É nulo processo administrativo que aplicou sanção a restaurante universitário por reclamação de mosca na comida sem observância do contraditório e ampla defesa

Um restaurante conseguiu no Tribunal Regional Federal da 1 Região (TRF1) anular um processo administrativo em que não foi observado o devido processo legal.  O caso teve início após a empresa receber uma carta de notificação da universidade pública onde o restaurante está instalado informando da aplicação de sanções pelo descumprimento de cláusulas contratuais. Isso porque, no e-mail, com foto, constava a reclamação de uma estudante que relatava ter encontrado uma mosca no feijão do restaurante.
Tendo recebido apenas essa carta de notificação informando da aplicação de sanções pela contratante, a empresa responsável pelo restaurante universitário ajuizou ação para discutir a regularidade do procedimento administrativo que culminou com a aplicação da penalidade. A sentença foi desfavorável ao pedido de anulação, e a autora da ação, inconformada, recorreu ao Tribunal Regional Federa da 1ª Região (TRF1).
A empresa relatou que não foi intimada para se defender no processo administrativo e o recurso que apresentou da sanção não foi analisado.  Sustentou também que, pela foto encaminhada pela estudante, não se pode comprovar que a refeição foi preparada e realizada no restaurante universitário.  
A Procuradoria Jurídica da universidade, no processo administrativo, emitiu parecer afirmando que o ocorrido “por si só não é suficiente para comprovar a falta de higiene no Restaurante Universitário, parecendo-nos que a presença de insetos em ambientes amplos é rotineira em locais muito arborizados”. 
Por todas essas irregularidades no processo administrativo, a apelante requereu a reforma da sentença e a declaração de nulidade total do processo administrativo e da glosa (não-pagamento) do valor de R$ 122.461,10, aplicada a título de sanção. 
Garantia aos princípios constitucionais– Na relatoria do processo, o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, membro da 5ª Turma do TRF1, observou que foi mantida a sanção sem análise ou justificativa para afastar os argumentos da empresa e o parecer da procuradoria.  
Com isso, o magistrado assinalou a ausência de garantia aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LIII, LIV e LV da Constituição Federal. 
Os princípios constitucionais devem ser observados tanto no processo judicial como no administrativo, prosseguiu o relator e, dessa forma, “considerando as nulidades verificadas no processo administrativo que culminou na aplicação da sanção, deve ser reformada a sentença, para julgar procedente o pedido para anular o procedimento administrativo e a glosa dele decorrente”, concluiu Brandão. 
O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO PARA FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO. RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO. RECLAMAÇÃO RECEBIDA POR EMAIL. APLICAÇÃO DE SANÇÃO. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO POR INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. MERA COMUNICAÇÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DE SANÇÃO. AUSÊNCIA DE GARANTIA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NULIDADE RECONHECIDA.

1. Trata-se de apelações interpostas por O Universitário Restaurante Indústria Comércio e Agropecuária e pela Fundação Universidade de Brasília – FUB em face de sentença que julgou improcedente o pedido que visava a anulação de procedimento administrativo e de glosa efetuada pela Administração em razão de suposto descumprimento de cláusulas contratuais.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ é firme no sentido de que “o controle do Poder Judiciário no tocante aos processos administrativos disciplinares restringe-se ao exame do efetivo respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo vedado adentrar no mérito administrativo. O controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos diz respeito ao seu amplo aspecto de obediência aos postulados formais e materiais presentes na Carta Magna, sem, contudo, adentrar o mérito administrativo. Para tanto, a parte dita prejudicada deve demonstrar, de forma concreta, a mencionada ofensa aos referidos princípios” (STJ, RMS 47.595/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/10/2015).

3. Em processo administrativo ou judicial, considera-se nulo, de pleno direito, todo ato que não observa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa assegurados no art. 5º, LIV e LV, da CF/88. Precedentes desta Corte.

4. Ao que se verifica dos autos do processo administrativo acostado aos autos não foram observados os referidos princípios constitucionais, dada a ausência de oportunidade para a empresa apresentar defesa acerca do fato narrado em reclamação ou requerer a produção de provas. A parte autora recebeu tão somente Carta de Notificação informando da aplicação das sanções previstas em contrato, verificando-se, portanto, ofensa aos princípios que regem o processo administrativo.

5. Ademais, o recurso administrativo apresentado pela empresa não foi apreciado pela Administração, tendo sido apenas mantida a determinação de aplicação de sanção sem qualquer fundamentação ou referência às razões de defesa. Cumpre salientar que nem mesmo foram indicadas as razões para afastar as conclusões do parecer apresentado pela Procuradoria Jurídica da Fundação Universidade de Brasília, que assim dispôs: “a defesa apresentada pela empresa não se apresenta como descabida, cabendo-nos a manifestação desfavorável à aplicação da referida multa apenas por esse fato”. Assim sendo, resta configurada também a violação ao princípio da fundamentação das decisões administrativas, vício que enseja a nulidade da sanção aplicada.

6. A existência de defesa apresentada em outros procedimentos administrativos não pode ser considerada como efetiva defesa no processo administrativo em discussão, que tinha por fundamento fato concreto decorrente de reclamação formalizada por aluna.

7. Considerando a reforma da sentença devem ser invertidos os ônus da sucumbência, razão pela qual condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do proveito econômico obtido, conforme regra do art. 85, §3º do CPC. Afastada a majoração dos honorários advocatícios por se tratar de recurso conhecido e provido.

8. Apelação da parte autora provida. Apelação da Fundação Universidade de Brasília, que versava sobre os honorários advocatícios fixados na sentença, prejudicada.

 Processo: 0062128-85.2014.4.01.3400  

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar