Habeas corpus só é aplicável para encerrar ação penal quando ficar demonstrado que o réu é inocente ou que a conduta não é crime

Um acusado por crime ambiental que está respondendo à ação penal teve o pedido de habeas corpus (HC) para trancar o processo negado pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). De acordo com a denúncia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o réu teria desmatado uma área protegida do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, no Município de Colinas do Sul/GO, sem autorização do órgão ambiental.

O réu, dentre as suas alegações, sustentou que o pedido para que a ação seja encerrada se justifica diante da possibilidade concreta de ele vir a ser preso e ser retirado o seu direito de ir e vir, apesar de inocente, razão pela qual entende ser possível a realização do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), uma vez que preenche os requisitos previstos no Código de Processo Penal (CPP) para tanto.

O relator, desembargador federal Ney Bello, ao analisar o caso, explicou inicialmente que, conforme a jurisprudência dos tribunais, HC só é cabível para encerrar uma ação penal quando ficar demonstrado desde logo que o acusado é inocente ou que a conduta não é crime.

Além disso, segundo o magistrado, o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou pela impossibilidade do acordo com o réu porque havia registro de outros delitos ambientais e de posse ilegal de arma de fogo atribuídos ao denunciado.

Ney Bello enfatizou ainda que já havia negado o pedido liminar de habeas corpus objetivando o trancamento da ação ao acusado, neste mesmo processo, e que não houve alteração em nenhum fato ou no quadro processual que modificasse o seu entendimento e votou por negar a ordem de HC, mantendo em curso a ação penal contra o acusado.

O Colegiado acompanhou o voto do relator, por unanimidade.

O ANPP – A Lei nº 13.964/2019 que passou a vigorar no fim de janeiro do ano de 2020, conhecida popularmente como “Pacote Anticrime”, introduziu ao Código de Processo Penal o instituto do Acordo de Não Persecução Penal, previsto no art. 28-A do CPP.

O acordo é celebrado entre o Ministério Público e o investigado, desde que assistido por advogado constituído ou nomeado, homologado pelo magistrado competente, no qual o até então investigado ou indiciado assume a autoria e a materialidade da conduta penal descrita no processo, aceitando cumprir condições menos custosas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. DELITO DO ART. 40 DA LEI 9.605/98, DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART. 28-A DO CPP). ANÁLISE DO MPF. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA CONCESSÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA E TIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. ORDEM DENEGADA.

1. In casu, a inicial acusatória aponta que o ora paciente praticou o crime previsto no art. 40 da Lei 9.605/98, causando dano ambiental em Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

2. O trancamento de ação penal é medida excepcional que só se justifica quando há manifesta atipicidade da conduta, presença de causa de extinção da punibilidade do acusado ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, evidenciando constrangimento ilegal.

3. O pretendido trancamento só pode ocorrer à evidência da constatação de ser o fato atípico ou com a demonstração de que, sendo típico, não tenha o indiciado relação com ele, circunstâncias que configurariam a falta de justa causa, sempre à consideração de ser a ordem de trancamento medida excepcional. In casu, não se verifica dita situação de excepcionalidade.

4. Incabível travar a persecução criminal, pois não se apresentam indene de dúvidas as argumentações expendidas nesse writ, uma vez que as teses alegadas constituem discussão insuscetível de ocorrer na estreita via processual do habeas corpus, por desafiar dilação probatória, notadamente quando se verifica o quadro fático narrado pelo parquet e reconhecido pelo Juízo de origem.

5. No rito sumário do Habeas Corpus, que não permite dilação probatória e exige a comprovação do ato ilegal de plano, não se constata qualquer incorreção no ato judicial impugnado. Não se afigura presente qualquer situação excepcional que justifique o trancamento da ação penal, em relação ao ora paciente.

6. Nada obstante a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus n. 185.913, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgar a possibilidade de aplicação retroativa do benefício – acordo de não persecução penal –, neste momento, a simples afetação do tema, ao contrário do que ocorre na seara cível, não tem o condão de sobrestar todas as ações penais em curso que tratam dessa matéria, razão pela qual, incumbe ao magistrado presidente da persecução penal determinar seu prosseguimento.

7. A decisão guerreada, que não acolheu a pretensão do réu, ora paciente, consistente na aplicação do disposto no § 14 do artigo 28-A do Código de Processo Penal, e, por conseguinte, determinou o prosseguimento do feito, encontra-se devidamente fundamentada, pelo que descabe falar em existência de ilegalidade ou teratologia nesse ato judicial.

8. O ANPP – Acordo de Não Persecução Penal não constitui um direito subjetivo do acusado, ao contrário, para a concessão desse benefício existem condições específicas previstas em lei

9. Ordem de habeas corpus denegada.

Processo: 1014434-40.2022.4.01.0000

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar