O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o pedido da União para que fosse reformada a sentença, da 2ª Vara Federal do Tocantins, que declarou a empresa pública Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S/A inadimplente em uma desapropriação. A primeira instância determinou o pagamento de indenização por perdas e danos no valor de R$ 494.997,12 por parte da Valec a um casal de agricultores. A instituição não realizou as obras pactuadas em contrato de desapropriação que gerou prejuízo ao casal.
Consta no processo que o casal era proprietário de um complexo de três fazendas em terras de mais de 53 hectares. Parte dessa área foi desapropriada para a construção da Ferrovia Norte-Sul no município de Porto Nacional /TO. Pelo acordo assinado, além de a indenização, a Valec comprometeu-se a edificar acessos entre as fazendas, pastagens, cercas e outras benfeitorias para que a atividade agropecuária não fosse interrompida. Uma perícia no local constatou que a empresa não executou as obras necessárias e que as construções feitas não atenderam às necessidades de trabalho dos agricultores, pois as obras estavam fora do padrão para a atividade rural. A má qualidade do serviço de engenharia realizado pela Valec deixou parte da propriedade rural isolada, impossibilitando o acesso às pastagens existentes. Esse fato gerou a desvalorização do imóvel e trouxe prejuízos ao casal de agricultores. Por isso, eles recorreram à Justiça para pedir a reparação de danos devido à desapropriação.
Em sua defesa, a Valec alegou ilegitimidade passiva, pois não seria a responsável imediata nesse acordo. A instituição apontou que a construção do trecho da Ferrovia Norte-Sul que passa nas terras da referida fazenda foi realizada pela empresa SPA Engenharia Indústria e Comércio Ltda. A empresa assumiu as responsabilidades advindas da obra. Ressaltou que as obrigações assumidas já foram cumpridas ou estavam em andamento. Destacou que a perícia realizada não aplicou a norma NBR 14.653-3:2004, que prescreve a utilização de imóvel o mais semelhante possível com o avaliado na pesquisa de preço, além de não ter sido realizada vistoria técnica nos imóveis utilizados como amostra e que não foi caracterizada a depreciação dos remanescentes, estando ausentes provas e dados suficientes.
O caso foi analisado pela 5ª Turma do TRF1 sob a relatoria do juiz federal convocado Caio Castagine Marinho. Ele afirmou, em seu voto, que a responsabilidade civil objetiva do Estado nasce quando o indivíduo sofre algum dano. O magistrado enfatizou que a Valec, responsável pelo dano causado aos autores, possui natureza jurídica de empresa pública federal e compõe o quadro da Administração Indireta do Estado, razão pela qual a empresa deve responder objetivamente pelos danos causados a terceiros, inclusive a particulares. Após apontar a legitimidade passiva da empresa, o juiz federal apontou que o perito utilizou como parâmetro de comparação o valor de mercado da área avaliada com base na coleta de dados e informações confiáveis a respeito de negociações realizadas e ofertas, contemporâneas à data de referência da avaliação, em observância ao que preceitua a NBR 14.653-3.2004.
Para o magistrado, o dano do não cumprimento de obrigações assumidas foi devidamente quantificado pelo trabalho pericial apresentado nos autos. A perícia considerou a depreciação da área remanescente, os obstáculos e as complicações geradas no imóvel rural. Assim sendo, o juiz federal destacou ser cabível o pagamento de indenização por perdas e danos em virtude do reconhecido inadimplemento das obrigações contratuais assumidas pela VALEC e do prejuízo extraordinário e imprevisível decorrente.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VALEC. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA CONSTRUÇÃO DA FERROVIA NORTE-SUL. OBRIGAÇÃO CONTRATUAL ASSUMIDA PELA VALEC AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO E REALIZAÇÃO DE BENEFEITORIAS NECESSÁRIAS NO IMÓVEL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA VALEC. CONVERSÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM PERDAS E DANOS. VALOR ARBITRADO CONFORME PERÍCIA JUDICIAL. SENTENÇA MANTIDA.
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A presente ação se resume à pretensão reparatória pelos danos causados pela desapropriação de parte de imóvel rural para a construção da Ferrovia Norte-Sul e pelo alegado descumprimento do contrato firmado entre a parte autora e a VALEC, no qual a empresa se comprometeu em pagar indenização, além de edificar acessos, pastagens, cercas e outras benfeitorias necessárias à continuidade da atividade agropecuária desempenhada nas propriedades.
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O laudo pericial constatou o dano gerado em razão do não cumprimento da obrigação contratual assumida pela VALEC, considerando a depreciação da área remanescente, os obstáculos e as complicações ocorridas no imóvel rural.
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Não demonstrada qualquer irregularidade que possa desacreditar o teor do laudo pericial apresentado, o qual foi utilizado como elemento de convicção do Juízo.
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O laudo pericial juntado nestes autos goza de presunção de legitimidade, especialmente por força da imparcialidade, veracidade e conhecimento técnico na elaboração dos cálculos. Nesse sentido: AC 0025776-73.2006.4.01.3800, DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, TRF1 – SÉTIMA TURMA, e-DJF1 07/06/2019 PAG.
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Com base na recalcitrância da VALEC em cumprir com as suas obrigações de fazer, torna-se legítima a conversão da referida obrigação em perdas e danos, nos termos dos artigos 247 e 248 do Código Civil.
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Não merece reforma a sentença, que reconheceu o direito da parte autora para declarar inadimplida a obrigação contratual da VALEC, convertendo-a em perdas e danos, ante a impossibilidade de cumprimento.
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Diante da recalcitrância da contratante em cumprir ordem judicial que antecipou os efeitos da tutela, esta Corte já se manifestou acerca da manutenção da multa aplicada, nos termos do seguinte julgado: AC 0006481-41.2005.4.01.3200, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1 – TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF1 22/06/2016 PAG.
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Apelação da VALEC desprovida.
Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação da Valec.
Processo nº: 0008050-65.2011.4.01.4300