A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou não ser possível decretar a perda do benefício da gratuidade de Justiça como sanção por litigância de má-fé. Para o colegiado, as penalidades aplicáveis pela má-fé processual são aquelas taxativamente previstas na legislação, não se admitindo interpretação extensiva.
“A revogação do benefício – importante instrumento de concretização do acesso à Justiça – pressupõe prova da inexistência ou do desaparecimento da incapacidade econômica, não estando atrelada a eventual conduta ímproba da parte no processo”, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.
O entendimento foi estabelecido em ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento. Ao verificar que a autora havia firmado contrato com o credor e autorizado expressamente os descontos, incorrendo assim em conduta processual abusiva, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso lhe aplicou, como uma das penalidades pela má-fé, a perda do benefício da Justiça gratuita.
Interpretação sobre limitações ao direito de ação deve ser restritiva
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, não se pode admitir que o processo seja utilizado pelas partes de forma abusiva, motivo pelo qual a conduta do litigante de má-fé deve ser reprimida pelos órgãos jurisdicionais.
Os artigos 79 a 81 do Código de Processo Civil (CPC) – explicou a relatora – definem as situações caracterizadoras da litigância de má-fé e estabelecem três sanções: multa superior a 1% e inferior a 10% do valor corrigido da causa; indenização pelos prejuízos causados à parte contrária; e condenação nos horários advocatícios e nas despesas processuais.
“Importa anotar que essas sanções, de predominante natureza punitiva, compõem um rol taxativo, que não admite ampliação pelo intérprete. Com efeito, cuidando os artigos 79 a 81 do CPC de restrições ao exercício do direito de ação, devem eles ser interpretados restritivamente, sem a inclusão de sanções não previstas pelo legislador”, afirmou a ministra.
Conduta é reprovável, mas não admite revogação do benefício
Apesar de considerar reprovável a conduta desleal da parte beneficiária da Justiça gratuita, Nancy Andrighi entendeu que a atitude não acarreta a revogação do benefício – que só pode ocorrer diante da comprovação de desaparecimento da hipossuficiência econômica –, pois as penalidades aplicáveis são só aquelas expressamente previstas no CPC.
Para a ministra, a condenação por litigância de má-fé não implica a revogação da gratuidade, mas, ao mesmo tempo, também não dispensa o beneficiário de pagar as penalidades processuais. “Condenado às penas previstas no artigo 81 do CPC de 2015, continua ele beneficiário da gratuidade de Justiça, estando obrigado, contudo, a pagar, ao final do processo, a multa ou a indenização fixada pelo juiz”, concluiu a ministra.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA 284⁄STF. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PARTE BENEFICIÁRIA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. DESCABIMENTO.1. Ação ajuizada em 31⁄07⁄2019, do qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14⁄12⁄2021 e concluso ao gabinete em 25⁄03⁄2022.2. O propósito recursal consiste em dizer se a) houve negativa de prestação jurisdicional; b) deve ser afastada a aplicação de multa por litigância de má-fé e c) o reconhecimento de que a parte beneficiária da gratuidade de justiça agiu contrariamente à boa-fé implica a revogação do benefício.3. Não se pode conhecer do recurso especial quanto à alegada violação ao art. 1.022 do CPC, pois as alegações que o fundamentam são genéricas, sem discriminação específica e inteligível do que efetivamente se revelaria omisso, contraditório ou obscuro. Incide, no caso, por analogia, a Súmula 284⁄STF.4. Na espécie, é inviável a análise acerca da caracterização da litigância de má-fé, em razão do óbice veiculado pela Súmula 7⁄STJ.5. As sanções aplicáveis ao litigante de má-fé são aquelas taxativamente previstas pelo legislador, não comportando interpretação extensiva. Assim, apesar de reprovável, a conduta desleal, ímproba, de uma parte beneficiária da assistência judiciária gratuita não acarreta, por si só, a revogação do benefício, atraindo, tão somente, a incidência das penas expressamente cominadas no texto legal.6. A revogação do benefício – importante instrumento de concretização do acesso à justiça – pressupõe prova da inexistência ou do desaparecimento da incapacidade econômica, não estando atrelada à eventual conduta improba da parte no processo.7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.
Leia o acórdão no REsp 1.989.076.