Grupo econômico é reconhecido mesmo sem relação de hierarquia entre empresas

Outras provas configuraram o grupo e a responsabilidade solidária por débito trabalhista. 

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não admitiu recurso da Central Administração e Participações Ltda. contra decisão que a responsabilizou solidariamente pelo pagamento de créditos trabalhistas a um mecânico do Consórcio SIM, que opera o transporte coletivo de Porto Velho (RO). Ficou comprovado que o SIM e a Central pertenciam ao mesmo grupo econômico, o que possibilitou a responsabilização solidária da empresa. De acordo com os ministros, foi desnecessário comprovar que existia subordinação entre as entidades, pois outros elementos demonstram a relação entre elas.

Além do consórcio, que o empregava, o mecânico pretendeu a responsabilização de mais duas empresas pelo pagamento de parcelas como 13º salário e aviso-prévio. Entre elas está a Ideal Locadora de Equipamentos, da qual a Central detinha 99,9% do capital fevereiro de 2019.

Responsabilidade solidária

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO/AC) julgaram procedentes diversos pedidos do trabalhador, entre eles o de responsabilização solidária da Central, em razão da concentração do capital de uma das empresas participantes do consórcio. Nos termos da responsabilidade solidária, caso o Consórcio SIM não pague o que deve, o ex-empregado pode cobrar a dívida da empresa.

Reforma Trabalhista

A Central recorreu ao TST com o argumento de que não exercia poder hierárquico sobre as outras empresas do consórcio, o que afastaria sua responsabilidade nos termos da redação do artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT anterior à Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). O dispositivo previa como critério para o reconhecimento do grupo econômico a direção de uma empresa sobre a outra, com subordinação entre elas. Com a mudança, passou-se a considerar que a existência de algum grau de autonomia entre as empresas não afasta a configuração de grupo econômico.

No recurso de revista, a Central argumentava que o contrato de emprego teve início em 2016, na vigência da redação anterior do dispositivo da CLT.  No entanto, a dispensa ocorreu em 2019, já com a Reforma Trabalhista em vigência.

Hierarquia

O relator, ministro Augusto César, destacou que o processo envolve períodos anterior e posterior à Lei 13.467/2017, que tornou indiscutível a possibilidade de configuração do grupo econômico por coordenação (quando não há subordinação entre as empresas). Logo, após esse marco, a discussão é desnecessária. “A CLT foi alterada para contemplar, na configuração de grupo econômico, também as situações em que existe horizontalidade”, afirmou.

Além de aplicar a responsabilidade solidária no período posterior à Reforma Trabalhista, o ministro votou pelo reconhecimento do grupo também no período anterior. Ele explicou que, apesar de o TST ter jurisprudência em sentido contrário, a decisão do TRT da 14ª Região traz vários elementos que remetem a outras premissas além da subordinação. Como exemplos, citou a influência significativa da Central sobre as outras empresas e a possibilidade de a administração do grupo ser compartilhada entre elas, “o que me parece relevante para configurar o grupo econômico, independentemente de ele estar ou não na forma piramidal, até porque não é só a forma piramidal que o caracteriza”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Insurge-se a reclamada contra a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as reclamadas. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. A controvérsia gira acerca de questão inédita da legislação trabalhista, pois envolve o artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT, alterado pela Lei 13.467/2017. Assim, verifica-se que o debate detém transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. Transcendência jurídica reconhecida.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 2º, §§ 2º E 3º, DA CLT. Insurge-se a recorrente contra a decisão que manteve a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as rés. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. No texto anterior à Lei n. 13.467/2017, o art. 2º, § 2º da CLT fazia alusão apenas à forma piramidal de grupo econômico, na qual uma empresa-mãe ou holding estaria sempre a comandar a gestão das demais empresas consorciadas. E é fato que, nesse contexto, a SBDI I claramente sinalizou sua compreensão de exigir-se, para o grupo empresarial do setor urbano, a exigência de sociedade controladora – por todos. Porém, e em clara inflexão, a nova redação do art. 2º, § 2º da CLT adota a solidariedade passiva também “quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, (as sociedades empresárias) integrem grupo econômico”. Logo, a lei está finalmente a explicitar que também as sociedades empresárias em regime de coordenação, sem hierarquia entre elas, formam grupo econômico e são solidariamente responsáveis pelas obrigações trabalhistas contraídas por qualquer delas. O Direito do Trabalho, nesse ponto, deve haurir a experiência jurídica acumulada em outras regiões do Direito onde a concepção de grupo econômico, ou grupo societário, ganha igual relevo. Inclusive porque a controvérsia jurídica não se esgota na mera dicotomia entre grupos hierarquizados e grupos por coordenação, tema único enfrentado pela SBDI I quando fixou, sob a regência do preceito contido no art. 2º, §2º da CLT até antes da Lei n. 13.467/2017, que a solidariedade ali prevista pressupunha a “demonstração da existência de comando hierárquico de uma empresa sobre as demais”. É certo que a Lei nº. 13.467/2017 acresceu ao art. 2º da CLT o § 3º, a enunciar que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”. Se decompomos o preceito, vamos compreender, inicialmente, que o só fato de haver sócios coincidentes entre duas ou mais sociedades não configura a existência de grupo econômico, o que se revela ponderável. Os demais elementos mencionados no novo art. 2º. §3º da CLT (interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas) estão em harmonia com a necessidade de apurar-se a existência de direção econômica unitária. O Regional, tanto no tocante ao período anterior à Lei n. 13.467/2017 quanto ao período por esta regido, reporta-se a outros vários aspectos que remetem à percepção in casu de “influência significativa” entre as empresas que formam grupo societário com a agravante, noutras vezes, à existência evidente de interlocking (administração comum), tudo a revelar que, desde o início da relação laboral, tal grupo econômico já existia, dado que outras formas de controle, diferentes da preeminência formal de empresa holding, foram adotadas para que as empresas se unissem. Por fim, o e. TRT remete a forte conjunto probatório que evidencia a existência de grupo empresarial e lhe assiste razão quando, conjecturando sobre hipótese de prova insuficiente, atribui à sociedade acionada a aptidão e o ônus de provar que, não obstante a presença de indícios na direção de revelar empresas agrupadas, esse agrupamento em rigor não existiria. Agravo de instrumento não provido.

Por unanimidade, a Sexta Turma acompanhou o voto do relator.

Processo: AIRR-174-15.2019.5.14.0006

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