A Segunda Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais reformou a sentença da Comarca de Espinosa/MG que anulou decisão administrativa que cassou o benefício de aposentadoria por idade rural, reconheceu o cumprimento da carência mínima exigida para o gozo do benefício antes da saída da família da autora da zona rural e determinou o pagamento dos valores retroativos. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apelou aduzindo a inexistência de prova material do trabalho rural.
O relator, juiz federal convocado Guilherme Bacelar Patrício de Assis, ao analisar o caso, destacou que o benefício da autora foi cancelado porque o INSS apurou irregularidades nas declarações e documentos apresentados pela requerente, tendo em vista que, em pesquisa na fazenda onde a beneficiária apontou que exercia trabalho rural em Minas Gerais (Fazenda Mingu), foi informado que o cônjuge da autora já não exercia atividade rural havia muito tempo e que há prova de trabalho urbano em período recente, tendo a família se mudado para o interior de São Paulo há mais de dez anos.
Consta ainda dos autos ofício da Justiça Eleitoral informando que a requerente modificou seu domicílio eleitoral apenas seis meses antes da entrada do requerimento administrativo de aposentadoria por idade rural, declarando-se moradora da zona rural da cidade de Espinosa/MG, que até então constava como seu domicílio a cidade de Jundiaí/SP, “e o fato de não ter comparecido em nenhum turno de votação após a modificação do endereço é forte indício de que ela não residia em Espinosa/MG, afirmou o magistrado.
O juiz federal convocado sustentou ainda, em seu voto, que “dado o contexto fático-jurídico acima delineado, conclui-se que a autora, quando do requerimento administrativo (16/09/2005), então com 56 anos de idade, não residia na Fazenda Mingú, onde alega ter exercido suas atividades rurais ao longo de sua vida”.
Neste contexto, concluiu o relator, não evidenciada a qualidade de trabalhadora rural da requerente, mostra-se correta a decisão do INSS de rever e suspender o benefício da autora, o que, como é cediço, é corolário do poder de autotutela conferido à Administração Pública.
O recurso ficou assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE CAMPESINA. DOCUMENTOS EXTEMPORÂNEOS. EVIDÊNCIAS DE AFASTAMENTO DO CAMPO. BENEFÍCIO INDEVIDO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA REFORMADA.
-
A comprovação do efetivo labor como trabalhador rural em regime de economia familiar (segurado especial) se dá nos termos do art. 106 da Lei nº 8.213/91 e, na esteira de precedentes do STJ, por meio de início razoável de prova material, complementado por prova testemunhal, e, por ser apenas o início de prova, os documentos não precisam abranger todo o período a ser comprovado, como bem aponta o enunciado nº 14 da TNU.
-
“Conquanto não se exija a contemporaneidade da prova material durante todo o período que se pretende comprovar o exercício de atividade rural, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, admitida a complementação da prova mediante depoimentos de testemunhas.” (AgRg no REsp 1148294/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/10/2014).
-
A controvérsia cinge-se à aferição dos requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria rural à autora, posteriormente cancelado, uma vez que o INSS apurou irregularidade nas declarações e documentos por ela apresentados, porquanto, em pesquisa in loco na Fazenda Mingú, foi informado que o cônjuge da autora já não exercia atividade rural desde os anos 2000 e que havia prova de trabalho urbano nos anos de 1994 a 1995, tendo se mudado para o interior de São Paulo há mais de 10 anos.
-
Destarte, mais especificamente, o cerne da contenda repousa verificação de existência da prestação do labor rural pela autora a partir de 1994 até a data da concessão de seu benefício de aposentadoria por idade, em 16/09/2005, e, ainda, na existência de má-fé de sua parte.
-
A autora apresentou em seu requerimento administrativo as seguintes cópias de documentos para comprovação de labor rural (fl. 130), quais sejam: a) declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Espinosa, atestando o trabalho rural nos períodos de 1963 a 07/1974 (como comodatária do terreno do Sr. Antônio Alves Tolentino) e de 08/1974 a 16/09/2005 (como comodatária no terreno da sogra Felicidade Alves Tolentivo), datada de 16 de setembro de 2005 (fl. 22/23); b)certidão de casamento, na qual seu cônjuge é qualificado como lavrador, celebrado em 02/08/1974 (fl. 12); c) carteira de associação comunitária de Mingú, expedida em 06/05/2005 (fl. 71); d) carteira de identidade de produtor rural, expedida em 23/05/2004 (fl. 72); e) Certidão da Justiça Eleitoral, com indicação da profissão de trabalhador rural, emitida em 27/04/2005 (fls. 74); f) cópia autenticada de livro de matrícula escolar em escola rural dos anos de 1990 e 1992, sem indicação da profissão da autora (fl. 75/81).
-
De plano, observa-se que, à exceção da certidão de casamento e dos livros de matrícula escolar, todos os documentos são extemporâneos, tendo sido expedidos em época bastante próxima à data de entrada do requerimento administrativo pela autora. O livro de matrícula, por sua vez, nada diz sobre as atividades da autora.
-
Desse modo, o único documento que, a princípio, serviria de início de prova material do exercício de atividades campesinas pela autora, por extensão da qualificação de seu esposo, seria a sua certidão de casamento, celebrado em 02/08/1974, no município de Espinosa/MG.
-
Não obstante, os elementos de prova carreados aos autos evidenciam que a autora e seu esposo, há muito, deixaram as lidas rurais no interior de Minas Gerais, tendo se mudado para Jundiaí/SP.
-
Primeiramente, à vista do CNIS do esposo da autora, de fl. 68, infere-se que ele manteve vínculo empregatício urbano com a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços ltda., situada em Jundiaí, no período 01/07/1994 a 05/06/1996 e que fruiu benefício por incapacidade, no período de 08/11/1995 a 23/03/1996, tendo informado endereço naquele município.
-
O Ofício nº 53/2011-JE (fls. 164/167), oriundo da Justiça Eleitoral, denota que a autora modificou seu domicílio eleitoral apenas seis meses antes da entrada do requerimento administrativo de aposentadoria por idade rural, declarando-se moradora da zona rural da cidade de Espinosa/MG, sendo que até então constava como seu domicílio a cidade de Jundiaí/SP. O fato de não ter comparecido em nenhum turno de votação após a modificação de endereço é forte indício de que ela não residia em Espinosa/MG.
-
Outrossim, os depoimentos colhidos em sede administrativa pelo INSS, em 2010, e não impugnados pela autora em sede administrativa, corroboram os contundentes indícios de que ela não exercia atividades rurais em Espinosa, na fazenda Mingú.
-
Além disso, observa-se que os diversos relatórios, laudos e exames médicos acostados às fls. 47/52 e 170/208 evidenciam que, no período de 26/02/2008 a 18/02/2013, a autora residia no município de Jundiaí, com endereço na rua José Maria Whitaker, 19, Jardim São Camilo, em Jundiaí.
-
A referida documentação médica demonstra que a autora possuía condição de saúde incompatível com a prestação de labor rural, o que retira a força probatória dos depoimentos das testemunhas da autora inquiridas em 2011, que afirmaram que a autora residia em Espinosa e trabalhava em atividades campesinas até então.
-
Dado o contexto fático-jurídico acima delineado, conclui-se que a autora, quando do requerimento administrativo (16/09/2005), em então com 56 anos de idade, não residia na Fazenda Mingú, onde alega ter exercidos suas atividades rurais ao longo de sua vida.
-
Neste contexto, não evidenciada a qualidade de trabalhadora rural da autora, mostra-se correta a decisão do INSS de rever e suspender o benefício da autora, o que, como é cediço, é corolário do poder de autotutela conferido à Administração Pública.
-
Contudo, a despeito da falta de elementos de prova do exercício de labor rural pela autora, pelo período correspondente à carência do benefício vindicado, em momento posterior à data em que implementou a idade para se aposentar, não se vislumbra a existência de má-fé, cuja comprovação caberia ao INSS.
-
Destarte, há que se reformar a sentença para julgar improcedente o pedido exordial, revogando a tutela de urgência outrora concedida.
-
Tendo em vista que o pedido exordial é improcedente, os ônus sucumbências hão de ser invertidos. Assim, condeno a autora ao pagamento de honorários, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, e de custas judiciais, suspendendo as respectivas cobranças em razão do deferimento da justiça gratuita.
-
Apelação do INSS a que se dá provimento.
Dessa forma, o Colegiado deu provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, nos termos do voto do relator.
Processo: 0020235-80.2014.4.01.9199