O imóvel foi adquirido depois de uma transação considerada fraudulenta.
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho revogou a penhora do imóvel adquirido por um casal depois de uma transação que foi reconhecida como fraudulenta em outra ação trabalhista. A SDI-2 considerou que a aquisição foi de boa-fé e que os compradores foram diretamente atingidos em seu direito de propriedade.
Financiamento
Em mandado de segurança, o casal comprador afirmou que havia adquirido o imóvel em 2002 por meio de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), passando a ocupá-lo imediatamente. A vendedora foi uma mulher que havia comprado o apartamento dos sócios executados na ação trabalhista.
Segundo os compradores, é sabido que a Caixa CEF não concede financiamento para a compra de imóvel sem antes analisar toda a documentação dos vendedores e de exigir certidões negativas e demais documentos necessários para garantir a segurança da transação. Eles sustentaram ainda que o apartamento se enquadra na definição de bem de família e, portanto, não poderia ser penhorado.
Fraude
Ao julgar o mandado de segurança, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) considerou que a questão da impenhorabilidade do bem de família ficou prejudicada em outra ação, na qual se reconheceu a fraude à execução na alienação do imóvel pelos sócios executados à pessoa que o vendeu para o casal. Para o TRT, a coisa julgada na ação anterior projeta seus efeitos para além daquela relação jurídica e, consequentemente, as alienações posteriores se tornam também ineficazes.
Ainda de acordo com o Tribunal Regional, a decisão transitada em julgado não pode ser rediscutida por meio de mandado de segurança. Assim, caberia aos proprietários utilizarem o meio processual adequado (a ação rescisória).
Impenhorabilidade
O relator do recurso ordinário no mandado de segurança, ministro Alexandre Agra Belmonte, assinalou que o reconhecimento de fraude à execução não prejudica a análise do pedido de impenhorabilidade do bem de família. “A coisa julgada que decorreu do reconhecimento da fraude não atinge terceiros que não integraram a relação processual que resultou na execução e, consequentemente, na penhora do bem alienado a terceiro adquirente de boa-fé”, afirmou.
No caso, o ministro lembrou que o casal adquiriu o imóvel por meio de rigoroso financiamento bancário obtido antes da desconstituição da pessoa jurídica dos devedores e sem que houvesse sobre ele nenhuma ressalva ou gravame que indicassem a existência de reclamação trabalhista que pudesse comprometê-lo. “Diante desse contexto, não há que se falar em trânsito em julgado, quer em relação ao fundamento, quer em relação aos impetrantes”, afirmou.
Urgência
Na avaliação do relator, a urgência e a ilegalidade da realização de hasta pública autorizam o ajuizamento do mandado de segurança sem que seja necessário o esgotamento das vias processuais, sobretudo porque, no caso, os impetrantes não participaram da reclamação trabalhista, mas foram diretamente atingidos por ela em seu direito de propriedade. “O bem jurídico que objetivam preservar é a própria entidade familiar”, ressaltou. “O imóvel representa patrimônio de toda uma vida e é resultado do esforço e da privação dos seus membros, não podendo o Poder Judiciário ser indiferente a essa situação”.
O recurso teve a seguinte ementa:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO PROFERIDA EM EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DE IMÓVEL VENDIDO PELOS EX-SÓCIOS. FRAUDE À EXECUÇÃO RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL EM AGRAVO DE PETIÇÃO. COISA JULGADA. ALCANCE EM RELAÇÃO A TERCEIRO DE BOA FÉ. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA QUE NÃO É ALCANÇADA PELA COISA JULGADA, EM FACE DO CARÁTER DE ORDEM PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DA DIRETRIZ DAS SÚMULAS Nº 33 DO TST E 268 DO STF E DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 99 DA SBDI-2 DO C. TST. RELATIVIZAÇÃO DA DIRETRIZ DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N° 92 DA SBDI-2. PARECER DA PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO EM AGASALHO À TESE DOS IMPETRANTES. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Trata-se de mandado de segurança em que os impetrantes buscam impedir a hasta pública de imóvel de sua propriedade sob o argumento de que tal imóvel foi adquirido de boa-fé e constitui bem de família na forma da lei (arts. 1º e 3º da Lei n° 8.009/90). 2. O Tribunal Regional revogou a liminar deferida e denegou a segurança, consignando que a questão atinente à impenhorabilidade do bem de família restou prejudicada em outra ação em que se reconheceu a prática de fraude à execução. 3. Entendeu que a coisa julgada projeta seus efeitos para além da relação jurídica, não havendo possibilidade de se rediscutir, por meio de mandado de segurança, aquilo que fora objeto de decisão, com trânsito em julgado, de forma que “cumpria aos impetrantes utilizarem-se de meio processual adequado”, porquanto legítimos para ajuizar a ação rescisória, nos termos do art. 967, II, do CPC de 2015. 4. Não obstante, o reconhecimento de fraude à execução não prejudica a análise do pedido de impenhorabilidade do bem de família, tampouco a coisa julgada que decorreu do reconhecimento de fraude à execução atinge terceiros que não integraram a relação processual que resultou na execução e, consequentemente, na penhora do bem alienado a terceiro adquirente de boa-fé. 5. Como é consabido, nos termos dos arts. 1º e 3º da Lei n° 8.009/90, o bem de família, é impenhorável e não responde por nenhuma dívida contraída, inclusive de natureza trabalhista, constituindo-se matéria de ordem pública, que pode ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição, até o fim da execução, independentemente do manejo de embargos à execução. Precedentes. 6. Ressai, dessa forma, a condição dos impetrantes de adquirentes de boa fé de imóvel que veio por eles a ser adquirido para formação do bem de família por meio de rigoroso financiamento bancário obtido junto à Caixa Econômica Federal, anteriormente, inclusive, à desconstituição da pessoa jurídica nos autos do processo matriz, e sem que houvesse sobre ele nenhuma ressalva ou gravame indicativo da existência de reclamação trabalhista que pudesse comprometê-lo. 7. Diante desse contexto, não há que se falar em trânsito em julgado, quer em relação ao fundamento, quer em relação aos impetrantes, não incidindo a diretriz das Súmulas n°s 33 do TST e 268 do STF e da Orientação Jurisprudencial n°99 da SBDI-2 do C. TST. 8. De outra parte, esta Subseção, na sessão de julgamento ocorrida em 6 de novembro de 2018, por ocasião do julgamento dos processos RO-406-27.2017.5.10.0000 e RO-144-28.2011.5.05.0000, concluiu por relativizar a diretriz da Orientação Jurisprudencial n° 92 da SbDI-2/TST sempre que se identificar no ato coator ilegalidade e não houver outro meio capaz de impedir prejuízo imediato às partes. 9. A urgência e a ilegalidade da medida consubstanciada na realização de hasta pública, no caso, autorizam o ajuizamento do mandado de segurança, sem que se faça necessário o exaurimento das vias processuais, mormente em se considerando que os ora impetrantes não participaram da relação processual originária, mas foram por ela diretamente atingidos em seu direito de propriedade. 10. Efetivamente, o bem jurídico que objetivam preservar é a própria entidade familiar, por sabido que o imóvel representa patrimônio de toda uma vida e é resultado do esforço e privação dos seus membros, não podendo o Poder Judiciário ser indiferente a essa situação, mormente se o direito material encontra-se assegurado em legislação específica, cujo processo objetiva instrumentalizar. 11. Configurada, portanto, a ilegalidade, deve ser concedida a segurança, em observância à garantia constitucional (art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal). Recurso ordinário conhecido e provido”.
Por unanimidade, a SDI-2 concedeu a segurança e determinou que o Juízo da 40ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) seja oficiado, com urgência, para as providências cabíveis.
Processo: RO-1003355-63.2016.5.02.0000