Empresas carboníferas e órgãos de regulamentação são condenados por danos ambientais

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação da Carbonífera Criciúma S/A, da Cooperativa de Extração de Carvão Mineral dos Trabalhadores de Criciúma Ltda (Cooperminas), da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reparação de danos ambientais causados pela lavra de carvão mineral em subsolo na região de Criciúma (SC). Além disso, os réus ainda foram condenados à indenização dos proprietários dos imóveis localizados na superfície das minas de carvão, pelos danos materiais (danos às edificações e terrenos, desvalorização das propriedades e lucros cessantes) e pelos danos morais causados. A decisão foi proferida por unanimidade pela 3ª Turma da Corte em sessão de julgamento realizada no dia 31/8.

O caso se trata de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) que buscava prevenir, cessar e reparar danos ambientais, patrimoniais e morais decorrentes da mineração de carvão em subsolo no município catarinense. Foram incluídos no processo, como réus, órgãos regulamentadores da atividade e diversas empresas que atuam no ramo.

No julgamento em primeira instância foi proferida sentença determinando a reparação dos danos por parte da ANM e do IMA, juntamente com as empresas carboníferas. Também foi estabelecida a exigência para que os órgãos regulamentadores obrigassem as empresas exploradoras a adotarem um método de mineração alternativo ao uso de explosivos. A Justiça Federal de SC entendeu que para promover a segurança das minas de carvão de subsolo deveria ocorrer a troca de tecnologia de extração, substituindo o uso de explosivos pelo de minerador contínuo.

Tanto as empresas mineradoras quanto a ANM e o IMA recorreram da sentença ao TRF4. A 3ª Turma, após julgar os recursos de apelação, manteve as condenações.

A desembargadora Marga Inge Barth Tessler, relatora do caso, destacou em seu voto: “a atividade de mineração praticada pelas empresas rés no subsolo da região sul de SC causou diversos danos ambientais. A atividade de exploração de carvão é potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente e, assim, a responsabilidade das empresas rés é inequívoca”.

A magistrada ainda apontou que “caracterizados os danos ambientais, materiais e morais causados pela atividade de mineração de carvão de subsolo, a omissão culposa do IMA e da ANM no que tange à ordenação e fiscalização da atividade, e o nexo de causalidade entre a omissão no exercício do poder de polícia e os danos verificados, configurada está a responsabilidade dos órgãos pela reparação de tais danos”.

Tessler ressaltou que a situação examinada nos autos “impõe a condenação da ANM e do IMA, de forma solidária com as empresas rés, ao reparo dos danos ambientais causados pela lavra de carvão mineral, bem como à indenização dos proprietários dos imóveis na superfície das minas, pelos danos morais e pelos danos materiais às edificações e terrenos, desvalorização das propriedades e lucros cessantes”.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINERAÇÃO DE SUBSOLO. SUL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO DE DANOS PATRIMONIAIS (DANOS EM EDIFICAÇÕES, DESVALORIZAÇÃO DE IMÓVEIS E LUCROS CESSANTES) E MORAIS. REEXAME NECESSÁRIO. ACORDO PARCIAL. AGRAVO RETIDO. COISA JULGADA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DNPM/ANM.   PRESCRIÇÃO. MARCO TEMPORAL. SUBSIDÊNCIA. DIMENSIONAMENTO E VIDA ÚTIL DE PILARES. ADOÇÃO DE PROVIDÊNCIAS PARA RESGUARDAR O MEIO AMBIENTE E OS SUPERFICIÁRIOS. ARTIGO 225, §3º DA CF/1988, ARTIGO 47, VIII DO DECRETO-LEI 227/1967 E LEI 6.938/81. ARTIGO 927 DO CÓDIGO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DIREITO DOS SUPERFICIÁRIOS AO PRODUTO DA LAVRA. PROVA DA AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE EVENTUAIS DANOS E A ATIVIDADE MINEIRA EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE GARANTIAS. RESPONSABILIZAÇÃO DO DNPM/ANM E FATMA/IMA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. PREQUESTIONAMENTO.

1. O reexame necessário é obrigatório, no caso presente, sob pena de nulidade. Ademais, a jurisprudência do Egrégio STJ sustenta aplicável o artigo 19 da lei da ação popular para a ação civil pública.

2. Consoante Termo de Acordo firmado judicialmente, foi extinto, o feito, com resolução de mérito, em relação a: Carbonífera Belluno Ltda, Indústria Carbonífera Rio Deserto Ltda., Carbonífera Catarinense Ltda., Carbonífera Metropolitana S.A e Minageo Ltda.

3. Os tópicos não ampardos pelo acordo são os seguintes: apelações da Carbonífera Criciúma S/A e Cooperminas, apelação do Ministério Público Federal e todos os temas atinentes à responsabilidade civil da ANM e IMA.

4. Quanto ao agravo retido oposto por Carbonífera Criciúma S/A, em face de decisão que indeferiu o chamamento dos Municípios que compõem a bacia carbonífera catarinense e dos loteadores que instalaram empreendimentos na região, com acerto a decisão agravada, visto que não há a responsabilidade solidária pretendida pela agravante a ensejar o chamamento ao processo nos termos do artigo 77 do CPC/1973, ademais a solidariedade decorre da lei ou do contrato.

5. Embora haja alguma semelhança entre a presente ação e a ACP do Carvão, as ações são distintas. Quanto à ACP do Carvão (autos nº 93.8000533-4) abrangia os danos ambientais decorrentes da mineração a céu aberto, das minas em condições de abandono e dos depósitos de rejeito. Já, a presente ACP trata acerca dos danos ao meio ambiente e aos superficiários oriundos da mineração de subsolo – a postulação abarca apenas os danos originados de subsidências, entre os quais, caimentos de solo e perda de águas, secamento de poços, açudes e lagos, danos a obras civis, e também a perturbação a superficiários  em razão do uso de forma abusiva de explosivos. Ademais, na presente ação, são postuladas medidas técnicas e de fiscalização a fim de reduzir os riscos da mineração de subsolo para o meio ambiente e para os superficiários. Logo, não há falar em coisa julgada.

6. A preliminar de inépcia da petição inicial arguida pela Cooperminas, em razão da ausência da União no polo passivo, não pode ser acolhida, visto ser extemporânea e, ademais, a inépcia da inicial se refere a defeitos relacionados à causa de pedir e ao pedido, trata-se de defeitos que impedem o julgamento do mérito da causa. Ainda, no caso, a União não integra o polo passivo do feito, visto que o DNPM fora transformado em autarquia federal no ano de 1994 e, assim, adquiriu personalidade jurídica própria.

7. O Ministério Público Federal tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação como substituto processual dos particulares, titulares das propriedades atingidas, mormente considerando que se trata de pessoas modestas, pequenos proprietários nas áreas atingidas.

8. O antigo DNPM, atual ANM, possui legitimidade para integrar o polo passivo do feito. O DNPM era autarquia vinculada ao Ministério de Minas, com competências previstas na Lei 8.876/1994. Era responsável pela exploração mineral e inclusive o controle ambiental segundo o artigo 11 da Estrutura Regimental do DNPM, Decreto 1.324/1994, Anexo 1.

9. No que tange à possibilidade de reconhecimento genérico da prescrição dos danos materiais e morais pleiteados pelo autor da ação em favor dos superficiários, somente na fase da liquidação de sentença poderá ser analisado caso a caso, conforme referiu o juízo originário na sentença recorrida, a qual deve ser mantida quanto à análise da prescrição.

10. Assiste razão ao Ministério Público Federal ao aduzir que não foram antepostos limites temporais ao pedido. Afasta-se a limitação temporal para abranger todos os danos comprovados nos autos, mesmo que ocorridos após o encerramento das atividades minerárias. Os danos futuros e incertos ficam afastados.

11. No que tange ao pagamento de atrasados referente à participação na lavra, deve ser mantida a snetença, visto que o pedido de pagamento de eventuais parcelas atrasadas não consta na petição inicial.

12. A sentença, considerando a perícia realizada e as evidências quanto ao uso de explosivos, com acerto, determinou que as empresas mineradoras gradativamente substituam o uso de explosivos pelo minerador contínuo, sem prejuízo da autorização do uso de explosivos em situações nas quais não seja recomendado o uso de minerador contínuo.

13. As vibrações decorrentes do uso de explosivos, inclusive com detonações durante a madrugada, causaram diversos danos em edificações e danos extrapatrimoniais aos superficiários.

14. Não há como ser acolhida a tese no sentido de que a determinação judicial para que seja utilizado minerador contínuo interfere na discricionariedade da empresa, pois rigorosamente não há “poder discricionário do minerador”, mas atividade fartamente regulada e fiscalizada com apoio na técnica e ciência

15. É imprescindível que as empresas mineradoras sejam obrigadas a apresentar mapa de risco para cada mina, considerando as condições geológicas e hidrológicas, os mananciais hídricos, as estruturas civis e benfeitorias existentes em superfície e o uso do solo, apresentado fatores de segurança dos pilares diferenciados considerando o risco. Nessa linha de entendimento, não há reparos a serem realizados na sentença, no ponto relativo ao dimensionamento e à vida útil dos pilares de carvão.

16. A atividade de mineração praticada pelas empresas rés no subsolo da região sul do Estado de Santa Catarina causou diversos danos ambientais. A atividade de exploração de carvão é potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente e, assim, a responsabilidade das empresas rés é inequívoca.

17. No que tange ao dever de reparação dos danos, nos termos do artigo 225, §3º, da Constituição de 1988, estão abrangidos além dos danos ao meio ambiente, eventuais danos materiais e morais decorrentes da conduta lesiva ao meio ambiente.

18. O artigo 47, VIII, do Decreto-lei nº 227/1967 determina o dever do titular da concessão a responder pelos danos e prejuízos a terceiros que resultem de forma direta ou indireta da lavra.

19. A Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) possui previsão de responsabilidade objetiva em relação ao causador do dano ambiental, que independe de dolo ou culpa, incluindo os danos causados a terceiros.

20. Está prevista no artigo 927 do Código Civil a responsabilidade civil por danos materiais, o qual prevê a responsabilização objetiva quando a atividade normalmente exercida pelo causador do dano implicar, em razão de sua natureza, risco para terceiros.

21. Realizadas provas pericial e testemunha para instruir o feito, resta comprovado que várias edificações na superfície das minas de subsolo possuem danos estruturais, trincas, rachaduras, afundamento de piso, entre outros  danos. Consoante atestou o perito judicial, tais danos estruturais em edificações estão relacionados a minas mais antigas e também às mais recentes, o que enseja o direito dos superficiários à indenização pelos danos materiais sofridos.

22. Demonstrada, portanto, a existência de diversos danos em imóveis de superficiários que se encontravam no perímetro de lavra ou no seu entorno próximo, ficará para a liquidação de sentença a definição exatamente de quais superficiários terão direito à indenização.

23. Houve, no caso dos autos, a inversão do ônus da prova em relação ao nexo de causalidade, tendo em vista a clara situação de hipossuficiência que ostentam os superficiários, e em razão de não terem sido eles os criadores da situação de risco, mas, sim, as empresas mineradoras, que teriam toda a condição de afastar eventual nexo de causalidade caso tivessem se desincumbido de sua obrigação de realizar o laudo de engenharia nas residências previamente à lavra.

24. Os lucros cessantes correspondem a direito individual  dos proprietários/vítimas, os quais deverão demonstrar e quantificar os lucros cessantes em sede de liquidação de sentença. Correspondem, os lucros cessantes, àquilo que o lesado deixou de lucrar em consequência do evento danoso.

25. É possível que haja vários proprietários na mesma situação. Assim, acertada a condenação das empresas rés em indenizar os superficiários que deixaram de lucrar em razão da extração de minas de carvão em subsolo na região carbonífera catarinense, os quais deverão comprovar seu prejuízo  em sede de liquidação de sentença.

26. A desvalorização dos imóveis nas áreas em que realizada mineração no subsolo, na região carbonífera do Estado de Santa Catarina, restou comprovada através da prova testemunhal.

27. O dano moral está previsto no artigo 5º, incisos V e X e artigo 114, inciso VI, da Constituição de 1988 e nos artigos 186, 927 caput e parágrafo único do mesmo artigo, e no artigo 944, do Código Civil. Já a Súmula 37 do STJ prevê a possibilidade de cumulação das indenizações por dano material e moral originários do mesmo fato.

28. As provas testemunhal e pericial comprovam diversas situações intensas e extremas decorrentes da forma como ocorreu a atividade de mineração em subsolo na região Sul de Santa Catarina, em razão dos abusos praticados pelas empresas mineradoras requeridas ao lado da omissão do DNPM e da FATMA.

29. Deve ser assegurado aos requeridos que, na fase de liquidação de sentença, relativamente ao período anterior à concessão da liminar, possam fazer uso das provas em direito admitidas para comprovar a ausência do nexo de causalidade entre os danos materiais (danos às edificações) e sua atividade.

30. Consoante a prova pericial realizada, a vida útil dos pilares é uma incerteza. Nesse contexto, correta a imposição de garantias às empresas rés, levando em consideração o grau de risco de cada mina em concreto e o valor dos bens ambientais e patrimoniais existentes na superfície, para tornar viável e real o desenvolvimento sustentável.

31. A participação dos superficiários em relação ao produto da lavra está prevista no Código de Mineração, Decreto-lei nº 227/67, artigo 11, letra b,  com a redação dada pela Lei nº 8.901/94, e também no artigo 176, § 2º, da Constituição de 1988.

32. O dever de fiscalização da FATMA decorre do disposto no artigo 225, caput da Constituição de 1988 e também no artigo 10 da Lei 6.938/1981, que vigorou até 2011. Porém, comprovada, nos autos, a omissão da FATMA, na fiscalização do cumprimento das licenças ambientais.

33. Os esforços do DNPM, que se admite também em alguma medida realizados, não foram suficientes, não foram sistemáticos, não se realizaram ex ofício, não havia programa de vistorias regulares de molde a verificar como eram realizados os pilares de sustentação. Não há nos autos registro de aplicação de multas em caso de pilares com fator de segurança inferior ao projetado. Nada fez para punir o comprometimento dos cursos d’água e segurança dos próprios mineiros.

34. Caracterizados os danos ambientais, materiais e morais causados pela atividade de mineração de carvão de subsolo, a omissão culposa da FATMA e do DNPM no que tange à ordenação e fiscalização da atividade, e o nexo de causalidade entre a omissão no exercício do poder de polícia e os danos verificados, configurada está a responsabilidade da FATMA e do DNPM pela reparação de tais danos, consoante a legislação em vigor.

35. Impõe-se a condenação do DNPM e da FATMA, de forma solidária com as empresas rés, ao reparo dos danos ambientais causados pela lavra de carvão mineral em subsolo, bem como à indenização dos proprietários dos imóveis na superficie das minas de carvão, pelos danos materiais (danos às edificações e terrenos, desvalorização das propriedades e lucros cessantes) e pelos danos morais.

36. O efeito suspensivo à apelação é exceção no microssistema do processo coletivo (artigo 14 da Lei nº 7.347/85), sendo que a regra geral é atribuição apenas do efeito devolutivo ao recurso interposto em sede de ação civil pública, sendo que somente em situações excepcionalíssimas, como por exemplo, para evitar dano irreparável à parte, poderá o juiz conferir efeito suspensivo. Não merece ser acolhido o pedido, no caso.

37. Quanto ao prequestionamento, devidamente enfrentadas as questões propostas pelas partes, não se faz necessária a análise expressa de todos os dispositivos legais invocados nas razões dos embargos. Com efeito, “prequestionamento” corresponde ao efetivo julgamento de determinada tese jurídica apresentada pelas partes, de razoável compreensão ao consulente da decisão proferida pelo tribunal respectivo, apto, dessa forma, à impugnação recursal excepcional. Significa bem apreciar as questões controvertidas à luz do ordenamento jurídico, sem que, no entanto, haja a necessidade de que se faça indicação numérica, ou mesmo cópia integral dos teores normativos que embasaram a decisão.

Nº 5001478-03.2015.4.04.7204

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