Mudança de jornada para oito horas configurou alteração contratual lesiva.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que um gerente-geral de agência tem direito a receber horas extras da Caixa Econômica Federal (CEF) após a sexta hora de trabalho, porque a jornada de seis horas para gerente estava prevista no regulamento interno da empresa quando o profissional foi contratado. Mesmo com a mudança posterior da norma, manteve-se o direito dele de receber as horas extras a partir da sexta hora, e não somente após a oitava.
O bancário trabalhava, em média, das 9h às 18h, com uma hora de intervalo para descanso e refeição, de segunda a sexta-feira. Contratado em junho de 1984, ele era vinculado ao Plano de Cargos e Salários (PCS) da CEF de 1989 até 17/3/1998, quando foi enquadrado no PCS de 1998. O PCS/89 estabelecia que o cargo de gerente estava sujeito à jornada de seis horas, nos termos do Ofício Circular “DIRHU 009/88”.
Ao julgar o caso, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Colombo (PR) entendeu que, mesmo tendo sido gerente-geral de agência desde 2004, seria aplicável ao empregado o limite de seis horas diárias previsto no regulamento interno. Considerou que as disposições dessa norma interna aderiram ao contrato de trabalho, passando a fazer parte do seu patrimônio jurídico, de forma que as alterações prejudiciais só se aplicariam aos novos empregados.
O juízo de primeiro grau destacou que, apesar de o economiário ter exercido a função de gerente de agência, não se aplicava à situação dele o artigo 62 da CLT (Súmula 287 do TST), porque o regulamento da empresa o beneficiava. Deferiu-lhe, então, o pagamento, como extras, das horas trabalhadas além da sexta diária.
Horas extras a partir da oitava
Após recurso ordinário da Caixa, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região mudou a sentença. Conforme o TRT, no período em que esteve vinculado ao PCS/89 (até 17/3/1998), o empregado tinha direito ao pagamento, como extras, das horas excedentes da sexta diária, ainda que investido nas funções de gerente. Mas, em relação ao período a partir de 18/12/2007, o TRT entendeu que o gerente estaria vinculado ao PCS/98 e ao que dispõe o normativo interno denominado “CI GEARU 055/98”, tendo o direito de receber, como extras, apenas as horas excedentes da oitava diária, pois o regulamento interno da CEF aplicável limitaria a jornada do gerente-geral a oito horas.
O empregado recorreu ao TST contra a decisão do Tribunal Regional. Conforme as alegações dele, a CEF praticou “alteração unilateral ilícita” do contrato, pois majorou a sua jornada de trabalho para oito horas, sem que houvesse modificação nas atribuições das funções.
Ao examinar o recurso de revista, a ministra Delaíde Miranda Arantes, relatora, destacou que o TST, no item I da Súmula 51, pacificou o entendimento de que as cláusulas regulamentares que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente só atingirão os empregados admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
Portanto, segundo a ministra, “o benefício da jornada de seis horas, uma vez instituído pela empresa, incorpora-se ao contrato de trabalho de seus empregados, sendo irrelevante, na hipótese dos autos, a discussão sobre as atribuições do economiário, com o fito de caracterizar a fidúcia bancária, seja na forma do artigo 62, inciso II, ou do artigo 224, parágrafo 2º, da CLT”, ressaltou.
Alteração contratual lesiva
“Em se tratando de norma mais benéfica, que, portanto, diante dos princípios do Direito do Trabalho, incorpora-se ao contrato de trabalho, a circunstância de o empregado – admitido à época em que estava em vigor o PCS/89 – ter sido promovido à função gerente-geral em 1/9/2004, quando já estava em vigor o PCS/98, não exclui direito que já havia se incorporado ao seu patrimônio jurídico, haja vista não ser possível a imposição unilateral de jornada de oito horas, por configurar alteração contratual lesiva”, avaliou.
Segundo a ministra Delaíde Miranda, a decisão do Tribunal Regional, ao aplicar o PCS/98, não obstante o empregado tenha sido contratado em 6/6/1984, na vigência do PCS/89, contraria a jurisprudência do TST. A Segunda Turma, então, seguindo o voto da relatora, deu provimento ao recurso do empregado para condenar a CEF ao pagamento, como extras, das horas excedentes da sexta diária, com divisor 180, nos termos do IRR-849-83.2013.5.03.0138 do TST.
O recurso ficou assim ementado:
I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014
1 – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Decidido o mérito a favor da parte a quem aproveita a declaração de nulidade, deixa-se de apreciar a alegação de negativa de prestação jurisdicional, com fundamento no art. 282, § 2.º, do CPC.
2 – JORNADA DE SEIS HORAS. PREVISÃO EM NORMA INTERNA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. Esta Corte, na Súmula 51, I, pacificou o entendimento de que “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. Portanto, o benefício da jornada de seis horas, uma vez instituído pela empresa, incorpora-se ao contrato de trabalho de seus empregados, sendo irrelevante, na hipótese dos autos, a discussão sobre as atribuições do reclamante, com o fito de caracterizar a fidúcia bancária, seja na forma do art. 62, II ou art. 224, § 2º, ambos da CLT. Em se tratando de norma mais benéfica que, portanto, diante dos princípios do Direito do Trabalho, incorpora-se ao contrato de trabalho, a circunstância de o Reclamante – admitido à época em que estava em vigor o PCS/89 – ter sido promovido à função gerente geral em 01/9/2004, quando já estava em vigor o PCS/98, não exclui direito que já havia se incorporado ao patrimônio jurídico do reclamante, haja vista não ser possível a imposição unilateral de jornada de oito horas, por configurar alteração contratual lesiva. A decisão do Tribunal Regional, portanto, ao aplicar o PCS/98, não obstante a contratação do reclamante em 06/6/1984, na vigência do PCS/89, contraria a jurisprudência do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
3 – BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. A assistência judiciária gratuita tem por escopo possibilitar que as pessoas com precárias condições financeiras tenham acesso à prestação jurisdicional. Tendo a ação sido ajuizada acompanhada de declaração de pobreza, não cabe ao Tribunal Regional presumir sua inverossimilhança. O Tribunal Regional, ao não conceder os benefícios da justiça gratuita ao reclamante, apesar de firmada declaração de pobreza na petição inicial, nos moldes da Orientação Jurisprudencial 304 da SBDI-1 desta Corte (atual Súmula 463, I, do TST), incorreu em violação ao art. 4.º da Lei 1.060/50. Recurso de revista conhecido e provido.
4 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA SÚMULA 219, I, DO TST. Com efeito, com a concessão do benefício da justiça gratuita deferido no item anterior e a presença da assistência sindical, conforme procuração de fls. 732 dos autos eletrônicos restam atendidos os requisitos das Súmulas 219 e 329 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014
1 – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRESCRIÇÃO. REGULAMENTO APLICÁVEL. No tema prescrição, a decisão considerou que a legislação trabalhista dispõe expressamente acerca da jornada do empregado bancário (art. 224, “caput” e § 2° da CLT), e bem assim a respeito daqueles empregados detentores de cargo de gestão (art. 62, II, da CLT), de modo que a matéria atinente ao pagamento da 7ª e 8ª horas diárias, como extraordinárias, também diz respeito a aplicação de preceito legal, assegurado, inclusive, pela Constituição Federal (art. 7º, XVI, da CRFB). Assim, incide a prescrição parcial, consoante o entendimento jurisprudencial consubstanciado na parte final da Súmula nº 294 do TST. Da mesma forma, resta evidenciado que a aplicação da Súmula 294 decorreu da compreensão de que o pedido de horas extras advém de legislação ordinária e da Constituição Federal. Com relação à falta de pronunciamento sobre a RH 034 e sobre as funções exercidas pelo reclamante, o acórdão regional considerou que “ainda que o autor tenha exercido a função de gerente geral de agência desde o ano de 2004, como afirmado na petição inicial, é aplicável a ele o limite de seis horas diárias previsto no referido regulamento, vez que foi admitido em 1984 – a informação consta do TRCT de id 27589, págs. 4 a 7 – e, como dito no item anterior, as disposições dessa norma interna aderiram ao seu contrato de trabalho, passaram a fazer parte do seu patrimônio jurídico, de forma que as alterações prejudiciais (doc. “CI GEARU 055/98″ de id 27600) só se aplicam aos novos empregados (art. 468 da CLT e Súm. n.º 51 do E. TST). Aplicação, aí, do princípio protetor, num de seus desdobramentos (Américo Plá Rodriguez)”. Diante de tais fundamentos, despicienda a pronúncia expressa sobre a referida norma de RH ou sobre as funções exercidas pelo reclamante, na medida em que a decisão está alicerçada na adesão da norma vigente à época de admissão do reclamante ao seu contrato de trabalho. As demais alegações da reclamada revestem-se de conteúdo meritório, consistindo em verdadeiras divergências ao entendimento adotado pelo Tribunal Regional, o que escapa ao objetivo dos embargos de declaração. Recurso de revista não conhecido.
2 – PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. A questão ora debatida envolve o pedido de prestações sucessivas decorrentes de alteração do pactuado, ou seja, horas extras, que representam parcela assegurada por preceito de lei (art. 7.º, XVI, da Constituição Federal e art. 59, § 1.º, da CLT). Dessa forma, o acórdão do Tribunal Regional está em consonância com a parte final da Súmula 294 do TST. Recurso de revista não conhecido.
3 – HORAS EXTRAS. GERENTE GERAL DE AGÊNCIA BANCÁRIA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. No caso dos autos, é incontroverso que o reclamante exerceu o cargo de Gerente Geral de Agência. Não obstante, o Tribunal Regional deferiu as horas extras excedentes à sexta diária, sob o fundamento de que quando da admissão do reclamante vigia (PCS/89), que previa o cumprimento de jornada de trabalho de 6 horas para os empregados da CEF, independentemente da função exercida, sendo incluídos nesta jornada, também, os exercentes dos cargos gerenciais. Diante disso, concluiu que a ele não poderia ser aplicada a jornada de 8 horas, sob pena de restar caracterizada alteração contratual lesiva ao trabalhador, vedada pelo artigo 468 da CLT. Esta Corte, na Súmula 51, I, pacificou o entendimento de que “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. Portanto, o benefício da jornada de seis horas, uma vez instituído pela empresa, incorpora-se ao contrato de trabalho de seus empregados, sendo irrelevante, na hipótese dos autos, a discussão sobre as atribuições do reclamante, com o fito de caracterizar a fidúcia bancária, seja na forma do art. 62, II ou art. 224, § 2º, ambos da CLT. Recurso de revista não conhecido.
A decisão foi unânime, mas a Caixa apresentou embargos de declaração, ainda não julgados.
Processo: RR – 10193-68.2012.5.09.0684