Em que pese a ausência de registro de lance de empresa construtora participante de pregão eletrônico, a parte licitante tem direito de apresentar o recurso e suas razões recursais, decidiu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao julgar remessa oficial sob relatoria do desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira.
A remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.
No mandado de segurança, a requerente sustentou ter enviado o lance de sua proposta antes do encerramento do prazo, mas o lance não foi registrado pelo sistema eletrônico e a pregoeira aceitou e habilitou proposta de outra licitante. Argumentou a licitante que a autoridade coatora rejeitou preliminarmente a intenção de recorrer da impetrante em razão da falta de registro no sistema eletrônico, deixando de apreciar suas razões recursais.
A sentença remetida concedeu a segurança para “assegurar à parte licitante o direito de apresentar as suas razões recursais dentro do prazo de três dias, conforme estabelece o art. 4º, inciso XVIII, da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão Eletrônico) e, posteriormente, submetê-lo a julgamento pela autoridade administrativa”.
O relator, ao examinar o processo, considerou indispensável analisar as razões recursais a serem apresentadas pela parte impetrante, já que a sua desclassificação no certame ocorreu em virtude de uma possível falha no sistema eletrônico utilizado pela autoridade coatora.
Entendeu o magistrado que, “a fim de verificar os reais motivos que levaram ao afastamento do registro de lance, mostra-se necessária a concessão de um prazo adequado e razoável para a impetrante manifestar a sua intenção de recorrer, sob pena de afrontar os princípios da legalidade, da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade”.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. ENVIO DE LANCE. AUSÊNCIA DE REGISTRO. INTENÇÃO DE RECORRER. CONCESSÃO DE PRAZO EXÍGUO. REJEIÇÃO PRELIMINAR. LEI N. 10.520/2002, ART. 4º, INCISO XVIII. DECRETO N. 10.024/2019, ART. 13, INCISO IV, C/C ART. 17, INCISO VII. RECURSO ADMINISTRATIVO. PRAZO DE TRÊS DIAS ÚTEIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
1. Remessa oficial em face de sentença que assegurou à impetrante a suspensão da decisão proferida pela autoridade coatora e concedeu o prazo de 03 (três) dias para interpor recurso administrativo, com o seu processamento e julgamento.
2. No caso, a impetrante alega ter enviado o lance com sua proposta, na fase de “disputa fechada”, antes do encerramento do prazo, no âmbito do Pregão Eletrônico n.º 384/2019-05, realizado sob o critério de julgamento de menor preço. Contudo, o lance não foi registrado pelo sistema eletrônico, de modo que, logo após a finalização da etapa, a autoridade coatora aceitou a proposta apresentada por outra licitante, efetivando a sua respectiva habilitação.
3. A autoridade coatora rejeitou, preliminarmente, a intenção de recorrer apresentada pela parte impetrante, em razão da ausência de registro por parte do sistema eletrônico, deixando de apreciar as suas razões recursais.
4. Em que pese o prazo exíguo para apresentação de recurso, bem como a ausência de registro do lance, mostra-se indispensável assegurar à parte licitante o direito de apresentar as suas razões recursais, dentro do prazo de 03 (três) dias, conforme estabelece o art. 4º, inciso XVIII, da Lei n. 10.520/2002, e, posteriormente, submetê-lo a julgamento pela autoridade administrativa. Precedentes deste Tribunal declinados no voto.
5. Portanto, a fim de verificar os reais motivos que levaram ao afastamento do registro de lance, mostra-se necessário a concessão de um prazo adequado e razoável para a impetrante manifestar a sua intenção de recorrer, sob pena de afrontar os princípios da legalidade, da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade.
6. O exame de mérito, na modalidade de licitação de pregão eletrônico, no caso de não haver juízo de retratação pelo pregoeiro, constitui atribuição da autoridade administrativa competente, nos termos art. 13, inciso IV, e art. 17, inciso VII, do Decreto n. 10.024/2019.
7. Na hipótese dos autos, a decisão liminar determinou a suspensão da decisão proferida pela pregoeira que rejeitou a intenção de recorrer, e determinou a apresentação de prazo para a interposição de recurso administrativo, em 06/03/2020, merece ser mantida a sentença pela situação de fato consolidada.
8. Em sede de remessa oficial, confirma-se a sentença se não há quaisquer questões de fato ou de direito, referentes ao mérito ou ao processo, matéria constitucional ou infraconstitucional, direito federal ou não, ou princípio, que a desabone.
9. A ausência de recursos voluntários reforça a higidez da sentença, adequada e suficientemente fundamentada, sobretudo quando não há notícia de qualquer inovação no quadro fático-jurídico e diante da satisfação imediata da pretensão do direito, posteriormente julgado procedente.
10. Remessa oficial desprovida.
Com esses fundamentos, o Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento à remessa oficial, mantendo a sentença.
Processo: 1008180-95.2020.4.01.3500