Excepcionalmente pode ser autorizada a restituição de veículo apreendido antes de transitada em julgado a sentença desde que comprovada a boa-fé do adquirente

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em julgamento na 3ª Turma, acolheu parcialmente a apelação de uma empresa de peças automotivas para anular a sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiros, pela instituição empresarial apresentados, que objetivavam reaver veículo sequestrado em ação penal. O Colegiado assim decidiu por entender que os autos até o momento da sentença não permitiam conhecer de maneira satisfatória a condição de terceiro de boa-fé.

A relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, ao analisar o recurso, constatou que o sentenciante justificou não ter adotado o rito previsto no parágrafo único do art. 130 do Código de Processo Penal (aguardar o trânsito em julgado da condenação antes do julgamento dos embargos de terceiro, a fim de se evitar decisões contraditórias) por entender que os documentos juntados pela embargante não eram idôneos para comprovar sua condição de terceiro de boa-fé. “Não obstante o magistrado tenha concluído que não adotaria o rito previsto no parágrafo único do art. 130 do Código de Processo Penal, por entender que o requerente não tem prova de sua condição de terceiro de boa-fé, a análise minuciosa dos autos gera dúvida sobre tal circunstância, e, por isso, no caso, deve ser examinada no momento oportuno, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme preconiza a norma”, ressaltou a desembargadora.

Destacou a magistrada que o Tribunal, excepcionalmente, mesmo em hipótese de embargos de terceiros, mitiga a regra contida no Código de Processo Penal para autorizar a restituição do bem antes do trânsito de sentença penal condenatória desde que estejam presentes os elementos que revelam o direito ao embargante de ter seu bem restituído. Esses elementos são a propriedade do bem, a licitude da origem do valor do bem, a boa-fé e a desvinculação do bem com fatos apurados na ação penal. “O caso dos autos não permite saber, de plano e satisfatoriamente, a propriedade do bem e a data da aquisição, se antes ou depois da constrição, ou seja, a condição de terceiro de boa-fé. Sendo hipótese de embargos de terceiros, deve, contudo, seguir o rito definido pela norma processual penal em benefício do próprio embargante”, salientou. Por esse motivo, a magistrada concluiu seu voto no sentido de que deve ser acolhida apenas parcialmente a apelação, decretando a nulidade da sentença e determinando o apensamento dos embargos à ação penal que dele se originou, para que fosse julgado apenas depois de a sentença condenatória passar em julgado.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. AQUISIÇÃO DE BOA-FÉ E A TÍTULO ONEROSO. CPP, ART. 130, II, PARÁGRAFO ÚNICO. DÚVIDA SOBRE A PROPRIEDADE DO BEM. JULGAMENTO SOMENTE APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. APENSAMENTO DO PROCESSO AO FEITO DE ORIGEM.

  1. Embora o reconhecimento da condição de terceiro de boa-fé, por si, seja suficiente para que o processo obedeça ao rito estabelecido no Código de Processo Penal (art. 130, II, parágrafo único), o exame prematuro da prova, pelo magistrado a quo, para concluir não ser o autor terceiro de boa-fé, e negar seu pedido de restituição do bem, permite circunstancial análise do mesmo conjunto probatório, para dar seguimento ao feito.
  2. Este tribunal, excepcionalmente, mesmo em hipótese de embargos de terceiros, mitiga a regra contida no art. 130 do CCP, para autorizar a restituição do bem antes do trânsito de sentença penal condenatória, contanto que estejam presentes os elementos que revelam o direito ao embargante para ter seu bem restituído, quais sejam, (i) a propriedade do bem, (ii) licitude da origem do valor do bem, (iii) boa-fé e (iv) desvinculação com fatos apurados na ação penal (ACR 0000854-17.2015.4.01.3908, relatora Desembargadora Federal Monica Sifuentes,  Terceira Turma, e-DJF1 de 2/8/2019. No mesmo sentido, ACR 0023596-33.2014.4.01.3500, relator Desembargador Federal Ney Bello, Trf1 – Terceira Turma, e-DJF1 de 21/9/2018.
  3. Documentos constantes dos autos revelam que o automóvel objeto de apreensão estava na posse da empresa requerente, e há indícios de que o bem fora adquirido, de boa-fé e a título oneroso, da empresa que sofreu busca e apreensão em seus bens. Por outro lado, mesmo instado a juntar cópia da decisão que determinou a constrição, para aferição e confronto das datas, o requerente não o fez, e há ainda nos autos documentos do veículo, contemporâneos aos fatos, em nome da antiga proprietária, e cheques, os quais em tese foram dados em pagamento pelo automóvel, de valor alto, mas sem nenhuma indicação do beneficiário. Tais questões, embora não excluam a possibilidade de aquisição do caminhão de boa-fé, a título oneroso, antes da constrição decretada pelo Juízo a quo, devem ser resolvidas à luz da sentença penal condenatória transitada em julgado.
  4. Os autos não permitem conhecer, de plano e satisfatoriamente, a propriedade do bem e a data da aquisição, se antes ou depois da constrição, ou seja, a condição de terceiro de boa-fé. Sendo, porém, hipótese de embargos de terceiros, deve seguir o rito definido pela norma processual penal (parágrafo único do art. 130 do Código de Processo Penal), em benefício do próprio embargante.
  5. Presente hipótese de embargos de terceiros, fundado na boa-fé e aquisição a título oneroso, deve o processo ser julgado nos termos do parágrafo único do art. 130 do Código de Processo Penal, o qual preconiza que não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória. Precedentes deste Tribunal: AG 14979320144010000, relator Desembargador Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, e-DJF1 de 8/8/2014, e AGR 777188820124010000, relator convocado Juiz Federal Alexandre Buck Medrado Sampaio, Terceira Turma, e-DJF1 de 28/2/2014.
  6. Decretação da nulidade da sentença e determinação de apensamento à ação penal que dele se originou, para que, nos termos do art. 130, II, parágrafo único, do CPP, seja julgado apenas após o passar em julgado a sentença condenatória.
  7. Apelação a que se dá parcial provimento.

A decisão foi unânime.

Processo: 0022314-91.2013.4.01.3500

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