Impedir hospedagem de indígenas ao argumento de que prejudicaria a imagem de hotel configura crime de racismo

Conduta praticada contra 13 professores indígenas, impedidos de se hospedarem em hotel no município de Comodoro (MT) ao argumento de que não seria bom para a imagem do hotel é punível como crime resultante de discriminação ou preconceito de etnia, nos termos dos art. 1º e 7º da Lei 7.716/1989, decidiu a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, reformando a sentença apenas para reduzir a pena aplicada.

Em seu voto, a relatora, desembargadora federal Mônica Sifuentes, explicou que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 65.810/1969.

A Constituição Federal de 1988 (CF/1988), em seus arts. 3º e 4º repudiou preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação como o terrorismo e o racismo, ressaltando a prevalência dos direitos humanos, de forma a garantir o direito à igualdade e, apenas três meses depois, foi promulgada a Lei 7.716/1989, que “formalmente erigiu à categoria de crime os atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor”, continuou a magistrada.

Como bem esclareceu o juízo sentenciante, no entender da desembargadora federal, os 13 professores foram impedidos de se hospedarem no hotel pelo simples fato de serem indígenas, em conduta dirigida em desfavor da coletividade de pessoas indígenas, e não a uma vítima específica, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109 da CF/1988.

Depoimentos das testemunhas não deixaram dúvida quanto à autoria do fato criminoso, restando evidente para a relatora que o autor praticou crime de racismo ao negar a hospedagem “porque não ficaria bem para seu hotel”, mesmo tendo havido prévia reserva de quartos, ao contrário do que afirmara o autor em sua defesa.

Concluindo o voto, a desembargadora federal Mônica Sifuentes entendeu que a sentença merece reforma ao fundamento de que não se mostra plausível majorar-se a pena na fração máxima por não estarem presentes circunstâncias judiciais desfavoráveis (por exemplo, maus antecedentes, conduta social, personalidade, dentre outros), decidindo no sentido de dar parcial provimento à apelação apenas para redução da pena.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. CRIME DO ART. 7º DA LEI Nº 7.716/89. RACISMO CONTRA INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA APLICADA. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.

  1. A Justiça Federal é competente, conforme disposição do art. 109, inciso V, da  Constituição Federal da  República, quando se tratar de infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, como é caso  do  racismo,  previsto  na  Convenção  Internacional  sobre  a Eliminação  de  todas  as  Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário.

  2. A conduta imputada ao réu se deu em razão de preconceito de raça, haja vista o delito ter sido praticado contra as vítimas tão somente pelo fato de essas serem indígenas.

  3. Materialidade e autoria delitivas devidamente comprovadas nos autos. Manutenção da condenação.

  4. Reduzida a pena aplicada. Como não há circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelante, cabível a majoração da pena no patamar de 1/6 (um sexto), resultando em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, por entender suficiente para a reprovação e prevenção do delito imputado ao recorrente.

  5. Apelo parcialmente provido para reduzir a pena aplicada, a ser cumprida em regime inicial aberto, e a sua substituição por duas penas restritivas de direitos a serem determinadas pelo Juízo da execução.

A decisão do colegiado, nos termos do voto da relatora, foi unânime.

Processo 0005805-78.2010.4.01.3601

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar