Ao dar provimento ao recurso especial interposto pela mãe de um paciente que morreu baleado em um hospital público no Rio Grande do Sul, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que o hospital que deixa de fornecer o mínimo de segurança, contribuindo de forma determinante para o homicídio praticado em suas dependências, responde objetivamente pela conduta omissiva.
O recurso teve origem em pedido indenizatório, julgado parcialmente procedente. Porém, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) cassou a sentença que obrigava a fundação responsável pela administração do hospital a indenizar a mãe da vítima em R$ 35 mil. Para a corte gaúcha, não houve contribuição do estabelecimento para a morte da vítima.
No recurso dirigido ao STJ, a mãe alegou que não havia controle de entrada de pessoas nem vigilância, o que evidenciou a negligência do hospital e permitiu que alguém sem identificação ingressasse no local onde estava a vítima.
Hospital deve oferecer segurança para seus usuários, ainda que mínima
O relator do caso, ministro Og Fernandes, observou que, segundo precedentes do STJ, em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado responde de forma objetiva, inclusive por atos omissivos, quando for comprovado vício ou precariedade no serviço, decorrente da falha no dever legal de agir.
O magistrado destacou que a atividade exercida pelos hospitais, além do serviço médico, inclui o serviço auxiliar de estadia. Por isso, no caso de hospital público, o Estado tem o dever de disponibilizar condições necessárias para o alcance dessa finalidade – inclusive serviço de segurança.
Na visão do ministro, a omissão estatal está ligada à ausência do serviço de vigilância, razão pela qual o ente público, em virtude da natureza da atividade pública exercida, responde de forma objetiva, pois deveria evitar o evento nocivo.
“A conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela incolumidade física dos pacientes contribuiu de forma determinante e específica para o homicídio praticado em suas dependências”, concluiu Og Fernandes ao restabelecer a indenização fixada na sentença.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. MORTE EM DECORRÊNCIA DE DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO. AUSÊNCIA DE VIGILÂNCIA. FALHA ESPECÍFICA NO DEVER DE AGIR. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva, uma vez que decorre do risco administrativo, em que não se exige perquirir sobre existência de culpa, conf orme disciplinado pelos arts. 14 do Código de Defesa do Consumidor; 186, 192 e 927 do Código Civil; e 37, § 6º, da Constituição Federal.
2. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se ao entendimento do Excelso Pretório, firmou compreensão de que o Poder Público, inclusive por atos omissivos, responde de forma objetiva quando constatada a precariedade/vício no serviço decorrente da falha no dever legal e específico de agir.
3. A atividade exercida pelos hospitais, por sua natureza, inclui, além do serviço técnico-médico, o serviço auxiliar de estadia e, por tal razão, está o ente público obrigado a disponibilizar equipe/pessoal e equipamentos necessários e eficazes para o alcance dessa finalidade.
4. A análise da responsabilidade civil, no contexto desafiador dos tempos modernos, em que se colocam a julgamento as consequências impactantes das omissões estatais, impõe ao julgador o ônus preponderante de examinar os dispositivos civis referidos, sob o olhar dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.
5. Logo, é de se concluir que a conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela incolumidade física dos pacientes, contribuiu de forma determinante e específica para o homicídio praticado em suas dependências, afastando-se a alegação da excludente de ilicitude, qual seja, fato de terceiro.
6 . Recurso especial provido para restabelecer a indenização, pelos danos morais e materiais, fixada na sentença.
Leia o acórdão no REsp 1.708.325.