O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) da sentença em ação civil pública por dano ambiental movida pelo MPF e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proferida pela Seção Judiciária do Pará (SJPA). O pedido dos entes públicos se fundamenta no desmatamento em área do município de Rondon do Pará/PA constatado por satélite do “Amazônia Protege”. Esse projeto realiza o monitoramento por satélite do desmatamento em “corte raso” na Amazônia Legal e divulga, desde o ano de 1988, as taxas anuais de desmatamento na região.
O juízo de primeiro grau extinguiu o feito sem examinar o mérito, nos termos do art. 321, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC), ao fundamento de que a petição inicial não identificou nem localizou que pessoas estavam sendo processadas. Por esse motivo, o MPF recorreu, e o processo foi julgado pela 6ª Turma do TRF1.
No recurso, o MPF defendeu, com base no art. 256, inciso I, do CPC, que é possível propor ação ambiental em face de pessoa incerta e não localizada. Assim, foram “propostas ações contra todos os responsáveis por polígonos iguais ou superiores a 60 (sessenta) hectares desmatados ilegalmente, conforme divulgado pelo Prodes” (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), sendo comum a não localização dos responsáveis por desmatamentos ambientais, “já que a atividade produtiva costuma acontecer cerca de três a quatro anos após o dano ambiental, justamente para evitar a responsabilização daqueles que cometeram os atos ilícitos.”
Reparação do dano ambiental – No voto, o relator, desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira, registrou que o fato de o MPF e o Ibama moverem ação civil pública em face de pessoa incerta e não localizada não deve obstar o prosseguimento da ação, tampouco ocasionar a sua extinção, sem resolução do mérito, sob pena de não haver a reparação do dano ambiental e a correta responsabilização dos possíveis infratores ambientais que se valem da terra rural para auferirem lucros e obterem outros proveitos econômicos, como a extração ilegal de madeiras.
Jamil Oliveira prosseguiu afirmando que como a responsabilidade civil pelos danos ambientais acompanha a propriedade da terra (propter rem) é possível responsabilizar os atuais proprietários e possuidores pelos atos anteriores, como previsto expressamente no art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.651/2012 e na Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em seu voto, o magistrado concluiu que não deve haver impedimento para o prosseguimento da ação até que seja possível a localização e a responsabilização dos infratores, “tudo em homenagem à indisponibilidade do bem ambiental e aos princípios do poluidor-pagador (que prevê a reparação por aquele que causa degradação por sua atividade impactante), da precaução e da obrigatoriedade da proteção ambiental”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROJETO “AMAZÔNIA PROTEGE”. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL. DESMATAMENTO ILEGAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA PESSOA INCERTA E NÃO LOCALIZADA. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 623 DO STJ. ADMISSIBILIDADE. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública ambiental movida pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA em face de pessoa incerta e não localizada, devido à impossibilidade de verificar, neste momento, o eventual autor ou o proprietário da área a ser responsabilizado pelo dano ambiental.
2. A sentença indeferiu a petição inicial e julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 321, parágrafo único, do CPC. O Ministério Público Federal interpôs apelação defendendo a possibilidade de propor ação ambiental em face de pessoa incerta e não localizada, com base no art. 256, inciso I, do CPC.
3. Para se efetivar a citação por edital, em ação de reparação ambiental, não se mostra necessária a realização de diligência pessoal in loco por oficial de justiça ou agente estatal, já que os autores valeram-se de dados públicos, inseridos em bancos de dados, para obterem informações sobre eventuais proprietários, como o Cadastro Ambiental Rural – CAR, o Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF, o Sistema de Acesso a Informações do Programa Terra Legal, o Sistema Nacional de Certificação de Imóveis – SNCI e o Auto de Infração e Embargo da área. Além disso, o Código de Processo Civil autoriza, em seu art. 256, inciso I, a citação por edital quando o réu for desconhecido ou incerto, e se forem infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.905.367/DF e AREsp n. 1.696.789/RO) e deste Tribunal (EDAC 0000183-86.2018.4.01.3908 e AC 1000233-82.2019.4.01.3901) declinados no voto.
4. A responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais é de natureza objetiva e do tipo propter rem, isto é, adere-se à propriedade e possibilita a responsabilidade do atual proprietário ou possuidores anteriores por atos praticados por possuidores ou proprietários passados, conforme previsão expressa do art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012. Eis o teor da Súmula n. 623 do Superior Tribunal de Justiça: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
5. A obrigação de reparar o meio ambiente acompanha a coisa, independentemente de quem quer que seja o efetivo causador do dano ambiental, de modo que aquele que se encontra presentemente no imóvel, ou nele se encontrar futuramente, seja a título de propriedade, seja a título de posse, deve arcar com a reparação do dano ambiental, porque essa obrigação adere à coisa.
6. O meio ambiente tem natureza difusa, sendo de interesse de toda a sociedade e considerado bem de uso comum, de modo que a sua reparação deve ser imposta a todos – Poder Público e coletividade – especialmente no que tange ao dever de proteger e preservar para as presentes e futuras gerações, conforme estabelecido no art. 225 da Constituição de 1988.
7. A pretensão do Ministério Público Federal merece prosperar, porque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal admite a obrigação de reparar o dano ambiental como espécie propter rem, o que não deve servir, de forma alguma, de impedimento para prosseguir na demanda ambiental em face de pessoa incerta e não localizada, até que seja possível a localização de possíveis infratores e a responsabilização destes pela degradação do meio ambiente, tudo em homenagem à indisponibilidade do bem ambiental e aos princípios do poluidor-pagador, da precaução e da obrigatoriedade da proteção ambiental. Precedentes.
8. Apelação provida.
Nos termos do voto do relator, o Colegiado, por unanimidade, reformou a sentença para acolher o pedido do MPF e do Ibama e dar prosseguimento à ação no primeiro grau de jurisdição.
Processo: 1000524-82.2019.4.01.3901