qualquer meio de prova para tentar demonstrar que foi cumprido o dever de informação, nos termos do art. 107 do Código Civil, que assim dispõe: \”A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir\”.
Entretanto, não se pode ignorar que a ausência de \”termo de consentimento informado\” gera uma enorme dificuldade em se comprovar o cumprimento do dever de informação ao paciente, recomendando-se, por essa razão, sobretudo em casos mais complexos, em que há um maior incremento do risco, que o consentimento informado seja feito em documento próprio, por escrito e assinado, a fim de resguardar o profissional médico em caso de eventual discussão jurídica sobre o assunto.
Conclui-se, assim, que o médico precisa do consentimento informado do paciente para executar qualquer tratamento ou procedimento médico, em decorrência da boa-fé objetiva e do direito fundamental à autodeterminação do indivíduo, sob pena de inadimplemento do contrato médico-hospitalar, o que poderá ensejar a responsabilização civil.
REsp 1.965.982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Fundo de Investimento em Participações (FIP). Natureza jurídica. Condomínio especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Cotas. Constrição judicial. Possibilidade.
Fundo de investimento pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
As normas aplicáveis aos fundos de investimento dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio, mas nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico ditado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas, e, não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações.
O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) constituído sob a forma de condomínio e de não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte.
As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo, tampouco de outros cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro devedor.
A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.
Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.
RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 18/04/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Obrigação de alimentos. Prisão civil do devedor. Inadequada e ineficaz no caso concreto. Afastamento excepcional. Legalidade.
A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações.
Na linha da jurisprudência do STJ, em regra, a maioridade civil e a capacidade, em tese, de promoção ao próprio sustento, por si só, não são capazes de desconstituir a obrigação alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos.
Particularidades do caso concreto, contudo, permitem aferir a ausência de atualidade e urgência no recebimento dos alimentos, porque (i) o credor é maior de idade, com formação superior e inscrito no respectivo conselho de classe; (ii) a saúde física e psicológica fragilizada do devedor de alimentos, que não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e (iii) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de prisão.
De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão civil em janeiro de 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.
A Terceira Turma já decidiu, em caso semelhante, que o fato de a credora ter atingido a maioridade e exercer atividade profissional, bem como fato de o devedor ser idoso e possuir problemas de saúde incompatíveis com o recolhimento em estabelecimento carcerário, recomenda que o restante da dívida seja executada sem a possibilidade de uso da prisão civil como técnica coercitiva, em virtude da indispensável ponderação entre a efetividade da tutela e a menor onerosidade da execução, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora e também do devedor (RHC 91.642/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 9/3/2018).
Portanto, a medida coativa extrema se revela desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria sobrevivência do credor, não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço.
REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 07/04/2022.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Comercialização de ingressos on-line. Evento cancelado ou adiado. Ausência de comunicação adequada, prévia e eficaz aos consumidores. Falha na prestação do serviço (fato do serviço). Dano moral configurado. Responsabilidade solidária.
A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço.
A controvérsia consiste em dizer se a sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais.
Em se tratando de responsabilidade pelo fato do serviço, não faz o Diploma Consumerista qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual é uníssono o entendimento de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável.
Assim, a venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. Com efeito, é impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e comercial do empreendimento.
Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.
A jurisprudência do STJ é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.
Qualquer leitura dissimilar levaria a prática de constantes lesões aos consumidores, máxime porque os fornecedores de produtos ou serviços, sob o guante do argumento de ocorrência de \”meros aborrecimentos comuns cotidianos\” ou \”meros dissabores\”, atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.
REsp 1.972.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022, DJe 01/04/2022.
DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Empresa incorporada a grupo empresarial em recuperação judicial. Crédito constituído anteriormente. Controle dos atos de constrição. Juízo universal.
O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação judicial deve se submeter ao juízo universal.
No caso, tem-se que a despeito de o crédito ter sido constituído até a data do pedido da recuperação judicial, a incorporação da empresa pelo conglomerado de empresas em recuperação se deu posteriormente.
Todavia, já foi decidido por esta Corte que, em situação análoga, pelo fato de o juízo universal possuir força atrativa para gerir os atos de constrição da empresa em recuperação, da mesma forma deve ocorrer tal atração quando já tiver sido determinada penhora pelo juízo da execução singular em data anterior ao deferimento do pedido de recuperação judicial.
Utilizando de raciocínio análogo, mesmo que a empresa não estivesse no conglomerado de empresas que tiveram o pedido de recuperação judicial deferido, deve prevalecer o princípio da preservação da empresa, razão pela qual o juízo universal deve ser o único a gerir os atos de constrição e alienação dos bens do grupo de empresas em recuperação.
Sendo assim, o juízo universal deve exercer o controle sobre os atos constritivos sobre o patrimônio do grupo em recuperação judicial, adequando a essencialidade do bem à atividade empresarial, independente da data em que a empresa foi incorporada à outra, já em plano de recuperação judicial.
Nessa esteira, mesmo que a incorporação tenha ocorrido após a constituição do crédito e ao pedido de recuperação judicial, deve se operar a força atrativa do juízo universal como forma de manter a higidez do fluxo de caixa das empresas e, assim, gerenciar de forma exclusiva o plano de recuperação.
REsp 1.899.115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Nulidade de tarifas bancárias. Pedido amplo. Trânsito em julgado. Posterior ação de repetição de indébito. Juros remuneratórios incidentes sobre a mesma tarifa. Impossibilidade. Existência de coisa julgada.
A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.
Nos termos do art. 337, §§ 2º e 4º, do Código de Processo Civil de 2015, \”uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido\”, sendo que \”há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado\”.
Na hipótese, da forma como a parte autora formulou o pedido na primeira ação, já transitada em julgado e que tramitou perante o Juizado Especial Cível, consignando expressamente que buscava a devolução em dobro de todos os valores pagos com as tarifas declaradas nulas, é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas, da mesma forma em que se busca na ação subjacente, havendo, portanto, nítida identidade entre as partes, a causa de pedir e o pedido, o que impõe o reconhecimento da coisa julgada.
Ora, se a parte eventualmente esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento dos juros remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada.
Não se pode olvidar que o acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor correspondente à própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores pagos referentes à tarifa nula abrange, por dedução lógica, a restituição também dos respectivos encargos, sendo incabível, portanto, nova ação para rediscutir essa matéria.
AREsp 1.837.057-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Intempestividade recursal. Equívoco do sistema eletrônico do Tribunal de Justiça (PROJUDI). Prorrogação do prazo. Demonstração de justa causa. Imprescindibilidade.
Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de maneira efetiva.
Segundo a orientação jurisprudencial do STJ, a contagem correta dos prazos recursais, nos termos definidos pela legislação processual, é ônus exclusivo da parte recorrente, de modo que a data eventualmente sugerida pelo sistema processual eletrônico não o exime de interpor o recurso no prazo previsto em lei (AgRg no AREsp n. 1.825.919/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 16/6/2021).
Não se desconhece o entendimento firmado nesta Corte de que \”o equívoco na indicação do término do prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao recorrente\” (EREsp 1805589/MT, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 25/11/2020).
E, não obstante o que vem disposto no julgamento do REsp 1.324.432/SC, a Corte Especial deste Tribunal tenha firmado que a existência de equívoco no sistema processual eletrônico do Poder Judiciário possa ser considerado para fins de relativizar a intempestividade recursal, em julgados posteriores à esse paradigma, tem-se exigido que a parte recorrente demonstre, de maneira efetiva, a justa causa para obter o excepcional afastamento da intempestividade recursal.
Saiba mais:
EDcl no AgInt no AREsp 1.547.767-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 07/04/2022.
DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de revisão de benefício previdenciário. Cumulação de pedidos. Reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e reflexos. Justiça do Trabalho. Competência. Tema 1.166/STF.
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.
No caso, a demanda originária foi ajuizada em face da CEF e FUNCEF, buscando o reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a recomposição da reserva matemática e revisão do benefício de previdência complementar.
Há, portanto, cumulação de pretensões de naturezas distintas, havendo a necessidade de prévio julgamento da controvérsia trabalhista pois, somente em caso de procedência desta, haverá possibilidade de análise do pleito relacionado ao plano previdenciário.
Ou seja, a causa de pedir originária (exclusão da parcela denominada CTVA do salário de contribuição) desdobra-se em dois pedidos, de natureza diversa: (a) na seara trabalhista, pugna-se pelo reconhecimento da natureza salarial, com o respectivo recolhimento das contribuições devidas; e, (b) no âmbito previdenciário, busca-se a revisão do benefício complementar.
Logo, em razão desta cumulação de pedidos, não incide – ao menos não de forma direta – o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 190/STF), no sentido da competência da Justiça Comum para \”o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria\”, ante a necessidade de prévio enfrentamento da controvérsia laboral.
Ademais, em recente julgamento, a Suprema Corte fixou nova tese, em repercussão geral, no sentido de que \”compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada\” (Tema 1.166 – RE 1.265.564-SC).
AgRg no RHC 156.413-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Desvio de verbas públicas do SUS. Competência da Justiça Federal. Teoria do juízo aparente. Avaliação da validade da prova determinada pelo Juízo incompetente. Atribuição do Juízo Federal.
É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente.
A jurisprudência do STJ tem entendido, de maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde – SUS – atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal.
Não obstante reconhecer a incompetência do Juízo estadual, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não os atos até então praticados. Cumpre registrar que, nesta Corte Superior de Justiça, é pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente.
Com efeito, \”[a]s provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a ser considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo aparente. Precedentes: HC 120.027, Primeira Turma, Rel. p/ Acórdão, Min. Edson Fachin, DJe de 18/2/2016 e HC 121.719, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 27/6/2016.\” (AgR no HC 137.438/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 20/6/2017)
HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 19/04/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Reconhecimento pessoal. Vítima capaz de identificar o autor do fato. Dúvida na individualização do agente. Inocorrência. Instauração do procedimento do art. 226 do CPP. Desnecessidade.
Se a vítima é capaz de individualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP.
Para a jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (HC 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020).
O art. 226 do CPP, antes de descrever o procedimento de reconhecimento de pessoa, diz em seu caput que o rito terá lugar \”quando houver necessidade\”, ou seja, o reconhecimento de pessoas deve seguir o procedimento previsto quando há dúvida sobre a identificação do suposto autor. A prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal.
Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal.
O que a nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de pessoas, induzindo determinada conclusão.
No caso, a condenação não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que uma das vítimas reconheceu o acusado em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem. A identificação do perfil na rede social facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato, tendo em conta que a negociação se deu por essa rede social. Isso não afastou o reconhecimento dos autores do fato em juízo, razão pela qual não há falar em violação do art. 226 do Código de Processo Penal.
AgRg no HC 712.258-SP, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022, DJe 01/04/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Tráfico de drogas. Prisão Preventiva. Fundamentação concreta. Grande quantidade de drogas. Mãe de filho menor. Prisão domiciliar. Cabimento. Proteção à criança.
A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas não impede a concessão da prisão domiciliar à mãe de filho menor de 12 anos se não demonstrada situação excepcional de prática de delito com violência ou grave ameaça ou contra seus filhos, nos termos do art. 318-A, I e II, do CPP.
Entende o STJ que \”o afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de criança menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016)\” (HC 551.676/RN, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 25/05/2020).
Entende, ainda, que \”O art. 318-A, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 13.769, de 19/12/2018, dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente\” (HC 623.992/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 30/04/2021).
\”Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes\” (STF, HC Coletivo n. 143.641/SP, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 9/10/2018).
No caso, sendo a paciente mãe de criança de 6 anos de idade, deve ser aplicada a regra geral de proteção da primeira infância, à mingua de fundamentação idônea para a mitigação da referida garantia constitucional.
Isso porque, o fundamento relacionado à apreensão de grande quantidade e variedade de entorpecentes não impede a concessão da prisão domiciliar se não demonstrados outros motivos que evidenciam que a conduta praticada representa risco à ordem pública, como indícios de comércio ilícito no local em que a agente cria os menores, nos termos da jurisprudência desta Corte.
Saiba mais:
ProAfR no REsp 1.957.733/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 22/03/2022. (Tema 1140)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps 1.957.733/RS e 1.958.465/RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: definir, para efeito de adequação dos benefícios concedidos antes da Constituição Federal aos tetos das Emendas Constitucionais ns. 20/1998 e 41/2003, a forma de cálculo da renda mensal do benefício em face da aplicação, ou não, dos limitadores vigentes à época de sua concessão (menor e maior valor-teto).
ProAfR no REsp 1.977.027-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022. (Tema 1139)
DIREITO PENAL
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps 1.977.027/PR e 1.977.180/PR ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: possibilidade de inquéritos e ações penais em curso serem empregados na análise dos requisitos previstos para a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
ProAfR no REsp 1.923.354-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022. (Tema 1138)
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps 1.923.354/SC e 1.930.192/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: retroatividade ou não da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), relativamente à natureza jurídica da ação penal no delito de estelionato (art. 171 do Código Penal), a qual outrora era pública incondicionada e, atualmente, passou a exigir a representação da vítima, como condição de procedibilidade, tornando-se, assim, ação pública condicionada à representação.
AgInt na SLS 2.950-PR, Rel. Min. Presidente Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 20/04/2022.
DIREITO AMBIENTAL, DIREITO URBANÍSTICO
Direito ambiental. Pedido de suspensão de liminar. Antinomia entre o Código Florestal e Leis anteriores da Mata atlântica. Procedimentos administrativos realizados com base no atual Código Florestal em áreas consolidadas.
Cuida-se de suspensão de liminar e de sentença deferida contra decisão que suspendeu a aplicação dos arts. 61-A e 61-B do Código Florestal de 2012 (Lei n. 12.651/2012) a áreas rurais consolidadas que estivessem situadas no bioma Mata Atlântica, em razão de suposta violação à Lei n. 11.428/2006 e às legislações especiais que a precederam na proteção ao bioma (Decreto Federal n. 99.547/1990 e Decreto Federal n. 750/1993).
Após o voto do Sr. Ministro Relator Humberto Martins negando provimento ao agravo, pediu vista o Sr. Ministro Herman Benjamin.
Saiba mais:
APn 910-DF, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 20/04/2022.
DIREITO PENAL
Crime de peculato. Recebimento de auxílio transporte concomitantemente a utilização de carro ofical. Tipicidade da conduta. Pedido de vista.
Trata-se de ação penal ajuizada contra membro do Tribunal de Contas do Estado de Roraima em razão do recebimento de auxílio transporte no período em que era Presidente deste órgão de forma indevida, porquanto teria utilizado concomitantemente o veículo institucional.
Entendeu, em seu voto, que restou configurado o crime de peculato, sendo típica a conduta de apropriação mensal indevida do valor conjuntamente com a utilização do carro oficial, determinando a condenação do réu.
Prosseguindo no julgamento, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura apresentou seu voto-vista ao entender que ficou configurado o crime de peculato, sendo típica a conduta de apropriação mensal indevida do valor conjuntamente com a utilização do carro oficial, determinando a condenação do réu.
Dessa forma, julgou procedente a denúncia para condenar o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Roraima, com fundamento no artigo 312, por vinte e quatro vezes, na forma do artigo 71, ambos do Código Penal, no que foi acompanhada pelo Sr. Ministro Herman Benjamin e pelas Sras. Ministras Nancy Andrighi e Laurita Vaz, e o voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha acompanhando o Relator, pediu vista o Sr. Ministro Jorge Mussi e, nos termos do art. 161, §2º, do RISTJ, o pedido foi convertido em vista coletiva.